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poemas de
ANTONIO
SOUZA CAPURNAN
contemporâneo
na
esquina almodóvar da noite
o
rapaz classe média bonito
ao
preço de um jeans se oferece
no
dentro da noite moderna prece
o
rapaz classe média bendito
no
coração da avenida
o
rapaz classe média singelo
tem
hora sujeito na cama
tem
hora objeto e fama
na
alameda almodóvar do tempo
o
rapaz classe média argentino
diz
sim ao aceno do automóvel brilhante
e
o cadilaque globalizado
navega
na noite pingente
entre
o neón e meninos esquálidos
que
travam na noite moderna
una
increíble aventura
por
pan y chocolate
na
quebrada brasil de madri
un
muchacho almodóvar na tela
rubio
sol de maíz
diz
sim ao aceno do automóvel brilhate
na
tela febril de almodóvar
o
rapaz globalizado e bendito
recolhe
pesetas no néon brilhante
ao
odor barato de um motel
e
o automóvel pingente gentil
tem
ao volante um rapaz neón
cuja
namorada recolhe peseta e real
na
esquina do milênio almodóvar
y
hay otros muchachos
numa
incrível aventura
por
dinheiro e crack
o
que diria o poeta
desta
tarde bendita estagnada?
entre
a árvore e o relento
biógrafo
de um tempo:
eu
sou um cachorro aluado
no
coração da cidade
o
automóvel dissonante
não
atracou e ainda:
o
céu em brasília
é
de triste baía e lata
a
vida mudou de século
e
a jararaca acrobática
trocou
de nome e casaca
para
confundir a floresta
não
sabe a peçonhenta
que
os ofendidos de cobra
conhecem
de longe e bem
a
liturgia do bote
em
copacabana nossa irmã
doce
avenrura e porre
em
pão dormido e corpo alado
nosso
tempo é um calango estrábico
na
avenida são joão
os
vultos de cirrose
na
epiderme nordstina
na
epiderme da são joão
há
vultos de cirrose
e
avenida nordestina
e
todavia o automóvel brilhante
canta
a homilia globalizada
enquanto
o rapaz bonito e doce
rabisca
um coração hodierno
no
guardanapo de almodóvar
...
desenredos
quando
as flores densas de inverno
vão
se abrindo em silêncio e lua
quando
as árvores deliciam chuva
e
as nuvens desatam colibris e febre
tu
me arremessas em junho
e
me aqueces em luz
e
se a saudade vem como poste e onda
onde
sede e pão sou a mesa e o pote
e
se fugindo tolo vou florindo em verso
no
solar da estrela me adormeço em seda
contudo
arastas para si meu corpo de vertigem
meu
pecado de moinho
a
consumir gengivas
pedras
andanças
e
quase sempre
onde
queres a conclusão
eu
me quebro em movimento
...
surrealista
há
manhãs atemporais
em
que telhas me descem do céu
um
cacho de flor se abre em nenúfar
no
esteio do quarto
e
tudo é tão bom e estranho
como
a chave na porta
ou
o cinzeiro da janela do varal
e
a manhã se vai em bicho
porque
estou feliz
inteiro
e comum
há
noutras manhãs
o
trânsito cerrando a cidade
como
um cachorro grande
na
minha cama onde valsam:
rodas
flores esquinas estações
calo-me
assim à aridez do asfalto
como
se fosse o dia
um
estilhaço
um
destino
um
tiro no braço esquerdo
é
quando as telhas me são violetas
e
moço antigo
vou
gaguejando o barulho
da
nostalgia que há na cidade
e
um avião
a
nuvem
um
pássaro
o
relógio de ponto
pousam
na palmeira
silenciosamente
penso
que é noite
e
num óbvio de bicho
estou
para o sol ruminando promessas
há
manhãs tênues de arlequim e brisa
em
que a primavera me chega
de
carruagem e sapato de seda
que
o tempo
não
tem estação
nem
relógio de ponto
o
tempo
então
eu danço para ti
e
estou no teu olhar de sábado
num
úmido de febre e espanto
e
a manhã vai chovendo em mim
como
alaiança de noivo azulada
um
peixe na água girando
ou
esta nave no céu
...
maiakóvsky
os
sóis brotando das águas
lenço
branco na epiderme
o
calor dos santos
reacendendo
as preces
no
muro a sentença:
os
tempos difíceis já se foram!
que
tempo é este que começou?
a
dúvida no padre e cantiga nos lençóis
foi-se
embora o milênio
arbusto
de um século fascista
dobrando
a página escuto ainda
os
ruídos de um dogma
e
parcos signos de aurora
dizem
os donos:
os
jornais são livres e verdadeiros
alegria
tanta que cega
a
notícia é mansa qual lâmina
e
o boi no pasto mastiga o capim
solenemente
ou
ainda:
tudo
é natural
e
deus escreve em linhas tortas
então
o que quereis maiakóvsky ?
...
tempoveias
o
tempo passou na janela
neblinou
a cidade
o
tempo desarranja os cabelos
o
tempo é cortina de vidro
tudo
no empo é efêmero
como
o silêncio no beijo
o
tempo é um vulcão luminoso
cadela
de cinco patas
o
tempo e sua boca de monge
a
valsa do tempo
ruiu
sacramentos
o
tempo dança em falso
o
tempo canta em falsete
o
tempo é um calango estrábico
intermitente
o
tempo é policronia
ressaca
e miséria
a
retina do tempo é nostálgica
o
tempo põe cisco no olho
o
empo penhora o porquê
e
senhora a paciência
o
tempo é a frigideira quente
e
um peixe em sangue
solidão
e orgasmo
o
tempo vai engolindo tudo
que
tempo é este que começou?
o
tempo é pão dialético
onstrução
e ruína
o
tempo
este
cavalo brabo
atarantou
a utopia
foi
ele
o
tempo senhor de tudo
quem
me emprestou por engano
este
chapéu de chuva
in VALSA MÍNIMA / BH, 2015