segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Sexo: drama nosso de cada dia : Sex'n'Drama 2023

 


 




Sobre a obra Sex'n'drama

Selo Starling, BH 2023

Lecy Sousa, Marlon Nunes Silva et alli.


    Sexo: drama nosso de cada dia


    Preâmbulo


    É difícil dimensionar a importância do sexo, da vida sexual, em nosso dia a dia. Temos autores que defendem que tudo vem do sexo e se faz por sexo. Sejam os psicanalistas freudianos, ou os antropólogos, a ideia é a mesma: estamos aqui para reproduzir e perpetuar a espécie. É o lance de passar os genes para a frente.


    O ser humano sempre está agindo para atrair o sexo desejado, seja o oposto ou o mesmo, de modo que consciente, ou mais inconscientemente, se faz vaidoso e sedutor, e até agressivo, para conquistar o ser do desejo, mas sempre com uma satisfação que poucas vezes é alcançada. Após o ato sexual, a insatisfação e a melancolia. E a busca de outro parceiro ou parceira.


    O assunto sexo é sempre interpretado pelo viés de utilidade, de reprodução, de formar família. É um tabu falar de sexo como um mero prazer, uma diversão. Não é de bom tom falar de sexo como uma sacanagem. Palavras calientes somente são permitidas na intimidade das quatro paredes espelhadas. Na sociedade se justifica a vida sexual como outra necessidade fisiológica, pois dizem "o corpo é que pede", ou "vida sexual é sinal de saúde". 


    As dimensões não fisiológicas do sexo vão parar nas obras literárias. Não o sexo em si mesmo, mas o modo de desvelar o corpo e a persona do outro. Sexo enquanto gratificação da intimidade mutuamente compartilhada. Mais prazeroso que o ato sexual é a parceria, a revelação da nudez física e espiritual. Estar com alguém não significa apenas o corpo de alguém, mas a alma nua sem véus.


    Os discursos e as atividades sobre sexualidade oscilam num movimento pendular ao longo das eras. Momentos de liberação sexual são seguidos por forte repressão. Basta uma olhada nos últimos 5 séculos. Depois da repressão medieval ao prazer sexual, tivemos uma renascença de estética e luxúria. Depois uma época barroca de penitência. Em seguida um século iluminista de divulgação de material erótico e autores como um Marquês de Sade.


    Depois uma era vitoriana de repressão sexual. Pois 'decência' era a palavra. No século 20 um início de Belle Époque, e era do jazz, até anos 50 com macartismo e outras caretices. Então os anos 60 e 70 com a revolução sexual. Jovens casais em festivais de rock e uso de pílulas pelas mulheres que queriam sexo livre. Agora, os cristãos pop pregam a abstinência ou "esperar até o casamento".

 






    A Obra


    É sobre estas idas e vindas do fenômeno sexual que se debruçam os autores (só homens?) de Sex'n'drama, obra idealizada por Lecy Sousa e realizada / editada por Rodrigo Starling. A ideia do poeta e contista e performancer Lecy Sousa se mostrou fecunda ao convidar outros amigos para apresentarem suas opiniões e depoimentos e ensaios sobre o tema tão tabu. Ideia que fertilizou a criatividade dos autores para a frutificação de um livro excepcional. Tem literatura e tem livre ensaio, tem psicologia e psicanálise, tem depoimentos e testemunhos.


    A obra tem seu início e seu fim na forma de obra literária. Uma voz feminina abre Sex'n'drama com um depoimento longo e sincero, demasiado sincero, de uma senhora que passou por altos e baixos na vida sexual. Violência, exploração, preconceito, tudo isto mostra que a condição feminina não é nada fácil.  Como surgiu este depoimento? O autor LdeM se imaginou: E se eu tivesse nascido uma mulher? Como seria minha vida com outro aparelho reprodutor e outros desejos? E daí a imaginação fez seu trabalho.


    Uma voz masculina fecha a obra com suas considerações sobre a sexualidade na era virtual e pós-moderna em que tudo é supérfluo e o outro ou a outra é mais um (ou uma) na fila de fetiches. É o depoimento de Adriano Borçari que fecha brilhantemente um livro tão diversificado sobre um assunto tão polêmico.


    Entre os conteúdos literários temos os três ensaios de Marcos Fabrício Lopes, Helder Clério e Marlon Nunes Silva, além do ensaio livre de Lecy Sousa. Vamos então desnudar os textos por partes. Os autores possuem diferentes olhares e estilos quando abordam o comportamento e a sexualidade. Marcos Fabrício Lopes, um professor, tem um estilo ensaístico marcado, afinal é da área de Letras e domina o gênero ensaio. Seu olhar se concentra na cultura e suas manifestações: como a vida sexual é abordada em letras de músicas, sejam do rock ou do pop, a cada geração e seus testemunhos de 'sexo é coisa de família' e de 'sexo é sacanagem mesmo'. Quem define o 'obsceno'? Quem deu autoridade ao 'moralista'?


    O poeta e psicólogo Helder Clério explicita seu olhar lírico e clínico. "Quem tem medo de falar sobre sexo?" É uma constatação e uma provocação. Tanto conteúdo de teor sexual erótico pornô a disposição, mas quando abordamos o tema por que divagamos, enrolamos ou nos silenciamos? Depois de tudo, de toda liberação sexual, por que tanto tabu? É a cultura? É a política? É o credo religioso? O autor recorre a uma 'psicologia de massas' pois toda psicologia é social, não há um indivíduo sem um coletivo.


    O poeta e músico e polemista Marlon Nunes Silva apresenta seu olhar mais psicanalítico e filosófico. Freud explica? Lacan teoriza? Jung desmitifica? Melanie Klein elucida? O que Foucault tem a dizer? O que podemos aprender com Bauman e com Zizek? Sexo é outro simulacro? Sexo: instinto + imaginação ? Psicanálise lado a lado com a filosofia: clínica e pensamento e meditação. Somos consumistas por que somos narcisistas? Vivemos de fetiches por que somos insaciáveis? 






    Por fim, mas não menos importante, o ensaio livre (ou é autoficção?) de Lecy Sousa que, de imagem em imagem (literalmente!), teceu seu depoimento (muito incisivo e cortante) sobre os tabus da nossa época. O estilo de Lecy Sousa exposto todo aqui: crítica ao mundo pós-moderno, ironia com os objetos de fetiches, desnudamento dos ícones pop, deboche na cara dos moralistas de plantão, sarcasmo com os limites do profano e do sagrado, as caricaturas e as figuras da mídia são desconstruídas, desde atores e atrizes até revistas em quadrinhos. Imagens eróticas desde a antiguidade ilustram o ensaio livre que atira para todo lado: é chumbo grosso.


    Por que o assunto sexo é tabu? Por que desperta risos e rubor? Sexo é pecado? A Divindade preocupada com nossa vida sexual ? Quem define o que é profano e o que é sagrado? O problema é de 'moral e bons costumes'? O que Lecy Sousa quer é o fim da hipocrisia. Neste mundo de sexo enquanto mercadoria, onde corpos são maquilados e vendidos em vitrines. Corpos que são reformados e remodelados, como coisas expostas. O que Lecy Sousa quer é a vida autêntica!


    Em suma, este Sex’n’drama é uma obra polêmica e profunda. E tem para todo mundo: quem gosta de literatura, quem gosta de auto-ajuda, quem gosta de auto-conhecimento. Para quem é hetero, ou homo, ou metrossexual, para quem é cis e bissexual e trans e drag queen e crossdesser. Aqui tem a voz da diversidade, aqui tem um apelo contra os preconceitos, aqui tem um elogio à sexualidade livre e plena sem tabus e neuras. Pois assim falava Walt Whitman, o poeta do corpo e da alma, "O sexo contém tudo: corpos, almas, sentidos, provas, purezas, delicadezas, resultados, avisos, cantos, ordens, saúde." Boa leitura e boas transas!



set23



Leonardo de Magalhaens

poeta, contista, tradutor

crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG


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