no
ideas, but images
penso
em imagens
não
penso em tempo ou espaço
penso
em imagens
não
penso em conceitos : mas quadros
uma
mão segura uma criança inquieta
um
floco de neve flutua na vidraça
o
flash
do celular-câmera em outro selfie
a moça
de cabelo cacheado esboça um sorriso
um
guru em lótus digere uma sensação
a
jovem dama de cabelo rosa atende ao balcão
um
trem descarrilha numa curva nublada
um
homem engravatado ergue o telefone móvel
na
beira de um lago um iate desliza entre asas
um
casal em beijos num carro veloz numa highway
uma
nuvem desliza com sua forma de jabuti
dentro
de uma trincheira se debate um soldado pálido
um
atleta negro dá um tremendo salto
o
homem engravatado abaixa o telefone beija um papel
dá
um sorriso
manifestantes
meio à fumaça entre black blocs
e
tropas de choque
no
alto do prédio em ruínas um soldado ergue
uma
bandeira rubra
um
homem sozinho parado estanca uma coluna
de
blindados
uma
mãe ergue o filho nos braços e solta um gemido
duas
notas de dez dólares entregues por uma mão
trêmula
sob a mira de uma arma
perto
de uma represa um carro derrapa e cai
da
ponte
num
shopping center
uma família mãe pai duas filhas
contemplam
uma vitrine
não
penso em ideias : coleciono imagens
é
quase meia-noite no alto relógio da matriz e dois corpos
se
esfregam
dois
jogadores disputam a bola no gramado
um
jogador se contorce quando a bola sacode a rede
um
locutor se esguela ao gritar um urrante gooooool
na
fila de banco público um estudante completa as
palavras-cruzadas
do jornal
duas
mocinhas cintilantes trocam beijos na portaria da
discoteca
lotada
um
mendigo atravessa a avenida em altos brados
na
baía um barco um golfinho dois golfinhos outro barco
vários
golfinhos surgem em ondas
um
delgado assina inquéritos enquanto um detetive olha
pela
persiana
uma
cientista anota uma equação hermética num
quadro-negro
nada
de hipóteses: somente comprovações
uma
risada de criança ecoa no saguão do hotel
um
guarda-municipal olha com suspeita a mulher que
reclama
da falta de médicos
um
motociclista atropela uma idosa e desaparece na
tarde
cinzenta
outro
motociclista conserva o capacete adentra uma
loja
aponta uma pistola
na
lotérica um jogador aponta números com a ponta
da
caneta
um
espectador grita no telefone no pregão da Bolsa
de
Valores
os
surfistas esbanjam sorrisos num comercial de cigarros
a mãe
sorri para a criança rindo e rindo entre as bagagens
um
gesto de mulher reclama da demora no atendimento
uma
montanha de cadeiras quebradas entulha o depósito
da
escola
na
baía o rebuliço de golfinhos é filmado no celular da turista
a
professora na sala lotada grita sem voz contra dois alunos
em
luta livre
a mãe
segura firme a criança enquanto atravessa o saguão
de
bagagens
um
braço agita uma bandeira azul-e-branca na janela
do
carro
outro
braço se ergue no coletivo e um homem e um menino
se
levantam à espera da parada
no
altar o noivo contempla os vitrais e espera a noiva
uma
jovem mãe troca as fraldas molhadas do bebê inquieto
nenhum
dogma além de fotogramas
outro
torcedor ergue uma bandeira entre os carros – é
tricolor
uma
jovem mascarada acerta uma vidraça com uma
pedrada
furiosa
um
jato de água bombardeia a rua de barricadas onde
os
estudantes fogem
o
prefeito se ergue no palanque e inaugura outro viaduto
um
garçom desliga os ventiladores de teto e lança um
olhar
fatigado
dois
moços seguem de bicicleta pela orla da lagoa
poluída
uma
fila de automóveis se forma na portaria do jardim
zoológico
na
avenida deserta não se vê mais a coluna de blindados
os
olhos da lavadeira piscam e brilham nos reflexos
da
bica
um
helicóptero militar dispara míssil contra um comboio
de
rebeldes
nada
de axiomas : somente roteiros
um
homem de bermuda e um menino de boné lavam
um
carro azul diante de uma garagem aberta
carros
e mais carros apodrecem num pátio ferruginoso
mais
carros criam raízes num congestionamento
descomunal
o
choro da criança inquieta a mãe na porta da lanchonete
um
guarda suspeita de um vulto atrás de uma cerca
um
paraquedista atinge o campo coberto pela lona
verde-azulada
um
cientista declama que uma rosa vermelha é de todas
as
cores menos vermelha
uma
buzina desengonçada proclama o amanhecer
o pé
de um semiadormecido procura o chinelo sob a
cama
dois
vultos se afastam antes da explosão do caixa
eletrônico
a mãe
vem ninar o bebê em prantos no berço rosado
uma
atriz morena troca farpas & tapas com uma atriz loira
num
programa de auditório
a
presidenta discursa em rede nacional a garantir
Bolsa-família
e a melhor Copa do mundo
os
jogadores cantam o hino nacional com fervor & lágrimas
um dos
jogadores não canta o hino nacional
a
estudante de mochila colorida perde o ônibus
numa
varanda de samambaias uma mulher estende
roupas
num varal
as
crianças no parque público entregam as pipas multicores
ao
vento
os
recém-nascidos olham o teto enquanto as mães
descansam
um
médico e uma enfermeira abrem a porta da
enfermaria
22
no
cemitério-parque quatro homens erguem um caixão
seguidos
por familiares
nenhuma
teoria: somente materializações
na
autoestrada o caminhão-contâiner atravessa o
meio-dia
na
praia a menina de óculos-escuros envia torpedo
ao
namorado no morro
na
zona norte o namorado envia torpedo à mocinha na
zona
sul
a dona
de casa encara o monitor a calcular suas dívidas
a
secretária confere os valores da declaração de
imposto
de renda do patrão
o
soldado camuflado mira seu alvo enquanto rasteja
um
policial arremessa um menino negro para dentro
da
rotam
outro
policial faz uma revista completa em dois outros
pivetes
o
andróide se contempla numa foto de sua infância
inventada
um
operário se senta no refeitório e abre o marmitex com
carne
& salada
um
carro esportivo decola 2 metros numa praia cheia
de
dunas
o
aguçante solo de guitarra perfura o anoitecer
uma
tropa de cavaleiros avança para uma muralha
prateada
um
dragão bizarro cuspe fogo sobre uma aldeia medieva
o
proclamado rei arranca uma mítica espada de uma rocha
uma
descomunal estrela-da-morte desintegra em segundos
um
planeta habitado
num
duelo de sabres-de-luz um jovem guerreiro perde
a
mão
uma
nave espacial avança rumo ao planeta vermelho
do
meio da quadra o astro do basquete acerta a cesta
um
megagrandioso avião comercial decola subindo
para
eclipsar o sol
o
mafioso sorrindo enquanto espanca a amante seminua
não
há ideias : mas películas
um
pequeno príncipe aparece num deserto sob a sombra
de
um avião em reparos
quatro
animais cantores asno cão gato galo se erguem
diante
duma janela
um
cãozinho perdido transita entre pernas de transeuntes
a
criança estende a mão num gesto de fome
um
jogador de futebol em sua camisa 10 com novo
penteado
sorri para as câmeras
um
rojão explode na sombra do estádio efervescente
depois
outro
um
casal de banhistas tiram as calças jeans e estendem
toalhas
na areia
outro
garçom desliga a TV e retira a toalha da mesa
mais
próxima
um
mestre-cuca experimenta um prato depois outro
um
homem ergue uma taça e vê através do vinho
diante
da tela a pintora contempla girassóis que derretem
nada
de conceitos : só aquarelas
no
palco o guitarrista ainda viaja num solo de virtuose
no
quarto 33 o amante contempla a amante nua
adormecida
o
segurança observa a porta da boate lotada
um
homem se senta na esquina e delira na rua vazia
um
helicóptero sobrevoa a cidade administrativa
bloqueada
por barricadas
na
praia o homem sem camisa troca olhares com a
surfista
ao lado
na
montanha o homem barbado escala perde o equilíbrio
quebra
a perna
há
promessa de violência no punho erguido do segurança
do
outro lado da avenida a tropa de choque se forma
e
avança
outro
rojão explode acima da onde verde-amarela de
torcedores
nenhuma
metafísica : apenas cenários.
26&28jun14
Leonardo
de Magalhaens
...
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