Sobre “A Alma dos Bairros” (2007)
(2ª reimpressão: 2011)
do escritor Vinícius Fernandes Cardoso
(Contagem/MG)
(Nos 5 anos de “A Alma dos Bairros” de VFC)
A Necessidade de um Pensamento Reflexivo sobre nossa Época
Parte 2
Poemas
Já tivemos a oportunidade de dialogar com o autor sobre a produção poética, sobre o não forçar o poema a sair do limbo, etc. Conversamos e analisamos poemas um do outro, já gastamos horas e mais horas debruçados sobre o que seja poesia e o que é prosa. De como um poeta medíocre pode ser um bom prosador, e o motivo que leva literatos a pensarem que são poetas. O que há de tão importante em ser poeta? Por que algumas pessoas proclamam tal fado com tanto orgulho e vaidade? Enquanto outros se envergonham de ser poetas...
A Escrita não é uma arte fácil. E a Poesia é a mais difícil e complexa das artes literárias (se é que poesia é literatura... poesia pode ser música, ruído, performance, espetáculo, objeto...) a ponto de desanimar muitos futuros literatos-poetas. Muitos trocam a poesia pelo conto, pelo teatro, migram de um gênero literário a outro. Quem fica na Poesia é porque realmente está abençoado-amaldiçoado a ser poeta.
Assim, não é muito tranquilo dizer : sou poeta ou quero ser poeta. O poeta pode escrever poemas ou pode tentar versos originais, mas a Poesia é sempre uma vivência exigente, não apenas um jogo de palavra, não apenas assonâncias e aliterações, não apenas métricas e rimas. Não é apenas o caso de se escolher um adjetivo ou um advérbio. Envolve um dizer e um modo de dizer, um algo a ser dito e a forma ideal para atingir emocionalmente o outro. Muitas coisas podem ser ditas em prosa ou teatro, mas na poesia a coisa a ser dita precisa seguir o modo como é dita.
Há muito a ser dito – ou tudo já foi dito? - que o que faz diferença é o MODO como é dito. O bom poeta é aquele que encontra um 'jeitinho' diferente de dizer o que já sabemos (ou nem sabemos que sabemos até o poeta dizer...) a ponto de acharmos que ele descobriu aquilo – como se não tivéssemos uma civilização de uns dois mil anos... A alma humana já foi vasculhada e radiografada ao extremos – ainda mais depois de um Dostoiévski, de uma Virgínia Woolf, de uma Clarice Lispector – que raramente encontraremos ainda algo a descobrir. Mas aí é que está a arte: o modo de expressar o que sabemos.
É na expressão que o Poeta marca. Somente na Poesia a expressão é a carga total do 'dito' e do 'modo como é dito' a ponto de condensar em versos uma sabedoria que gastaria páginas em prosa – basta lermos um haicai para percebermos o fenômeno. Mesmo que o Autor tenha muito a dizer – e se ele diz é porque está convencido disso – se ele não encontra o MODO de dizer , ele vai fracassar.
Posto esta questão, vamos reler o poemas do autor VFC. Aqui temos toda uma ebulição de desejos e vontades, de observações e nostalgias. Todos têm sentimentos, VFC tem muitos. Mas nem todos são poetas – e podem no máximo ousar uma prosa poética. Por outro lado, o autor não vai para a prosa narrativa, não ousa contos ou romances. Prefere a linguagem condensada da poesia – ainda que tenha que 'lutar com as palavras' (como dizia o guru CDA) – ao modus operandis da teatro ou a narratividade do conto.
Como uma característica de 'nossa geração', VFC oscila entre falar de si mesmo e falar do mundo ao redor. Ora se vê no espelho ora se vê nos olhares alheios. Ora conversa consigo mesmo, ora tenta um diálogo com o leitor (ou a quem ele dedica o poema). Ora se entrega ao tom confessional, intimista, ora faz poesia pensada ao estilo F. Pessoa e C. Drummond.
“A compostura a que me posto nos tempos e espaços,
É senão o seu abraço sereno, presente, de mim convicta.
É você, muitas vezes por pensamento de morte,
É você, quase sempre por sensibilidade de vida.”
(“Alguma Coisa Minha”, p. 41)
Outras vezes a voz do eu-lírico ousa falar em nome da coletividade, refere-se a um 'nós', um 'a gente', que pode ser ele num contexto, que pode ser o leitor e o autor num contexto, que pode ser os leitores num contexto, “Seremos vingados? Seremos irmãos? Seremos humanos?” (p. 52),
“A gente queria pensar tão livre,
A gente queria sentir tão pleno,
A gente queria a luz além terra,
A gente queria largar da gente.”
(“Acontece que...”, p. 43)
e
“Vivemos o evento e esquecemos do ser.
A notícia oprime, o excesso oprime,
Pobres de nós sem discernimento,
Vagueamos sem rumo e pensamento,
Inofensivos e frágeis e o vento
sopra um verso que nos apazigua.”
(“Versos Geniais Voaram ao Vento”, p. 46)
e, ainda,
“Sem arrufos e erros, afinal
herdamos um mundo estranho e
já estamos bem afastados.
Sejamos companheiros, algo
mais será excesso forçado.”
(“Ainda o Medo”, p. 48)
Outras vezes o poeta se indaga, se justifica, se menospreza, hesita em assumir a própria arte, batalha contra as cadeias da linguagem,
“Até quando meus olhos desconstroem?
Até quando meus olhos destroem?
Destruo para me proteger?
Nada sei, sei que escrevo mal.
O certo porém é o meu silêncio.
Quando entendo tudo e me calo.”
(“Começo a duvidar dos meus olhos...”, p. 44)
e
“A palavra limita a mente,
Limita o que tento dizer,
São os séculos,
São os mestres,
Como é difícil escrever.”
(“Versos Geniais Voaram ao Vento”, p. 47)
Ao olhar para fora, o eu-lírico encontra seus dramas espelhados no contexto (ou seus problemas são causados pelo contexto, aqui o sistema econômico, mercenário e mesquinho) que engloba Eu e Outros, o autor e o(s) leitor(es), todos irmãos e cúmplices, “hipócrita leitor, meu igual, meu irmão” (Baudelaire),
“Foi o sistema que fez isto,
Foi a ganância e o poder,
foi o homem ser do fogo,
Fui eu, fomos nós, foi você.”
(“Elegia”, p. 53)
e
“Ontem tentei escrever para alguém,
Sem máculas do mundo, limpo e puro,
Mas o mundo existe e veta o lírico.
Ventava, o tempo era bom e calmo
mas havia pessoas e seus barulhos.”
(“No Fim sempre um Começo”, p. 54)
que nos faz lembrar aquela “Elegia 1938”, onde o eu-lírico aponta para o leitor, “Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, / onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. / Praticas laboriosamente os gestos universais, … A literatura estragou tuas melhores horas de amor./ Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear./
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota/ e adiar para outro século a felicidade coletiva.” (in: A Rosa do Povo, 1945)
Ao estilo Beatnik, ou antes, ao estilo Walt Whitman, o poeta VFC entoa canções a si mesmo, mas sem aquele otimismo que emocionava o bardo norte-americano autor de Song of Myself (Canto de Mim Mesmo), como é o exemplo de “Oração de Mim Mesmo”, com uma torrencial prosa poética,
“Eu queria escrever um poema que me traduzisse, que depois de lido me acalmasse e me reintegrasse a mim.
Eu queria escrever um poema que fosse como uma música órfica ao fundo de um bar a meia-luz.
Eu queria escrever um poema que me orientasse por dentro e que me desse um sentido de ser, mas que esse sentido não fosse objetivo para que eu pudesse sempre praticar a liberdade de poder sempre me perder.” (p. 58)
e
“Eu queria escrever um poema aberto de forma que ele nunca estivesse completo em termos de início e fim, mas que a cada leitura revelasse uma nuança de cordo com o estado de espírito do leitor.” (p. 59)
“Eu queria escrever um poema que não se preocupasse em dizer o que é pois de tão certo de o ser se dispensará de explicações, simplesmente dirá como uma criança diz o que diz.” (p. 60)
O longo poema-ladainha “Anomia” (pp. 69-78) cuida em pregar um niilismo que não convence – pois se nada realmente importasse, por que o autor se dá ao trabalho de escrever algo? - que parece mais um desabafo dos desencontros entre o desejado e o alcançado, o idealizado e o realizado. “Que importa o poema / se o pânico assoma?” ou “Que importa o eu, / se não cabe em si mesmo?” e ainda “Que importa a verdade / se não pode ser dita?”, também “Que importa a crítica / se assimilada pelo sistema?” numa necessidade de comunhão entre o íntimo e o mundo – como se o mundo estivesse aí para nós agradar.
O poema-ladainha continua ao longo de páginas no mesmo 'espírito' : desacreditar na mudança, na transformação, na comunicação. Mas se realmente houvesse descrença então não haveria poema – pois escrever pra quê? “Que importa a revolução / se vitoriosa, for traída?”, “ Que importa a democracia / se todos pensam igual?”, “Que importa a palavra / se limita o pensar?”, “Que importa obra / sem criatividade?”, “Que importa o jornal / se nunca imparcial? // Que importa a imprensa / se mais uma empresa?”, “Que importa a declamação / se não prestam a atenção? // Que importa o artista / se ninguém valoriza?” e “Que importa o poema / se não for sem fim? // Que importa escrever / se exigem beletrismo? // Que importa a literatura / se só tinta e papel?”
Aqui o autor vai de desconstrução em desconstrução (outro discípulo de Foucault e Derrida?) até desconstruir a própria expressão, a própria literatura. Ora, mas ele não usa um discurso literário? Se a literatura fosse mesmo somente 'tinta e papel' o que valeria escrever? E mais: imprimir, publicar, fazer lançamento. É como se um filólogo começasse a duvidar da linguagem...
Comentários e Diálogos
Aqui o autor abre espaço para outras vozes. Está incluída em sua obra ensaios de terceiros, de autores que pensam as mesmas problemáticas, e que leem as mesmas obras, e – o mais importante – lê a obra do autor VFC. Por isso a seção 'Diálogos', pois o autor encontrou um leitor. E trata-se deste mesmo LdeM que escreve aqui. Os curtos e sucintos ensaios “Entre o Intelectual e o Poeta Andejo”, “Vozes que clamam no 'deserto do real'”, “O Poeta Andejo no Vazio da Época”, e os poemas “Um Poema contra a Abstração do Poema ou Manifesto contra o Terceiro Setor” e “Andanças” são assinados por Leonardo de Magalhaens.
Em diálogo escrito e expresso com o autor VFC, eu, LdeM, ao encarnar o papel de leitor atento, de crítico, preciso me posicionar como o Outro - não como o amigo, ou confrade de letras. Necessário é manter um distanciar em relação ao Autor e dedicar-se num debruçar sobre o Texto. Para a minha crítica a Obra vale mais que o Autor. Depois de publicar, o autor é dispensável.
Claro que para os autores vaidosos e arautos da autopromoção esta minha profissão de fé é uma blasfêmia – pois é como se a Obra servisse aos interesses do Autor. Coisa de vaidade humana. Para a minha crítica é o Autor que serve aos interesses da Arte literária – caso contrário, pode o incauto se dedicar às coleções de selos ou tampinhas de cerveja, ou ir surfar no Havaí.
É basicamente o que elaboro nos ensaios – não pode o autor VFC se reduzir ao panfleto, ao desabafo, às confissões – ainda que válidas, têm mérito – mas deve usar tudo isso como uma argamassa para um produto mais concreto: a Obra. Que tenha estilo, tenha posição, tenha ideologia. Ótimo. Mas a Obra deve ser legitimada em si mesma.
Não importa se o autor é de direita ou de esquerda, se é um santo ou um facínora. A obra é que interessa. Não interessa se prega o aborto, a eutanásia, o suicídio coletivo, a paz universal – mas COMO ele prega o que resolver pregar. Mais vale um obra iconoclasta bem escrita do que um discurso panfletário pessimamente redigido.
Na verdade há um jogo espelhado aqui – um espelho dentro do espelho ao infinito – pois minha crítica aborda a obra de VFC que, por sua vez, aborda obras de outros autores. E normais: são nossas leituras: como eu leio VFC e como VFC lê os outros autores. E como um lê o outro. Muita coisa aqui – principalmente no longo poema-desabafo verborrágico “Andanças” - somente será compreendido entre o autor e o crítico, entre o poeta e o amigo, numa linguagem cifrada de vivências e lembranças em comum.
“sei que tudo não passa de confissões ao pé do ouvido que tudo é desabafo tudo é leitura insana e obsessiva de clássicos da poesia brasileira”
“e tu serás um escritor um poeta fingidor um poeta doído e afetado um escrivão dos temores hiper-pós-modernos um escriturário do tempo digitado e catalogado
e tu serás o escritor das angústias da classe média dos tantos subúrbios o cantador do tédio das cidades-dormitórios em busca da 'alma dos bairros'
e tu serás o grande errante entre o medo e o futuro, o poeta andejo avistando o brilho dos trilhos do metrô” (pp. 92 e 93)
Levantamentos
Aqui o autor presta serviços de utilidade pública – indica endereços de bibliotecas escolares e comunitárias, livrarias, locadoras, sebos, acervos, memoriais, centros culturais, etc na cidade de Contagem. Aborda a imprensa contagense, os tipos de impressos, de jornais, de periódicos. Quem são os colunistas, e os patrocinadores? Como é distribuído? Em seguida a lista dos jornais e gazetas, com seus editores e contatos. Um trabalho e tanto de pesquisa e (porque não?) contra-informação.
Pos Scriptum
Aqui Contagem é lida através de um ensaio e um poema. O ensaio é intitulado “Contagem Pós-Industrial” - de como uma cidade rural passa pelo industrial e acaba no setor de serviços – e dialoga com outros autores: o francês Henri Lefebvre e o contagense Ignácio Agero Hernandez. Sempre em busca da cidade e da alma dos bairros – identidade em construção.
O poema é justamente o monumental-discursivo “A Alma dos Bairros” - escrito e divulgado em 2004 – sobre o qual escrevi em ensaio de julho de 2009, ao se completar meia década desde a publicação. Permitam-me repeti-lo aqui como fechamento.
sobre o poema A ALMA DOS BAIRROS (2004)
do escritor Vinícius Fernandes Cardoso
A Cidade enquanto espaço de Política
Ao fim das Utopias, com as quedas de muro e cortina de ferro, com o declínio da Crítica Política, a Estética passou a imperar sobre a Ética, sobre a discussão dos males sociais, voltando a um esquema ‘arte pela arte’ (se é que isso existe...), deixando pouco espaço para uma crítica, exceto nas sufocadas margens, por jovens ainda sem consciência dos limites da Cidadania.
Aliás, fala-se muito em Cidadania e Cidadão, mas pouco se esclarece o aspecto da vida em sociedade, os Direitos e Deveres, coisa que não é disciplina escolar. Esclarecer por exemplo a importância de ser “Cidadão”, pois o próprio termo ‘política’ vem da “Polis” grega, a Cidade-Estado, onde todas as decisões importantes eram decididas em reuniões de Cidadãos, apenas os homens com família e rendas, não as mulheres e escravos. (Com o tempo, e muito sangue derramado, a Democracia ampliou as esferas de poder) Daí o sábio Aristóteles dizer que “o homem é um animal político”, isto é, exerce um poder na “Polis”, a Cidade.
Que poder exercemos hoje na nossa “Polis”? Qual é, aliás, a ‘nossa’ “Polis”? Aqui, no poema de VFC, é a cidade de Contagem, nas bordas de Belo Horizonte, mas poderia ser qualquer outra cidade às margens de metrópole/capital. Um espaço urbano com um grau de dependência, de falta de identidade, em relação a cidade mais desenvolvida, política e economicamente. É o caso de Contagem, espalhada, em identidade. Grande demais e suburbana, dispersa e provinciana.
Tanto que o Partido no poder (qualquer que seja) cria e recria a Cidade ao bel-prazer: quem ganha as eleições vai logo re-pintar os espaços públicos, com as cores do Partido vencedor (ainda mais quando o dono da empresa de tintas é parente do candidato eleito!)
“A política fez uns nomes e feitos e sujou a cidade
nas cores do partido vigente.”
Resultado visual e não-estético da Politicagem, sem mais nem menos. (o que mostra que os políticos não ‘acham’ que o povo é idiota, eles têm certeza!) Daí a indignação do Autor de “A Alma dos Bairros”, um ser a auto-intitular-se ‘poeta andejo’ ou ‘operário do ócio’, que percorre as ruas e praças a procurar então uma identidade, uma ‘alma’ dos bairros, do mesmo modo que o escritor carioca Paulo Barreto, o “João do Rio” vivia à busca da ‘alma das ruas’. E o que o poeta vai encontrando?
Fotos, retratos embaçados, restos de casarões, imagens políticas, outdoors, templos faraônicos, religiosos anacrônicos, jovens sem rumo, excesso de luzes artificiais, tudo de metrópole, mas ao mesmo tempo, um provincianismo, um retraimento de cidade do interior, onde a cultura não acompanha o crescer de fábricas e edifícios, onde o povo não se identifica, não sente sequer saudade.
“A história fala de fazendas e casarões que pouco inspiram saudades”, além de “títulos honoríficos”, nomes de ancestrais e fundadores, mas são “nomes que olhamos com tédio”. Essa triste indiferença invade os jovens diante das imagens do passado – não gera identificação. Quem serão os ilustres desconhecidos? (Quem se lembra que João César de Oliveira, lembrado no nome da longa avenida-arterial a ligar os dois corações de Contagem, foi um mascate, e o pai do nosso JK, Juscelino Kubitschek?)
Essa falta de identificação é notória, mesmo em BH. Mas em Contagem é até absurda (ainda mais se compararmos com Betim, Caetés, Sabará, outras cidades nas beiradas, mas com identidades formadas, com história própria) a ponto de justificar a busca do Autor, mais linguística do que geográfica, “nesta tessitura de luminares e sensações, com limitada linguagem, o pensamento divaga sobre Contagem”. Mostrando bem que a Cidade é aqui re-criada enquanto Entidade Poética, não objeto de aula e estudos.
É justamente esta liberdade poética de ser livre, e livre observar, a possibilitar a Expressão, o devaneio, que um Cidadão não se permitiria devido aos recalques da vida normatizada, das burocracias hodiernas, como bem apontou Kafka, com seus personagens imersos em absurdos que não podem entender, apenas pode vivenciar e sofrer, passivos e desnorteados. Essa “gente de plástico em série” que vive e anda, mas escravos da Alienação, da produção em massa de mercadorias, a busca do “lucro burro”, onde até a Educação e a Cultura está à venda (quem quer, quem pode, comprar??) É a Culture Industry (Indústria Cultural) analisada por Adorno e Horkheimer, em “A Dialética do Esclarecimento”(Die Dialektik der Aufklärung, 1947), no capítulo 4,
“Os despertos da caverna foram para o guetto, comercializaram o guetto”, e “Pujante a indústria da banalidade, enojam-me os artistas vendidos / Tudo à venda, nenhum poema”, onde denuncia que até a rebeldia foi enlatada e comercializada, os artistas se venderam ao Deus Mercado e se deixaram escravizar também pelo “lucro burro”, porque o Mercado assim exige! E onde o espaço de Resistência? “Nossa boca porca, com ela nos salvamos? resistimos? / Há resistência? Há ataques-bomba.” O espaço do terrorismo imagético e explosivo?
A banalidade da Arte: pra quê? Fazer festa, gravar disco, pintar quadros, pra quê? pra vender? Assim, os artistas entram na ciranda do Capital, não são mais subversivos, ou marginais, são rapidamente ‘assimilados’, viram mercadoria e geram mercadorias (camisetas, posters, CDs piratas, revistas para os adolescentes ‘rebeldes’, etc) movimentando um dito ‘segmento de mercado’ em nome de uma dita ‘pluralidade de escolhas’, desde que o ‘rebelde’ possa pagar pela ‘rebeldia’.
E nessa “leviatânica aldeia” (um trocadilho sombrio com a “Global Village” (aldeia global) midiática e o poderoso Leviathan de Hobbes, como uma imagem monstruosa do poder e suas coerções) nem os nossos intelectuais escapam, são meros scholars vendidos, renomeados “acumuladores de informação”, que recebem salários para defenderem o Mercado, assim do mesmo modo que funcionários públicos, policiais, juristas, publicitários, jornalistas, políticos, autoridades (in)competentes, todos à serviço de um sistema mercenário que não deixa espaço para a inovação, a não ser que gere lucro, um “lucro burro”, a cavar o nosso túmulo.
Este (A Alma dos Bairros) é um poema que não sacrifica o Discurso em nome da Estética, nem a Poética em nome do Panfleto, ou seja, coisa rara de se ver (e ler) hoje em dia. Vida longa a Escrita engajada do nosso poeta andejo VFC!
fev/2012
por Leonardo de Magalhaens