sexta-feira, 15 de abril de 2016

sobre a tese 26 poetas ontem : BH literária , de Kaio Carmona / UFMG






Sobre a seleção na tese panorâmica de Carmona


     O poeta Kaio Carvalho Carmona, ou Kaio Carmona, defendeu recentemente uma tese de doutorado, "26 Poetas ontem: Belo Horizonte literária" (2015), em Literatura Brasileira, na Fale / UFMG, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Zilda Ferreira Cury, sobre a cena da produção poética na capial mineira, nossa metrópole-província, pós-década de 1980. Realizou ele um duplo recorte, espacial e temporal, a estabelecer uma certa seleção - os citados 26 literatos de destaque (por que não 20 ou 30 ? ou os 'dez melhores' ? ).

     Carmona escolheu e estabeleceu algumas linhas temáticas - cidade, erotismo, metapoesia - mas se esqueceu da ironia, do engajamento político, do surrealismo, da agroLírica, etc , o que deve ter limitado ainda mais a seleção dos poemas / poetas. Aliás, os poemas não são os melhores, ou mais representativos de cada poeta citado. Insiste ele numa crise da poesia - no que faz coro com o poeta e crítico paulista Marcos Siscar - autor de Poesia e Crise (Unicamp, 2010), quando há na verdade uma explosão de poesia, uma diversidade caótica, novos e bons poetas desconhecidos, novos e péssimos poetas divulgados...

     O que há é uma incompetência dos poetas, que deixaram que os cantores / compositores disseminassem a poesia em canções, desde os anos 1970, vide Clube da Esquina, Chico Buarque, Caetano e Gil, Maria Bethania, Raul Seixas, Cazuza, Renato Russo, Adriana Calcanhoto, etc, que passam a ser considerados 'verdadeiros poetas', enquanto os poetas se refugiam nas torres de marfim e nos livros / antologias. Poetas, deem o fora de seus gabinetes, já bradava os Ferlinghetti, poeta Beat, desde os anos 1960. Os poetas deviam continuar nos saraus, na leituras públicas, nos atentados poéticos, apregoando o reino sagrado da lírica, mas se emudeceram em papel reciclado e fonte garamond.

     A tese de Carmona é interessante, riquíssima e realmente essencial, mas tem seus pecados, e padecerá no purgatório da crítica. Até a página 65 o doutorando vai bem, quando segue uma abordagem até jornalística a informar sobre as publicações - várias !! - desde as décadas de 1920 a 1960, de Drummond a Affonso Ávila, do modernismo ao concretismo. Tudo certo. Para isto serve a academia: apurar e contextualizar.

     Contudo, todavia, quando ele alcança seu foco - o recorte temporal de 1980 a 2000 - Carmona começa a deslizar, se embaraçar. Sua seleção de poetas, sua seleção de poemas de cada poeta, mostra-se um balaio de gatos sem rumos, com eleição de uns em detrimento de outros. Que relevância entra em foco aqui? Que critérios tem o 'antologista'? Tempo de publicação? Quantidade de livros publicados? Repercussão na mídia? Alguns realmente merecem aplauso: Sebastião Nunes, Alécio Cunha, Carlos Ávila, Sérgio Fantini, Jovino Machado, Fabricio Marques, Wilmar Silva, Bruno Brum, Kiko Ferreira, Adriana Versiani, Simone de Andrade Neves, Mário Alex Rosa, Ana Elisa Ribeiro, Vera Casa Nova, Ricardo Aleixo. Mas vários poetas e poetas são ignorado(a)s. Onde estão os poetas Rogério Salgado, Luiz Edmundo Alves, Tânia Diniz, Rodrigo Leste, Wagner Moreira, João Diniz? E Neuza Ladeira? E Clevane Pessoa? E Regina Mello, Lívia Tucci, France Gripp, Brenda Marques? E Mônica de Aquino?

     Realmente listar nomes fica complicado, sem contextos. Sem critérios, complica mais ainda. Eu tenho minha lista de 26 poetas, o J. Quest tem sua lista de 26 poetas, o MC Goroba tem sua lista de 26 poetas, entonces quem tem a razão? Cada grupo tem sua lista de 26 poetas relevantes. Aliás, este lance dos 'grupos' é o foco do problema.

     O problema - a crise? - da produção poéica em BH é o da fragmentação. Ou dispersão? Ou incomunicação? Entenda-se: vários grupos / grupelhos de poetas e poestas espalhados pela metrópole-província, cada um no seu gueto, e sem contato com os outros. poucos poetas leem outros poetas próximos - sem qualquer opinião, além da subjetiva (gosta, ou não, dele/dela...) Há segfmentação, fragmentação, falta de leitura mútua, leitura cruzada, leitura atenta e crítica. Voilà! eis a a crise literária de BH.

     Quando este escriba aqui chegou em BH, nos idos de 2004, tinha a esperança de - através da recém-criada e logo extinta ong cultural OPIO / OPA! - congregar/ participar em vários grupos, realizar um intercâmbio, fazer leituras cruzadas, e eventos em comum. Vã esperança. Cada grupo / panela se mantém fechado, isolado - e é preciso certas 'senhas', certas 'apresentaçãoes' para adentrar o recinto, ser um iniciado, atento neófito. Com raras, raíssimas, exceções, vide os centros culturais que anunciam seus saraus abertos, assim como o Munap, Museu Nacional de Poesia, com as sementes de poesia, de microfone aberto a todos, em sarau matinal no parque municipal.


     Mas, geralmente isolados - geografica e intelectualmente - vários grupos elegem seus vates / representantes, e passam a considerá-lo/a o/a grande poeta, e depois acha injusto tal poeta não ser reconhecido/a municipalmente. (Pois estadual e federalmente é quase impossível - só se fizer fama em Rio ou Sampa, como Paulo Mendes Campos, Affonso Romano de Sant'anna, Silviano Santiago, etc, ou ganhar o Jabuti...) Então fazer uma 'amostragem' da produção de poesia em BH seria selecionar 1 ou 2 poetas de cada grupo - e não 10 de um grupo e 10 de outro. Muitos poetas não transcendem o grupo - ainda que tenham qualidade! - e pouco[a]s publicam - seja em livros, blogs ou redes sociais. Assim, selecionar apenas os midiáticos, é ir no caminho pavimentado, no que está nos suplementos (onde poucos publicam....)

     Há muita ênfase nos poetas do Suplemento Literário de Minas Gerais e no jornalzinho Dezfaces, enquanto outros grupos são ignorados. Por exemplo, ninguém de A Parada (ainda que tenhamos a citação de Ana Elisa Ribeiro, professora do Cefet/MG, onde se originou a publicação.) Temos poetas sem qualquer relevância - a não ser na academicamente, como bons formalistas, repetidores neoparnasianos, ou meros hermetistas, ou enfadonhos metapoetas, a escreverem para outros acadêmicos ... - enquanto outros poetas, ainda que em início de carreira, têm muito maior importância. São os/as poetas sem classificação - nem formalistas, nem surrealistas, nem concretistas, que vivem fora de todos os grupos, ou participando de dois ou três grupos.

     Alguns poetas só aparecem na seleção - no tumultuoso corpus - não apenas por temática, mas devido ao espaço na mídia ou na faculdade, enquanto outro[a]s correm por fora e têm uma qualidade poética muito maior. São poetas de eventos, de intercâmbios, de antologias, que desenvolvem um estilo próprio. Vide a escrita de Makely Ka, que digere de cordel a poesia Beat. A de João Diniz, de perfil arquitetônico, diversa. A de Bruno Brum, pós-concretista, pós-marginal, pós-punk, pós-pós-moderna. A 'agrolírica' de Wilmar Silva, achado novo, de imagética surreal. É de se perguntar: por que a obra de Wilmar Silva foi referida tão superficialmente? Anu, obra agrolírica, abordada só 'graficamente', como se fosse peça de concretista. Somente a obra de Wilmar Silva mereceria uma tese. Situar a obra, não recortá-la, para efeito de mosaico panorâmico.

     Está fora do recorte temporal da tese, sabemos, mas nenhuma referência aos poetas relevantes hoje, seja Makely Ka, Babilak Bah, Marco Llobus, Ricardo Evangelista, Neuza Ladeira, Rodrigo Leste, Leonardo Morais, Rodrigo Starling, Lecy Sousa e Diovani Mendonça (ambos de Contagem, mas atuantes em BH), que se formaram em torno de centros culturais, em contaro direto com as comunidades, mano a mano com os / as leitore[a]s. Poetas que criam seus modos de divulgação, que fazem a música, gravam, carregam equipamento, montam o palco, abrem e fecham as cortinas, acendem e apagam as luzes. Eles e elas estão fora das grandes publicações, sequer aparecem nos encartes, muito menos na primeira página, nunca uma exposição televisiva. Em que seleção acadêmica adentrará tais nomes? Ou serão sempre anônimos?


15abr16


by Leonardo de Magalhaens

poeta & pensador




Leonardo Magalhães Silva
graduado em Letras - Fale / UFMG



quinta-feira, 7 de abril de 2016

2 poemas de ALEXEI BUENO




ALEXEI BUENO



OS RESTOS


Tudo retornará, tenho certeza, um dia,
Tudo ressurgirá na nossa alma inocente -
A mãe que nos levava, a face fugidia,
Os pés brilhando a um sol há tantos sóis ausente.

Depois, em cada noite, um manto astral silente,
A porta, única e exata, onde nossa ânsia urgia,
Nossa amiga vergonha, a outra esquiva, a Alegria,
E a Dor, na íntima rua, e a Náusea, hedionda e doente.

Mais os velhos de então... Sim, nada acabará,
Dedais, restos de feira, as bocas desmentidas,
Nossas cismas banais, nossa sorte tão má...

Cada som, cada cisco, a mais sonhada hora,
Tudo outra vez virá, mas mesmo entre essas vidas
A arder, nós nos voltando havemos de ir embora.



14 - 5 -1992




em Lucernário / 1993


...






ALEXEI BUENO



ESPÓLIO


No fim de tudo, quando os adorados
Membros forem torrões no pó incristados,
Quando os móveis tiverem, muito antigos,
Dado ceia aos cupins, fogo aos mendigos,
Quando os papeis rolarem já nas poças
E o chão pisarem nem nascidas moças,
Quando outras gerações, sem nome nosso,
Olharem para o céu sempre em esboço,
E os restos nossos, sem que a vida atine,
Dormirem num promíscuo de vitrine,
Sem um vínculo mais, um gesto, um preço,
Sem mesmo as casas, sem seu endereço
Também mudado já, sem um resquício
Do nosso rude amor, nosso suplício,
Então só sobrarão, no tempo emersos,
Uns versos, como agora, uns rijos versos.



5-6-1992




em Lucernário / 1993


sexta-feira, 1 de abril de 2016

3 poemas de THIAGO DE MELLO






THIAGO DE MELLO



O TEMPO DENTRO DO ESPELHO

[…]

§.
Para cumprir-se, o tempo necessita
de tudo o que já fiz e se aproveita
da moça adormecida na campina
perante a minha dor adolescente;
dos cabelos da minha mãe tão moça,
tão valente na proa da canoa;
da lágrima no olhar do meu amigo
me dizendo "que pena, eu vou morrer";
do meu primeiro filho perguntando
"para onde vai o mar quando é de noite?",
da tua mão na minha dentro da água;
do medo que eu senti na cordilheira,
dos cavalos correndo no vulcão
assustando as estátuas solitárias
com seus olhos de pedra me espreitando;
da pele do meu peito que murchou;
do espelho sempre intacto em que se esconde
o pretérito mais do que imperfeito
da minha vida.
O tempo é a minha sina
aderida a meu sonho além da aurora,
a frágua do meu cântico futuro.

§.

O tempo é a sombra e a luz do pensamento.
Mas sobretudo é o que te faz pensar.
Por isso ele não passa e não se perde.
O tempo dura inteiro a teu dispor:
pele imóvel de mar em movimento,
feito de imagens, nuvens, flores, flamas
e cinzas — tudo coisas que te falam
na voz, que não se cala, dos silêncios.


§.

Tempo, te dou memória de ti mesmo
pela mão do meu ser. Eu te dou tempo,
esta a tua verdade, eu que te invento
e te permito doer – e tu me mordes
e degradas o sol das minhas pálpebras
e me instigas feiuras escondidas
e esgarças a espessura do meu sono,
mais me vingo de ti, e quase te amo
porque nunca me gastas a esperança.



[1986]








O ALFANJE DO TEMPO


O tempo é o grande milagre
da vida do homem no mundo.
Não tem começo nem fim.
Mas está vivo, animal
respirando imenso em tudo
que a gente quer, sonha e faz.

O tempo que já passou
te conta como vai ser
o tempo que vai chegar.
Tudo leva a sua marca,
de pétala ou de ferrão.

Tudo traz o seu condão:
a criança correndo, o rio
passando, a rosa se abrindo,
a lágrima da alegria,
o silêncio da amargura,
a luz mansa da ternura,
o sol negro da pobreza.

O tempo é o nada que é nada.
O tempo é o tudo que é tudo,
o tudo que vira nada,
o nada virando amor.
O amor inventando estrelas,
a mais linda se apagou
na fronte da moça amada.

O tempo está no teu peito
clamando nas coronárias,
mas se esconde nas funduras
dos neurônios quando sonhas.
Está no fogo e no orvalho,
fermenta o pão que não chega,
arde o forno da esperança.

Alma do tempo é a mudança
que come o que vai mudando
e depois dorme sonhando
disfarçado de memória.

Nada perdura na vida,
a não ser o próprio tempo,
finge que passa, mas fica.
Imutável, modifica.

O tempo é o sol do milagre.
Cuidado, ele está chegando
na claridão da manhã.

A noite inteira ficou
no seu passo, te esperando,
de espreita em teu próprio sono.

Vem vindo para comer
na palma da tua mão.
Trata bem dele, aproveita,
enquanto há tempo, o que o tempo
permite ao teu coração.

Quem sabe ele vem trazendo
um alfanje? Ninguém sabe.
Pode ser uma canção.


[1998]













O OFÍCIO DE ESCREVER

Lendo é que fico sabendo:
O que escrevi já caiu
na vida. Não me pertence.
Leio e me assombro: as palavras
que arrumei com paciência,
severo de inteligência,
cuidando bem da cadência,
perseverante, escolhendo
não escondo, as mais sonoras,
e as que gostam mais de mim,
dando a cada uma o lugar
merecido no meu verso
(e que desta ciência os segredos
me deu o tempo de ofício,
um exercício de anos)
pois as palavras começam
a dizer coisas que nunca
ousei pensar nem sonhar,
pássaros desconhecidos
pousando no meu pomar.

§.

É quando descubro a rosa
— rosa em carne de palavra,
não é rosa da roseira —
Que chamei para o meu poema,
Rosa linda, venha cá,
Venha enfeitar o meu canto,
Se transmuda, mal a leio,
Num sonho que vai se abrir,
No espinho que vai ferir.


Só nesse instante descubro
que a rosa, para ser rosa,
no esplendor da identidade
com qualquer rosa do mundo
precisa ser inventada
pelo milagre do verbo.




[1998]




In: Melhores Poemas. Seleção : Marcos Fredrico Krüger / 2009






seleção by LdeM



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