terça-feira, 1 de julho de 2014

no ideas, but images --- poema by LdeM


 



no ideas, but images

penso em imagens
não penso em tempo ou espaço
penso em imagens
não penso em conceitos : mas quadros
uma mão segura uma criança inquieta
um floco de neve flutua na vidraça
o flash do celular-câmera em outro selfie
a moça de cabelo cacheado esboça um sorriso
um guru em lótus digere uma sensação
a jovem dama de cabelo rosa atende ao balcão
um trem descarrilha numa curva nublada
um homem engravatado ergue o telefone móvel
na beira de um lago um iate desliza entre asas
um casal em beijos num carro veloz numa highway
uma nuvem desliza com sua forma de jabuti
dentro de uma trincheira se debate um soldado pálido
um atleta negro dá um tremendo salto
o homem engravatado abaixa o telefone beija um papel
dá um sorriso
manifestantes meio à fumaça entre black blocs
e tropas de choque
no alto do prédio em ruínas um soldado ergue
uma bandeira rubra
um homem sozinho parado estanca uma coluna
de blindados
uma mãe ergue o filho nos braços e solta um gemido
duas notas de dez dólares entregues por uma mão
trêmula sob a mira de uma arma
perto de uma represa um carro derrapa e cai
da ponte
num shopping center uma família mãe pai duas filhas
contemplam uma vitrine
não penso em ideias : coleciono imagens
é quase meia-noite no alto relógio da matriz e dois corpos
se esfregam
dois jogadores disputam a bola no gramado
um jogador se contorce quando a bola sacode a rede
um locutor se esguela ao gritar um urrante gooooool
na fila de banco público um estudante completa as
palavras-cruzadas do jornal
duas mocinhas cintilantes trocam beijos na portaria da
discoteca lotada
um mendigo atravessa a avenida em altos brados
na baía um barco um golfinho dois golfinhos outro barco
vários golfinhos surgem em ondas
um delgado assina inquéritos enquanto um detetive olha
pela persiana
uma cientista anota uma equação hermética num
quadro-negro
nada de hipóteses: somente comprovações
uma risada de criança ecoa no saguão do hotel
um guarda-municipal olha com suspeita a mulher que
reclama da falta de médicos
um motociclista atropela uma idosa e desaparece na
tarde cinzenta
outro motociclista conserva o capacete adentra uma
loja aponta uma pistola
na lotérica um jogador aponta números com a ponta
da caneta
um espectador grita no telefone no pregão da Bolsa
de Valores
os surfistas esbanjam sorrisos num comercial de cigarros
a mãe sorri para a criança rindo e rindo entre as bagagens
um gesto de mulher reclama da demora no atendimento
uma montanha de cadeiras quebradas entulha o depósito
da escola
na baía o rebuliço de golfinhos é filmado no celular da turista
a professora na sala lotada grita sem voz contra dois alunos
em luta livre
a mãe segura firme a criança enquanto atravessa o saguão
de bagagens
um braço agita uma bandeira azul-e-branca na janela
do carro
outro braço se ergue no coletivo e um homem e um menino
se levantam à espera da parada
no altar o noivo contempla os vitrais e espera a noiva
uma jovem mãe troca as fraldas molhadas do bebê inquieto
nenhum dogma além de fotogramas
outro torcedor ergue uma bandeira entre os carros – é
tricolor
uma jovem mascarada acerta uma vidraça com uma
pedrada furiosa
um jato de água bombardeia a rua de barricadas onde
os estudantes fogem
o prefeito se ergue no palanque e inaugura outro viaduto
um garçom desliga os ventiladores de teto e lança um
olhar fatigado
dois moços seguem de bicicleta pela orla da lagoa
poluída
uma fila de automóveis se forma na portaria do jardim
zoológico
na avenida deserta não se vê mais a coluna de blindados
os olhos da lavadeira piscam e brilham nos reflexos
da bica
um helicóptero militar dispara míssil contra um comboio
de rebeldes
nada de axiomas : somente roteiros
um homem de bermuda e um menino de boné lavam
um carro azul diante de uma garagem aberta
carros e mais carros apodrecem num pátio ferruginoso
mais carros criam raízes num congestionamento
descomunal
o choro da criança inquieta a mãe na porta da lanchonete
um guarda suspeita de um vulto atrás de uma cerca
um paraquedista atinge o campo coberto pela lona
verde-azulada
um cientista declama que uma rosa vermelha é de todas
as cores menos vermelha
uma buzina desengonçada proclama o amanhecer
o pé de um semiadormecido procura o chinelo sob a
cama
dois vultos se afastam antes da explosão do caixa
eletrônico
a mãe vem ninar o bebê em prantos no berço rosado
uma atriz morena troca farpas & tapas com uma atriz loira
num programa de auditório
a presidenta discursa em rede nacional a garantir
Bolsa-família e a melhor Copa do mundo
os jogadores cantam o hino nacional com fervor & lágrimas
um dos jogadores não canta o hino nacional
a estudante de mochila colorida perde o ônibus
numa varanda de samambaias uma mulher estende
roupas num varal
as crianças no parque público entregam as pipas multicores
ao vento
os recém-nascidos olham o teto enquanto as mães
descansam
um médico e uma enfermeira abrem a porta da
enfermaria 22
no cemitério-parque quatro homens erguem um caixão
seguidos por familiares
nenhuma teoria: somente materializações
na autoestrada o caminhão-contâiner atravessa o
meio-dia
na praia a menina de óculos-escuros envia torpedo
ao namorado no morro
na zona norte o namorado envia torpedo à mocinha na
zona sul
a dona de casa encara o monitor a calcular suas dívidas
a secretária confere os valores da declaração de
imposto de renda do patrão
o soldado camuflado mira seu alvo enquanto rasteja
um policial arremessa um menino negro para dentro
da rotam
outro policial faz uma revista completa em dois outros
pivetes
o andróide se contempla numa foto de sua infância
inventada
um operário se senta no refeitório e abre o marmitex com
carne & salada
um carro esportivo decola 2 metros numa praia cheia
de dunas
o aguçante solo de guitarra perfura o anoitecer
uma tropa de cavaleiros avança para uma muralha
prateada
um dragão bizarro cuspe fogo sobre uma aldeia medieva
o proclamado rei arranca uma mítica espada de uma rocha
uma descomunal estrela-da-morte desintegra em segundos
um planeta habitado
num duelo de sabres-de-luz um jovem guerreiro perde
a mão
uma nave espacial avança rumo ao planeta vermelho
do meio da quadra o astro do basquete acerta a cesta
um megagrandioso avião comercial decola subindo
para eclipsar o sol
o mafioso sorrindo enquanto espanca a amante seminua
não há ideias : mas películas
um pequeno príncipe aparece num deserto sob a sombra
de um avião em reparos
quatro animais cantores asno cão gato galo se erguem
diante duma janela
um cãozinho perdido transita entre pernas de transeuntes
a criança estende a mão num gesto de fome
um jogador de futebol em sua camisa 10 com novo
penteado sorri para as câmeras
um rojão explode na sombra do estádio efervescente
depois outro
um casal de banhistas tiram as calças jeans e estendem
toalhas na areia
outro garçom desliga a TV e retira a toalha da mesa
mais próxima
um mestre-cuca experimenta um prato depois outro
um homem ergue uma taça e vê através do vinho
diante da tela a pintora contempla girassóis que derretem
nada de conceitos : só aquarelas
no palco o guitarrista ainda viaja num solo de virtuose
no quarto 33 o amante contempla a amante nua
adormecida
o segurança observa a porta da boate lotada
um homem se senta na esquina e delira na rua vazia
um helicóptero sobrevoa a cidade administrativa
bloqueada por barricadas
na praia o homem sem camisa troca olhares com a
surfista ao lado
na montanha o homem barbado escala perde o equilíbrio
quebra a perna
há promessa de violência no punho erguido do segurança
do outro lado da avenida a tropa de choque se forma
e avança
outro rojão explode acima da onde verde-amarela de
torcedores
nenhuma metafísica : apenas cenários.



26&28jun14



Leonardo de Magalhaens





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