Notícia
de Jornal
Fernando
Sabino
Leio no jornal a notícia de
que um homem morreu de fome. Um homem de cor branca, trinta anos
presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em
pleno centro da cidade, permanecendo deitado na calçada durante
setenta e duas horas, para finalmente morrer de fome.
Morreu de fome. Depois de
insistentes pedidos de comerciantes, uma ambulância do
Pronto-Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram
sem prestar auxílio ao homem, que acabou morrendo de fome.
Um homem que morreu de fome.
O comissário de plantão (um homem) afirmou que o caso (morrer de
fome) era alçada da Delegacia de Mendicância, especialista em
homens que morrem de fome. E o homem morreu de fome.
O corpo do homem que morreu
de fome foi recolhido ao Instituto Médico-Legal sem ser
identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome.
Um homem morre de fome em
plena rua, entre centenas de passantes. Um homem caído na rua. Um
bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária,
um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa – não é homem. E
os outros homens cumprem deu destino de passantes, que é o de
passar. Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem
que morre de fome, com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até
mesmo piedade, ou sem olhar nenhum, e o homem continua morrendo de
fome, sozinho, isolado, perdido entre os homens, sem socorro e sem
perdão.
Não é de alçada do
comissário, nem do hospital, nem da radiopatrulha, por que haveria
de ser da minha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem
morrer de fome.
E o homem morre de fome. De
trinta anos presumíveis. Pobremente vestido. Morreu de fome, diz o
jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais morrerão
de fome, pedindo providências às autoridades. As autoridades nada
mais puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam deixar que
apodrecesse, para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam
fazer senão esperar que morresse de fome.
E ontem, depois de setenta e
duas horas de inanição em plena rua, no centro mais movimentado da
Cidade do Rio de Janeiro, um homem morreu de fome.
Morreu de fome.
Fernando
Sabino
In:
A mulher do vizinho.
17 ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.
In:
As
Melhores crônicas.
Rio de janeiro, Record, 1986.
...
Muito grade
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