sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Mais um dia [fragmentos] by Carlos Felipe Moisés








CARLOS FELIPE MOISÉS




Mais um dia
  (fragmentos)



Um tiro no escuro, louca
disparada do carro a zunir
dentro da noite,
um piscar de olhos --
e a luz do novo dia ilumina
a oficina do corpo.
O mesmo corpo feito de alma nua,
sangue e humores vários.
Um novo dia igual aos dez mil
novecentos e cinqüenta já percorridos,
gastos à mesa dos bares,
a acumular nas retinas
a imagem velha dos insetos
roendo a carcaça do dia,
jogada na calçada.
                           Insetos
assustados, à espera do bote,
à espera do berro, à espera
do sapo que os engole
          (engoliu!)
e eles não sabem e seguem,
a roer as migalhas grudadas
nas tripas do batráquio.
           Dez mil
novecentos e cinqüenta dias
consumidos à distância,
no silêncio do quarto onde rodopia,
há trinta anos,
a mesma velha inútil melodia.
Rodopia nada!
                  Explode
em gumes,
não resiste ao punho cerrado
que rompe a vidraça
e atravessa a neblina,
só para alcançar no arbusto em frente
o bago murcho que volta
e se espreme entre os dentes
e verte uma gota,
                      uma só,
a gota perdida
do ódio por tudo e por nada.
Ódio só afago,
inofensivo, guardado no fogo
brando em que me afago
há dez mil
novecentos e cinqüenta dias.
 





em http://www.jornaldepoesia.jor.br/cfm3p.html#maisumdia





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