quinta-feira, 20 de junho de 2013

minha janela é minha televisão






minha janela é minha televisão


não tenho TV
não vejo paisagens digitais
tenho uma janela
por onde vejo acima
do muro da cerca
uma paisagem de concreto
não vejo futebol
além de um torneio
dos meninos na rua
atrás da bola de trapos
não vejo além do real
que o virtual me nega
na imagem do outro
canal outro vídeo
outro lado do mundo
entrevista da chanceler
manifestação de estudantes
greve de professores
homenagens para burocratas
bacanais para políticos
nada vejo além
de pó cacos de vidro
cerca rompida
faróis de carro
aqui da janela
toda aberta
a sucessão de sins e nãos
a tropa de talvezes
uma turba de quem-me-dera
o tropel de se-eu-pudesse
um turbilhão de esperas
e mais buzinas apitos
carros de som frenagens
faróis angustiados
motoristas apressados
vidas espremidas
entre o cartão de entrada
e a hora de saída
entre sorrisos e caretas
e aplausos de opereta
dia a dia debruçados
sobre a janela tela
de suas vidas outras
para esquecerem o tédio
do existir aí
mera engrenagem do ser
nos giros ébrios
da máquina ativa
vista aqui e acolá
em relampejos na janela
as miragens de outrora
que a vidraça apagou
lá um passado de luzes
aqui um apagar de eras
sobra um vulto surreal
imagens fantasmas
que a tela absorveu
invisíveis aos olhos
e sensíveis ao sentir
ainda embotado em dor
imagens que vão e vem
vistas aqui e acolá
não preciso de televisão
se tenho aqui esta janela.



19jun13



Leonardo de Magalhaens


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Literatura é Arte + Precisamos defender a Literatura




Literatura é Arte


      Para mim, leitor atento, a Literatura é sobretudo Arte, até deveria ser uma disciplina da Belas-Artes, sem qualquer pretensão a ser Ciência (como pretendem os alemães com sua Literaturwissenschaft), categoria a qual a Linguística até pode aspirar, e continuar na Letras, longe da Belas-Artes), sem pretender exatidões de classificações em cânones e escolas de época, como um catálogo de obras cuidadosamente compartimentado – prosa, poética, drama, épico, etc

      A Literatura é acima de tudo liberdade de criação, de expressão, de denúncia, de testemunho, de imaginação. O autor não é meramente uma máquina de textos, nem o texto uma fotocópia do autor, nem o narrador à serviço do acadêmico de plantão. É preciso cessar a rotulação, catalogação, classificação de tipos e escritas, em gêneros e escolas, pois, assumamos, tudo se mistura, poéticas épicas, poemas em prosa, prosa poética, drama em verso, etc, tudo numa miscelânea indiferente às vontades do crítico.

      Não quero dizer que a Crítica literária seja um esforço inútil, posto que necessária, sim, para oxigenar as mesmices ao acusar 'as pérolas lançadas aos porcos' e o 'joio no meio do trigo'. Crítica que visa 'separar alhos de bugalhos', fazer uma leitura atenta ao depurar aqueles que pecam por falta de uma real estética, estilo, 'efeito literário'. Pois muitos escrevem, mas poucos são literatos. Excesso de títulos na estante não significa qualidade, estando esta bem restrita e seleta. Somente para 'os eleitos'


jun/13

Leonardo de Magalhaens


.


-- para o texto (de outrora)
Precisamos defender a literatura


Precisamos defender a Literatura
dos interesses da Direita, da Esquerda, do Centro
e principalmente dos Acadêmicos


O que seja Literatura, e como a definimos nós que escrevemos, é uma questão sobre a qual nos debruçamos ao longo de quase uma década, quando a Escrita assume a importância de uma diálogo nem sempre viável na vida real . Então Escrever surge como a melhor forma de 'dialogar', de se expressar. Ainda mais visto a infinitude de palavras que jogamos fora, inutilmente, em conversações diárias.

A Escrita enquanto 'fixação' da Fala e expressão do Autor, não importando as 'fronteiras' entre um e outro (mero formalismo acadêmico) , permite a sobrevivência de Enunciações até alcançar as novas gerações, onde os textos estão sujeitos a novas interpretações, adaptações, deturpações e instrumentalizações. Sendo uma permanente fonte de consulta (e de comentários) a Literatura vê-se atingida por todos os lados por apropriações a servirem aos interesses de grupos políticos e econômicos, que visam a utilização do conteúdo humano e emocional da Escrita.

Seria uma utilização 'extra-artística' no sentido de além-da-Arte, fora da Arte, estando esta subordinada a um interesse não-literário, servindo como transmissor de ideias e não exatamente estética. Enquanto a proclamação de “Arte pela Arte” defende o discurso estético em si-mesmo, sem referenciais, sem ligações políticas e ideológicas. Mas o ?Arte pela Arte? já é (e não sejamos ingênuos!) uma posição política e ideológica diante da Escrita.

Assim, temos duas polaridades. O pólo do texto pelo texto, e o pólo do texto a favor de algo fora do texto. A Literatura dizendo sobre si-mesma ou pretendendo se manifestar (e agir) fora do âmbito literário. E cada grupo social, econômico, ideológico vem se esforçando por direcionar (ou dizer que a Literatura assim se direciona...) para um dos pólos. Obscurecendo (ou querendo ignorar) o fato de que a Escrita é diálogo (do Autor consigo mesmo, do Autor para o Leitor, dos Leitores uns com os outros...) intermediando os dois (ou vários...) pólos.

Precisamos, portanto, defender a Literatura dos interesses da Direita, que pretende limitar, moralizar, censurar os âmbitos literários, no propósito de reproduzir o status quo, a conservar a desigualdade, a garantir os privilégios para as Elites. Defender dos interesses da Esquerda, que visa instrumentalizar, tornar a Escrita um veículo panfletário de luta, muitas vezes destruindo a estética. Defender dos interesses do Centro, que deseja anestesiar as obras literárias, congelar qualquer debate, postergar qualquer crítica.

E principalmente defender a Literatura dos interesses dos Acadêmicos, que se esforçam em normatizar, rotular, compartimentar, ensimesmar a Escrita, ao fazer a Literatura voltar-se sobre si-mesma, ser 'metalinguagem', conjunto de paradigmas e estruturas, ou então mera ficção sem referenciais. Onde Enredo são ficções auto-referenciais, onde as personagens são 'funções textuais' (assim como para a Sociologia somos 'atores sociais').

Podemos ouvir, em plena aula de Teoria da Literatura, na FALE-UFMG, a barbaridade, dita por acadêmicos, nossos professores, que a Literatura nada diz além de si-mesma, que tem uma função estética apenas - ou seja, exprime toda aquela visão formalista, estruturalista, anti-historicista, que é contraponto à visão marxista (do materialismo-dialético, onde a infra-estrutura material determina a super-estrutura cultural-simbólica-discursiva) onde a Literatura é mero produto de formas sociais, numa dada época histórica, e assim todo texto é limitado, datado e de teor coletivo (onde ficaria o Autor e o Estilo? Também o Autor é determinado pelo meio social ...)


Neste ponto o marxismo está equivocado (principalmente autores como Lukács e Gramsci), assim como o formalismo (Bakhtin e Todorov) e o estruturalismo (principalmente Derrida e Kristeva), com poucas exceções, talvez Foucault e Deleuze, que falam de Texto-Contexto, Obra-Estilo, Discurso-História. Assim, um absurdo gera em contraponto um outro absurdo (assim como a humanidade nunca sabe resolver um problema sem criar outros...) Cada um quer defender um ponto-de-vista, e esquece que não há uma perspectiva ideal para se ver o mundo. Tudo são ângulos, parciais e subjetivos, de observação.

E é justamente esse pluralismo (nem sempre 'politicamente correto') que é preciso preservar na Literatura. Caso contrário, cada pólo vai querer censurar o outro: e para onde vai a 'liberdade de expressão'? (Com um porém, para os 'liberais', liberdade não mais é que liberdade para lucrar - e não repensam as consequências desse 'livre negócio' que gera concentração e pobreza...) A Literatura não serve a apenas um dos 'polos' mas a todos. A beleza de obras como Ulisses (de James Joyce) ou Crônica da Casa Assassinada (de Lúcio Cardoso) está basicamente no uso plural do discurso, a multiplicidade de visões, a partir do olhar de várias personagens.

Na Literatura Brasileira, para sermos específicos (e bons nacionalistas) temos ótimos autores que falam da Literatura na Literatura, mas igualmente ótimos escritores nos quais a Literatura se refere e discute o mundo extra-literário, com ou sem 'engajamento', mas em busca de diálogo, denúncia e testemunho. (Melhor redação: diálogo plural, denúncia social e testemunho existencial) A necessidade de 'espelhar' o mundo é sempre 'filtrada' pela necessidade de expressão. Há um Autor, há um Narrador, há um Estilo. (Dizemos um Estilo, mas o Estilo pode incluir uma multiplicidade de características, na mesma obra, e de obra para obra...)

Temos um Machado de Assis que preenche suas narrativas (de pouco conteúdo) com longas digressões, comentários metafísicos, nuances irônicas, como encontramos em Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas temos igualmente um Graciliano Ramos que fala do mundo extra-literário, absorvendo-o ao literário (como são clássicos os exemplos de São Bernardo, Vidas Secas e Memórias do Cárcere. Temos autores altamente estéticos, e não podemos deixar de destacar Guimarães Rosa, em Sagarana e Grande Sertão: Veredas, a mostrarem todo um interesse sobre o 'mundo extraliterário', onde as personagens não são meras 'funções textuais', mas representações de gente de carne e osso, que sofre sob a opressão e geme de angústia.

Temos autores altamente estéticos e psicológicos (lembramos Clarice Lispector, Lúcio Cardoso, Lygia Fagundes Telles, Autran Dourado) onde o texto tem um propósito, não sendo mera ficção de 'exercício textual', ou 'metalinguagem', mas uma forma de expressar um desconforto e comunicar este desassossego aos leitores dedicados (pois a Leitura exige dedicação, não apenas disposição para lazer e entretenimento), bem diferente de autores (ditos pós-modernos) que nada dizem além do texto, em um palavrório auto-referente, vazio de discurso, sem algo de importante a dizer, nada além de encher páginas e mais páginas de papel, com caracteres tipográficos inúteis.

A Literatura enquanto auto-referente é uma porca mastigando o próprio rabo, rodando em círculos, matando os leitores de tédio (que na ausência de um real Enredo ficcional, vão preferir os best-sellers do mês, que entregam mastigadas as fábulas e fantasias da temporada...) Dizer do dia-a-dia, dizer sobre o que é viver em um mundo desigual, não é desviar-se da Literatura, mas mostrar que a Escrita pode testemunhar o mundo ao redor, possibilitando ao Autor desabafar sobre seus sonhos e pesadelos.


[Set/09]


Leonardo de Magalhaens

divulgado no blog