sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

mais cidades das CIDADES INVISÍVEIS de Italo Calvino





As Cidades Invisíveis
Le Città Invisibili

Italo Calvino


trad. livre – LdeM


Le città e gli scambi . 2

As cidades e as trocas. 2


“Em Cloe, cidade grande, as pessoas que passam pelas ruas não se conhecem. Ao verem-se imaginam mil coisas um do outro, os encontros que poderiam haver entre eles, as conversas, as surpresas, as carícias, as mordidas. Mas ninguém saúda ninguém, os olhares se cruzavam por um segundo e depois se evitavam, procurando outros olhares, não se fixando.

Passa uma moa que faz girar um guarda-sol apoiado sobre o ombro, e ainda um pouco o círculo das ancas. Passa uma senhora trajada de preto que evidencia toda a sua idade, com os olhos inquietos sob o véu e os lábios trêmulos. Passa um gigante tatuado; um moço com cabelos brancos; uma anã; dois gêmeos vestidos de coral. Qualquer coisa corre entre eles, um mudar-se de olhar como linhas que ligam uma figura a outra e desenham flechas, estrelas, triângulos, até todas as combinações num átimo exaurirem, e outras personagens entram em cena: um cego com um leopardo na coleira, uma cortesã com leque de penas de avestruz, um efebo, uma mulher gorda. Assim entre aqueles por acaso se encontram juntos a se protegerem da chuva sob a marquise, ou se abriga sob um toldo de bar, ou para a escutar a banda na praça, se realizam encontros, seduções, amplexos, orgias, sem que se troque uma palavra, sem que se esgote com uma fala, quase sem levantar os olhos.

Uma vibração luxuriosa move continuamente Cloe, a mais casta das cidades. Se homens e mulheres começarem a viver os seus sonhos efêmeros, cada fantasma tornaria uma pessoa com a qual começar uma história de aprendizado, de fingimento, de equívocos, de choques, de opressões, e o torneio das fantasias se firmaria.”



Trad. livre: LdeM




As Cidades Invisíveis
Le Città Invisibili

Italo Calvino


trad. livre – LdeM


Le città e i morti . 1

As cidades e os mortos. 1


“Em Melania, a cada vez que se entra na praça, se encontra meio a um diálogo; o soldado fanfarrão e o aproveitador saindo de uma porta se encontram com o jovem esbanjador e a prostituta; ou então o padre avarento do limiar faz as últimas recomendações à filha amorosa e é interrompido pelo servo abobado que vai levar um bilhete à cafetina. Se se retorna a Melania depois de anos e se reencontra o mesmo diálogo que continua; no meio tempo estão mortos o aproveitador, a cafetina, o padre avarento; mas o soldado fanfarrão, a filha amorosa, o servo abobado estão presos aos seus lugares, substituídos por sua vez pelo hipócrita, pela confidente, pelo astrólogo.

A população de Melania se renova: os que dialogam morreram um a um e no entanto nascem aqueles que tomarão o lugar deles por sua vez no diálogo, numa parte ou outra. Quando alguém mudava de lugar ou abandonava a praça para sempre ou fazia a primeira entrada, se produziam mudanças em cadeia, até que todas as partes não são distribuídas novamente, mas no entanto ao velho irado continua a responder a criada espirituosa, o usuário não deixa de perseguir o jovem deserdado, a ama-de-leite de consolar a enteada, até que nenhum deles conserve os olhos e a voz que havia na cena anterior.

Acontece em todas as vezes em que um só que dialoga sustenta ao mesmo tempo duas ou mais partes: tirano, benfeitor, mensageiro; ou que uma parte seja desdobrada, multiplicada, atribuída a cem, a mil habitantes de Melania: três mil para o hipócrita, trinta mil para o caloteiro, cem mil filhos de rei caídos em desgraça que esperam reconhecimento.

Com o passar do tempo até as partes não são mais exatamente as mesmas de início; certamente as ações que aqueles demandavam através das intrigas e golpes de cena carrega contra um qualquer desenlace final, que continua a aproximar-se até quando a meada parece embaraçar-se demais e os obstáculos aumentarem. Quem se mostra na praça em momentos sucessivos sente que de ato em ato o diálogo muda, ainda se as vidas dos habitantes de Melania são muito breves para se perceber.”


trad. livre: LdeM




para ouvir sobre outras cidades invisíveis ...





terça-feira, 24 de janeiro de 2012

sobre "Sobre Ventos e Sementes" - de Jair Barbosa





Sobre “Sobre Ventos e Sementes” (2011)
do poeta Jair Barbosa


Olhar além do próprio umbigo


Intro (um panorama...)


A poesia como uma forma de expressão mais do que uma criação artística tem se apresentado desde os Românticos, onde a voz autoral tinha mais valor que o formalismo dos Clássicos. Ao expressarem suas sentimentalidades os autores incluíram dados biografias (que pouco importavam se verídicos ou ficcionais) e delírios, desejos e ânsias de grandeza pouco preocupados com os jogos formais dos mestres do Barroco ou do Classicismo.

Ao longo do século 19 outras correntes literárias de preocuparam com formalismos – vide os românticos que escreviam sonetos e os simbolistas com poemas mais sugestivos do que descritivos – ao lado de expressionismos autorais, quando não acetiavam um destaque maior sobre o autor do que sobre a obra.

Outros autores se destacaram justamente por causa da obra. Não sabemos bem quem foram Lautréamont ou Corbière, mas admiramos estes 'poetas malditos' por suas belas obras, mesmo que niilistas e iconoclastas. Os poetas se expressavam, falavam sobre si mesmos, mas não apenas sobre si mesmos. O fato de incomodarem toda uma cultura literária da época mostra o quanto olharam mais além – além dos próprios umbigos.

Durante o século 20 – principalmente após os movimentos modernistas – os autores voltaram mais à expressão dos sentimentos do que preocupações formais (com raras exceções – Eliot, Yeats, Auden, Pound - que confirmam a 'regra') uma vez que menos interessados em forma do que no conteúdo (seus sentimentos, dramas e vicissitudes existenciais).

Esta necessidade de expressar algo – mais do que a forma de expressar – levou a um enriquecimento da confissão, da auto-análise, auto-punição, e um consequente empobrecimento das artes poéticas em si-mesmas. Pouca originalidade e muita biografia. Versos pouco trabalhados, poemas que se resumiam em confissões. Faltava um pouco de teoria literária para vitaminar os poetas.

Por outro lado, outros exibiam um excesso de erudição que, no profundo hermetismo, afastava os leitores (vide as obras de Pound, Plath e Montale) a ponto de estes preferirem os claramente biografistas (melhor saber do poeta que da obra?) do que os (ditos) formalistas. Chegou ao ponto de os formalistas serem execrados como 'pedantes'.

Hoje parece haver um maior equilíbrio. Bons poetas sabem dosar expressão e modo de expressão – sabem falar do Eu e do mundo, sabem olhar para dentro e sem esquecer que há todo um mundo lá fora. Esperemos que esta balança poética (sempre em oscilação ) não volte a se desequilibrar.


'Sobre Ventos e Sementes'


O segundo livro de poesia do poeta Jair Barbosa está em nossas mãos. Era aguardado, pois o primeiro (“Gomo de Tangerina”, publicado pela Anome Livros) é de 2003. Um livro de estreia, com mais um sabor de novidade do que de originalidade. O poeta se apresentava, a crítica manteve-se silente.

Agora a crítica não pode ficar impassível. Podemos comparar, podemos dizer se houve evolução (ou não) na trajetória do poeta. (Entenda-se: não é o que ele expressa que julgamos, mas COMO expressa.)

Sobre Ventos e Sementes” (Edição do Autor) exige leitura atenta, pois trata-se de um volume de poemas, prosas líricas e máximas, que não estão em blocos, mas disseminadas em todo o canteiro. Onde o poético onde o prosaico? Encontraremos joio brotando meio ao trigo. É fatal. Contudo, saberemos antes distinguir onde o eu-lírico fala de si-mesmo e onde vê lá fora.

Na medida em que narrativa se diferencia de confissão, alguns poemas e prosas poéticas se diferenciam por olhar pra dentro e por vislumbrar lá fora. Ora o umbigo se dilata ora o barulho dos carros na avenida rompem os devaneios. Tudo é registrado, obviamente, por alguém que sente e (d)escreve, mas a ênfase sofre modulações. O fora muitas vezes espelha o que borbulha pro dentro.

Folheamos “sobre Ventos e Sementes”. De início, “os dois irmãos” , um poema narrativo e descritivo com cenário num local mais interiorano, o meio rural, “naquele ano eles ainda conversaram observando a fumaça que subia das canecas de café, sob o luar cresceram esfregando as mãos, ouviram histórias, silenciaram, adormeceram...” (p. 11)

Temos em 'asas' uma linguagem onírica (que lembra algo de Manoel de Barros) demonstra resquícios de um olhar infantil (que o poeta parece cultivar com ternura) quando declara que “gosto de recolher as migalhas que caem do crepúsculo e o meu olhar é o cansaço do outono” (p. 13), num bucolismo que destoa da vida que levamos. Aliás, este 'destoar' causa o efeito poético: quem para um pouco para contemplar o crepúsculo? Estamos correndo pra casa para assistir um seriado ou novela na TV...


Podemos citar exemplos de prosa poética com recurso narrativo, quando a narração é o 'suporte' e o lírico surge nos entrelinhas, com destaque para “metrópole” um testemunho do que vivemos diariamente nas grande s cidades inchadas de subempregados e despossuídos...

os semáforos espiam os invencíveis meninos magros, os meninos
jornaleiros, os velozes meninos trombadinhas, os meninos estátuas
prateadas, os meninos limpadores de para-brisas, os malabares dos
meninos equilibristas, os anônimos meninos palhaços...

os semáforos esperam nossos sonolentos rostos cansados no fim do
dia, esperam a noite, esperam o silêncio dos pardais, esperam o sono
dos mendigos nas calçadas, esperam os meninos desaparecidos
voltando para casa...” (p. 49)


Assim 'comunhão' (p. 45) também narrativo e com alguns traços biográficos, ainda mais que 'lagoa' aqui pode ser uma referência à Lagoa do Nado na região norte de BH, “numa tarde de abril o encontro com um amigo à beira da lagoa.”, algo prosaico que pode chegar ao lírico, na frase seguinte, “os melhores encontros não são marcados.” para construir e desconstruir liricamente o local (que passa a existir apenas no olhar do poeta)

e fremiam aquáticas plantas e flutuavam gravetos e sonhávamos manhãs fluindo nos arroios...” (p. 45)

para concluir pelo silêncio – as palavras podem quebrar o encanto – com um prosaico “não falamos mais nada.”

Além dos poemas em prosa temos os poemas mínimos (curtos), descritivos ao estilo haicai , “o orvalho solitário na pétala / e o último reflexo da lua / a rosa aperfeiçoa: / o amarelo engendra o dia.” (p. 35) e reduzidos ao mínimo ao essencial ao básico e limiar do silêncio, num processo de meditação onde se reduz a fala prolixa a um mantra, até a incluir uma máxima : “é certo que o sol nasce para todos... mas para quem ainda espera, a noite é provação.” (p. 31)

Tanto olhar lírico sobre as pequenas coisas, sobre o mínimo (que passa despercebidos aos ambiciosos do mundo), tanta identificação com os elementos da Natura, faz lembrar em alguns momentos a prosa idílica de um Guimarães Rosa, ou o olhar lúdico-infantil de uma Manoel de Barros. Mas o que percebemos em alguns versos (ou poemas inteiros) é uma clara influência do estilo 'agrolírico' de Wilmar Silva, principalmente do significativo livro “Estilhaços no Lago de Púrpura”.

Pois não é vemos um “avoante sobre o minarete do deserto eu”? ou um “eu / a mil milhas distante eu / ” (p. 47) ? que tanto intriga os leitores da agroLírica: o eu se confundindo com a natureza. Como pode um ser de cultura se identificar com as forças da Natureza/ trata-se de fantasia ou algum tipo de idealismo? Parece que os poetas sofrem disso desde o Romantismo. Esquecem-se que tanto nós (os aculturados, civilizados) maltratarmos a Natureza , ela agora se vinga.

A posição que denomino 'agrolírica' é basicamente um novo arcadismo de autores urbanos (com ou não origem interiorana) quando os poetas, vivendo nas selvas de pedra e aço, idealizam liricamente a beleza do meio rural, usam fartas metáforas com searas, frutos, aves, sementes, campos, gramíneas, rios, etc, ansiosos por uma vida no interior enquanto continuam sobreviventes na metrópole...

as folhas que eu piso já não têm a novidade da manhã e estalam
sob os meus pés velhas texturas num derradeiro suspiro de vida
eu penso sobre algo que perdi uma ingenuidade uma capacidade
de sonhar de crer sem perguntar […] não avalio mais as conjecturas,
essa é a hora de ir...
mas para onde?

(“quando os pássaros migram no outono“ p. 39)

No mais é constante uma ideia do deslocamento do eu-lírico, tal qual um poeta gauche num exílio mais íntimo do que exterior (exilado em qualquer parte em qualquer época), assim em “exílio” (p. 25),

de como depois de banido / fui me arrastando a uma terra estranha

numa necessidade de se apresentar, se reafirmar, mas sempre em relação a algo ou idealizado ou afastado, em que se espera a 'comunhão' mas esta é feita apenas de palavras, de um discurso que não vai além de si mesmo. Sobra a vontade, o silêncio e a insônia.

É o que percebemos nos poemas plenos do eu-lírico ensimesmado, retratos dos estados de espírito, do modo de ver o mundo, ou em conflito com o mundo,

e se agora o meu quarto pegasse fogo / minha alma certamente estalaria como as folhas secas” em “vigília” (p. 29)

dentro de mim uma floresta riso e paraíso
eu / meio grogue eu/ devoto sincero eu / “
em “como fugir daquele que nunca dorme” (p. 47)

me agiganto esplêndido animal mitológico de mil cabeças.
nesta noite escura o meu nome é sussurro insone imaginação perdição...
meu olhar claro pulso pulsando no meio da noite.” em “palimpsesto” (p. 51)

onde exausto irei parar/ / com a minha arte acenderei uma pequena fogueira /
e não serão apenas as estrelas / crepitando no breu da noite...” em “náufrago” (p. 61)

um dia arrebatado pelo vento, parti. Derramando a minha sede sobre
a beleza preferi perder o senso ao paraíso. Mesmo quando as musas
me abandonaram escrevi, violentei todas as linguagens, [...]” (p. 69)

Mas o interessante mesmo é quando o eu-lírico cessa de vislumbrar o próprio umbigo e passa a observar o que acontece fora, no mundo – é quando registra as cenas da vida cotidiana, da selva urbana surgem imagens quase líricas (ou liricamente traduzidas). Já comentamos a prosa poética de “metrópole” que também se encaixa aqui.

O recurso narrativo está desenvolvido quando lá fora algo acontece e merece descrição, um fotograma poético a registrar algo memorável, assim em outros poemas ou prosas poéticas,

os meninos de cabelos bem curtos as pernas finas os calções
largos os meninos deslizando os seus olhos enchendo d'água
os peixinhos iludindo atraindo capturando os meninos.
em “alento” (p. 33)


o homem cala-se em fração, se endireita na cadeira, olhar longe,
pensamento regressando sossegado, voando distante, muito
distante, buscando nos começos, demora-se... prossegue revelando,
aos poucos:” em “na varanda” (p. 37)


Justamente quando olha para além do próprio umbigo que o eu-lírico – ou a voz do poeta - demonstra um poder de testemunho, de registro que se aproveita das formas à mão (verso, prosa, máxima) para expressar o que muitas vezes nem percebemos. Sem esta presença do olhar do Poeta o mundo seria ainda mais opaco, ainda mais tedioso, ainda mais padronizado pela mesmice, pelo hábito, pela inércia social.

Só esperamos que o poeta Jair Barbosa mantenha este olhar além, que supere outros “ventos e sementes” e ouse dizer mais sobre o que sabe, suas vivências (não por serem suas vivências, mas nossas) , suas expectativas (também nossas) e suas frustrações (que compartilhamos) num processo de fotografia e testemunho, onde possamos nos identificar e reconhecer nele não mais alguém a confessar intimidades, ou vangloriar-se vate, mas uma real, uma potente 'antena da raça', no dizer muito apropriado de Ezra Pound



jan/12


Leonardo de Magalhaens

http://leoleituraescrita.blogspot.com


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meus artigos sobre a Agrolírica





sábado, 21 de janeiro de 2012

Poeta-Embaixadora da Paz plagia despudoradamente o Pão e Poesia




Poeta-Embaixadora da Paz plagia despudoradamente o Pão e Poesia


Quando o empreendedor e poeta Diovani Mendonça começou, em idos de 2007, a regar e adubar sua “Árvore dos Poemas” e concretizar e divulgar seu “Pão e Poesia – em qualquer esquina, em qualquer padaria”, ele não poderia imaginar o quão frondosa ficaria esta Árvore com seus frutos e nem o sucesso das embalagens de pão (ecologicamente corretas e fartas em versos) para mitigar a fome de boa cultura.

Acontece que a Árvore cresceu mesmo, além de seus frutos-poemas, virou selo editorial, lançou livros e o “Pão e Poesia” transcendeu fronteiras. A ideia ganhou as ruas e se disseminou pelas padarias e escolas.

O poeta Diovani Mendonça tem levado o projeto desde 2008 para várias escolas da região metropolitana de Belo Horizonte, onde os estudantes participam de oficinas de poesia e se envolvem nas criações poéticas, tendo seus versos selecionados e publicados nas embalagens que são doadas às padarias no entorno das escolas participantes. O “Pão e Poesia na Escola”, é um desdobramento do “Pão e Poesia – em qualquer esquina, em qualquer padaria”. Em 2011 a iniciativa foi executada em 10 escolas na região do Barreiro (BH) e a partir de março de 2012, serão mais 10 instituições atendidas na cidade de Brumadinho (MG).


Agora surgem os aproveitadores para colher os frutos nos galhos, afoitos em pegar o bonde andando, bons vaidosos que são, vaidosos que se utilizam da poesia como um trampolim, os ditos poetas sem ideias e que quando pensam (o que pensam?) pensam em academias de letras, ou renomes, ou honrarias, ou placas gravadas com seus sublimes nomes, ou homenagens de prefeituras, ou títulos efêmeros.

São assim colecionadores de medalhas, de cargos, de honrarias, e, quando não, eles pouco hesitam em se autoproclamarem embaixadores, presidentes, executores, representantes, que nada criam além de plágio.

Os promotores da paz que apenas promovem o próprio nome, os embaixadores que representam apenas a si mesmos. Bons plagiadores que apenas comprovam o dito cínico que 'nada se cria, nada se perde, tudo se copia', que tudo assim passa de mão em mão, de acordo com a sacrossanta ambição.

Alguns bons cínicos realmente não hesitam em se dizerem inventores da roda ou construtores do primeiro aeroplano ou criadores do universo, são os donos da Paz, os mantenedores da Vida, são os eleitos da Divindade.

Acontece que um belo dia a máscara cai e a face real – cínica, hipócrita, mesquinha – é desvelada a quem tem olhos para ver. Sob a pele de ovelha a carranca do lobo, sob a oferta de paz a arma da ambição. Atuam como bons políticos na arte de manipular 'corações mentes', a seduzir sutilmente, a contagiar astutamente – de súbito, o bote fatal. A serpente pronta para sufocar a vítima.

Paz, prosperidade, fraternidade são apenas palavras, apenas discursos pomposos, se não forem acompanhados de ações. E quando ações são movidas apenas por vaidade – por vã vaidade – nada será colhido além de discórdia, miséria e hostilidade.

Não adianta sorrisos de maquilagem, ou abraços fraternos, ou 'paz e amor' de gente que pouco esconde a bazófia, a arrogância e o egocentrismo – não se pode negar o óbvio, não se pode mentir sempre.


Assim quando Diovani Mendonça criou, viabilizou, concretizou, divulgou, construiu uma história, ganhou dois reconhecimentos do Ministério da Cultura de seu país, ele não podia prever os interesses pseudoliterários de uma certa Sra. Delasnieve Daspet (que também plagiou a Árvore dos Poemas, outra criação do poeta), nome pernóstico que esconde uma alma ambiciosa e vaidosa, com auréola da pacifista e altruísta – ó vã vaidade! - que se apropriou das ideias (formato, marca, eventos!) a ponto de se dizer criadora, idealizadora, empreendedora da Árvore dos Poemas e do Pão e Poesia.

A pessoa se contradiz, ora diz que se inspirou em X ora que se inspirou em antes de X, mas usa literalmente imagens e textos dos projetos de Diovani Mendonça. As mesmas ideias e argumentações...! o que impressiona é a trama de contradições, de inverdades, de cinismo, de interesses, de campanha na mídia, e 'bola pra frente', continuam as mentiras.

Assim a verdade há de reluzir, ó autoproclamada presidente! Ó auto-exaltada embaixadora! Ó autonomeada executora! Ó colecionadora de títulos que ousa versos e se autointitula poeta! Ó vaidosa que se apropria de ideias e se diz criadora! Ó promotora da paz que colhe litígios! Ó guru dos poetas de rebanho!

Tanto cinismo é a prova da vaidade que pensa poder enganar a todos o tempo todo, que pode roubar ideias sem correr o risco do desengano! Que na mediocridade não cria o novo mas deixa-se banhar em glória alheia, mirar-se no reflexo do sucesso alheio!

Que a máscara do cinismo saiba guardar os 'abraços fraternos' e o 'paz e amor' para seus adoradores e cúmplices, seus fãs e lacaios, mesquinhos ou de 'alma pequena' , que engolem as promessas de paz da louvada embaixadora, presidente, executora, empreendedora, representante, catedrática da vã vaidade dos pseudoliteratos que não servem à Literatura, mas se servem da Literatura para seus interesses de ambições hipocritamente ocultadas.


20jan12


Leonardo de Magalhaens

poeta e pensador
(sob responsabilidade do autor)




quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

algumas cidades de CIDADES INVISÍVEIS de Italo Calvino





As Cidades Invisíveis
Le Città Invisibili

Italo Calvino


trad. livre – LdeM



As cidades e a memória . 2

Ao homem que cavalga longamente por terrenos selvagens vem o desejo de uma cidade. Finalmente alcança Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à regra de arte telescópios e violinos, onde quando o forasteiro hesita entre duas mulheres lá encontra sempre uma terceira, onde a luta dos galos degeneram em rixas sangrentas entre os apostadores. Em todas estas coisas ele pensava quando desejava uma cidade. Isidora é então a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada continha-o jovem; a Isidora chega em idade tardia. Na praça há um mureto de velhos que aguardam passar a juventude; ele é atraído a fila com eles. Os desejos são agora recordações.” (trad. LdeM)




As cidades e a memória . 4


Além de seis rios e três cadeias montanhosas surge Zora, cidade que quem a tem visto uma vez não pode mais esquecer. Mas não porque ela deixa como outras cidades memoráveis uma imagem fora do comum nas recordações. Zora tem a propriedade de deixar na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas, e das casas ao longo das ruas, e das portas e das janelas nas casas, porém não mostrando nossas belezas ou raridades particularidades. O seu segredo é o modo no qual a vista percorre suas figuras que se sucedem como numa partitura musical na qual não se pode mudar ou deslocar alguma nota. O homem que sabe de cor como é feita Zora, a noite quando não pode dormir imagina caminhar pelas ruas e recorda a ordem na qual se sucedem o relógio de cobre, o toldo listrado do barbeiro, o esguicho de nove jorros, a torre de vidro do astrônomo, a banca dos vendedores de melancias, a estátua do eremita e do leão, o banho turco, o café na esquina, a travessa que leva até ao porto. Esta cidade que não se apaga da mente é como uma armação ou retículo em cujos compartimentos cada um pode dispor as coisas que quer recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, partes do discurso. Meio a todas as noções e todos os pontos do itinerário poderá estabilizar um nexo de afinidade ou de contraste que sirva de chamado instantâneo à memória. De modo que os homens mais sábios do mundo são aqueles que conhecem mentalmente Zora.

Mas inutilmente me desloco em viagem para visitar a cidade: obrigada a ficar imóvel e igual a si mesma para ser melhor recordada, Zora débil, se desfaz e desaparece. A Terra a tem esquecido.” (trad. LdeM)


Italo Calvino



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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Os Mortos

Os Mortos



    Reclinado na cama, em confortável postura, o homem tentava terminar o parágrafo. Leitura lenta e pausada, sempre interrompida. Eis que a mulher voltava alisando a camisola.

    - o Natal é uma época mágica...

    A voz melodiosa dava uma conotação dançante às sílabas banais. O parágrafo parecia longo demais. Descrições se arrastavam levando os olhos por um passeio nos litorais de cera capital europeia.

    - a expectativa dos presentes, aliás, a própria troca de presentes, entende?

    Duas mocinhas observavam o acariciar ruidoso das ondas nas fendas dos rochedos. Um homem passeava na praia. As mocinhas seriam sereias?

    - minha mãe que o diga... quando o Natal, você sabe...

    Dublin. A cidade do livro. Chama-se Dublin. E ele, o leitor, já quase esquecia o capítulo anterior. Aquela literatura era muito prolixa. Prolixa. Um termo que ele aprendera recentemente. Certamente em alguma palavra-cruzada, ele que não detinha diplomas, nem era formado (ou formatado, como ele dizia.)

    Em Dublin, um homem vagueava tentando vender anúncios para um jornal. Sua mulher o traía. Seus colegas o ironizavam. Suas palavras eram desprezadas.

    - não importa se é consumismo... comprar é sempre prazeroso...

    Não, ele não discutiria. Não devido ao preço do livro. O livro que estava em suas mãos. Ela fora longe demais? Ou afinal compras são compras? Toleráveis até que estouram o limite do cartão de crédito?


    Na cidade que ousam chamar de Dublin, um homem comum perambula por infindáveis mil páginas (não tanto assim, afinal ele não lera um romance em série que finalizava após três mil? Coisa de francês...)

    - e o papai noel é um símbolo. E cristo é outro símbolo. E o que não está à venda...?

    Ela evitava desabafar, mas quando começava era melhor falar e falar tudo de uma vez. Afinal era a única época do ano em que tinha dinheiro.

    Na cidade de Dublin, num anoitecer, o homem procura o eterno feminino, idealiza sereias, ouve o ressoar dos sinos e o revoar dos morcegos. As mocinhas são o desejo inalcançável. Insaciável.

    - veja que eu até sou paciente... não fico aí investigando suas contas...

    O cara de Dublin é traído. Sem lugar no mundo, tal o Judeu Errante. E vergonhosamente traído. Sua mulher uma tal de Molly. O homem (agora o leitor, confortavelmente reclinado em seu leito conjugal) pensa em suas suspeitas. Claro, convenhamos, que de início tudo foram flores. Literalmente.

    A praça. A flor ofertada meio ao trânsito. As sereias são meras buzinas. Os rochedos são motoristas estressados. A praça. Entupida de gente. Gente, gente aos montes. Nenhum banco disponível. Exposição em série de casais aos beijos e abraços. Gigantesca vitrine da libido.

    Depois ele voltara para reviver a cena. Encontrara um poeta (velho amigo) e a praça isolada. Atores em trajes de época, figurinistas apressados, seguranças carrancudos, câmeras de TV. Estavam gravando o capítulo de um minissérie. Outra superprodução global. Aí alguém comentou que um tal Juscelino fora prefeito da cidade. Que Juscelino? O JK? Ele nem se lembrava mais. Agora revivia a igrejinha às margens do lago (pouco idílico, visto que poluído...) e lembrava que sua relação com o passado era realmente meio televisiva.

    - mas você nunca presta atenção no que eu digo... fica aí olhando pro teto... eu falando que nem uma idiota. Depois não quer que eu fique irritada...

    A praça. O banco junto a fonte luminosa. As estátuas gregas. Tudo isolado. Tudo privatizado. A praça retrocedera no tempo e seus transeuntes se tornaram figurinistas.

    - você acaba com o meu humor...

    O cara de Dublin também não se dava muito bem com a mulher. Ele (o leitor confortavelmente reclinado etc) sabe que no final a mulher (a do livro, a tal Molly) fica a noite toda num palavrório mental sem pontuação e parágrafos. Ele, o leitor, fique claro, teme que a mulher, a dele, obviamente, fique no mesmo estado prolixo (ele adora esta palavrinha!) e em infindáveis cirandas verbais. Ele preferiria que ela pensasse em imagens. Que tal se ela fizesse uma oficina de pintura? Ele até compraria umas cópias de Van Gogh, Monet, Picasso ou Munch.

    Pensar em imagens é difícil, ainda mais num hospital cheio de estudantes falastrões (outra palavra que ele, o leitor, obviamente, adora!)

    - eu só queria agradar, você sabe.

    O leitor confortavelmente reclinado em seu leito conjugal desvia o olhar dos signos linguísticos e observa o deslizar da mulher sob as cobertas. O cheiro de uma fragrância floral se insinua entre os parágrafos. O homem lembra de suas primeiras noites de paixão e confiança, embalados por melodias marroquinas e baladas líricas. O incenso deixando aquela névoa no quarto, enquanto os corpos saciados esperavam uma ducha quente, para repousarem enlaçados.

    Por que o homem (o leitor, obviamente) se ocupa de outro homem (o do livro, claro) quando sua esposa o espera ao seu lado? Poderá ele reclinar o livro (quem sabe até fechá-lo!) e dormir sossegado? Negará uma massagem nos pés da amada? Não se entregarão à brincadeiras noite adentro?

    Uma criança é dolorosamente parida em Dublin aquela noite. Dores do parto. Ele que nunca vira na mulher uma mãe. Ele que sempre quisera aquele corpo - e toda a atenção possível - apenas para ele e sua satisfação. Filhos? Para que fazê-los?? "Filhos... Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos Como sabê-lo?" E parava, coçando os sobrolhos. Ele ali deitado lembrando palavras de um morto! Claro, os poetas são eternos, ainda mais aquele ali, o velho Moraes.

    - eu só quero que você seja real comigo... que seja você mesmo.

    O homem que anda por Dublin (ele ainda anda por Dublin? Um século depois? Ou ele para de andar quando fecho o livro?) também almeja ser real, mas não passa de uma personagem de romance! Ele quer ser íntegro, mas não é atendido, ninguém lhe dá uma chance. Ele anda falando consigo mesmo. Escondendo um EU de outro-EU. O homem que anda Dublin, num dia qualquer de junho, verão irlandês, estará realmente morto? (ele morre no final?) estará realmente morto o autor? O ilustre, imortalizado autor?

    - ora, largue isso, essas velharias!

    - Ahn? Hein?

    - ora, você sabe. James Joyce está morto.




(texto escrito em 2006)
Leonardo de Magalhaens

http://leoleituraescrita.blogspot.com