sexta-feira, 20 de junho de 2014

Ele só queria subir na vida (conto LdeM)















ELE SÓ QUERIA SUBIR NA VIDA







conto by LdeM






       É, moço, ele queria subir na vida, eu sei, via o Joel lá no depósito, depois servindo as pizzas, lá com o Ricardo, você conhece, até na faxina, ele lá no batente, e depois a tarde toda lá no depósito do tio, é, do Seu Terêncio, que é lá de Amarantes igualzinho ao Joel, a família do pai é toda de lá, acho que é pros lados do Espírito Santo, ai, que Deus o tenha, agora aí, deitado assim, parece que tá dormindo, né?, nem acredito, a gente fica assim, meio baqueada, sou nada dele não, nem amiga, só prosa mesmo, sou da idade dele, minha mãe lava roupa pro Seu Terêncio, o do depósito, e a casa dele é em cima, é um sobradão, dois andares, lá encima ainda uma varandona, para secar roupa, é lá no asfalto, na entrada da comunidade, naquela rua que os polícia bloquearam, chegaram lá atirando, o moço sabe, não viu no jornal da TV?, naqueles noticiários de caras engravatados xingando os bandidos e querendo mais polícia, e mais polícia, mas na porta deles não, né?, no morro, na comunidade, eles querem mais fardado, tudo atirando na gente, e é isso, é naquela rua, que desce até o depósito, onde o Joel trampava depois do almoço até a hora que o tio descia, e fechava logo depois, nunca ficava aberto até sete, lá muito escuro, ele, o tio, foi roubado duas vezes, é, os manos do crack, claro, nem conversam, prosa nenhuma, só a arma na sua cabeça, sabe como é, já foi assaltado, né?, não?, sorte sua, hein!, pois é, eu via o Joel saindo do colégio, aquele municipal lá perto do lixão, é grande, tem uma quadra, e lá nos fundos os manos com os cachimbo, e lá toda manhã, o Joel pra formar o fundamental, ele lá com quase uns vinte, mas atrasadão, é que ficou na roça, com família lá, no roçado, um tempo sem estudar, antes de morar com o tio aqui, sem estudar lá, uns três anos, acho, né?, mas ele queria subir na vida, daí o lance é estudar, moço, nada de matar aula, eu sei, minha prima estuda lá, diz que ele nem matava aula, ela sabe, 'tava de olho, sabe?, ela 'tava afim dele, ela tem dezesseis, tinha um namorado, mas ele ficava noiado, ficando com umas vadias, aí, a Angela, ela 'tava de olho nele, no Joel, por isso eu lembrava dele, lá na pizzaria, a Angela não foi, mas eu lembrei, ele falava pouco, servia direitinho, anotava tudo, carregava os refri, a cerveja no ponto, e tudo direitinho, e não rusgava, nem quando criavam caso, os caras, uns barra-pesada, até aporrinhavam, mas ele na dele, pelo menos nas vezes que eu fui lá, a Angela também queria ir, mas aí, tudo isso, ela nem sentiu ainda, ela tava afim, claro eles tinham nada, nem sabia da Angela, toda caída por ele, mas, quem sabe?, de repente, aí ele meu parente, então a gente sente.

       E então ele aí, deitado, pudia 'tá dormindo, mas os fardado não perdoam, né?, até que se ele fosse um bandido, um maninho fumando crack atrás do colégio, mas ele só queria subir na vida, estudava pra caramba, né?, até no balcão lá no depósito, estudava os cálculos, as equação, eu fui buscar roupa outro dia mesmo, e ele 'tava com uma tabela daquelas de Química, hidrogênio, oxigênio, alcalinos, gases nobres, estas coisas, ele adorava estas coisas de … exatas, acho que era fraco em português, redação, mas ele era cobra-criada em equação, reações, fusão, ebulição, essas coisas, será que ele seria cientista?, aqueles caras que fazem sabão, xampu?, pois é, não vai dar mais, né?, estudar o quê?, hein?, a química do solo?, não brinca não, moço, a vida é dura, aqui morre gente quase todo dia, é bala riscando pra todo lado, salve-se quem puder, bandido e gente de bem, maninho e trabalhador, tudo na mira, é preto é branco, morre um quase todo dia, e o cara estudando, dando duro, no esforço e acaba assim!, a gente estuda muito, o colégio é péssimo, tem que fazer ENEM, tem que aparecer bonito na fita, pra gringo ver, igual time na Copa, sorrindo pra câmera, e vem os fardado e mão na cabeça, não pode olhar as autoridades, falam alto, passam a mão nas meninas, descem a mão nos manos, salve-se quem puder, quem tem cabeça obedece, senão leva tiro nas costas, somem com o corpo, ninguém acha mais, acabou, e a gente não passa no vestibular, não arruma emprego, se vira com pouco, com as migalhas dos ricaços, lava a roupa, vende chiclete nos coletivos, toma conta de carro, se vira, né?, igual ao Joel, estudando, aguentando o tio, que fala alto, mais patrão que tio, achando que faz favor ao Joel, e agora aí pagando tudo, olhe quanta flor, olhe a madeira o verniz brilhando, ele gastou, agora não adianta, tinha que ajudar o Joel antes, não implicando tanto, quase batendo boca, fazendo ele carregar saco de cimento, pilha de tijolo, e rasgava os dedos com arame farpado, e rodava as caixas d'água, e cortava a lona, e o Joel lá calmo, não rusgava, e reagia o tio chamava de malcriado, de ingrato, como se ele fosse escravo do Seu Terêncio, sempre colocando defeito, acho que ele queria mesmo é que o Joel desistisse e voltasse para Amarantes, pro roçado, e nem estudasse, né?, o tio nem estudou, devia ter inveja, né?, tinha casa e depósito, mas estudo nenhum, só aí na lida, de pedreiro, mestre-de-obra, braço-direito de engenheiro lá do asfalto, que chegava aqui de carrão, e aí o Seu Terêncio subiu na vida, pegando pesado nas obras lá no asfalto, pros lados do lixão, só na massa, rachando o pé, pois é, minha mãe me conta tudo, lava roupa pra família dele, conhece a mulher dele, a dona Celestina, ela é aqui da comunidade, tratava bem o Joel, sem rusgar tanto, ele não era de bagunça, ficava pouco em casa, e quando 'tava lá ninguém notava, ele não fazia caso, nem aparecia, nada de música alta, ele nem gostava de ouvir música, sabe?, o Joel só dava as caras pra almoçar, tomar banho, essas coisas, não incomodava, a dona Celestina nunca reclamou dele pra minha mãe, sabe?

       Pois é, acho que o Joel só gostava mesmo era de futebol, bater uma bola, torcer pro Galo, ver uns jogos lá no Independência, vez ou outra ia com o meu irmão Jonas lá pro Horto, o meu irmão é mais fanático ainda, só fala de bola, craque, campeonato, só isso, não quer estudar, só isso de futebol, de pular catraca, de surfar encima de busão lotado, de apanhar de cruzeirense, só isso, nisso ele é bem outro, nada a ver com o Joel, os dois só eram amigos no lance da bola, de jogar na quadra, nos fundos da escola, lá onde os manos acendem os cachimbo, lá os dois com camiseta de seleção, Neymar, Huck, David Luiz, Ronaldinho Gaúcho, esses craques de bola, que ganham milhões, e os manos lá, e os dois batendo bola, sem neura, né?, ninguém embaçava, tudo na camaradagem, que meu irmão é viciado em bola, não bagulho, e o Joel passava longe, sabe?, nem baseado, então veja a injustiça, moço, ele nem tinha bagulho e os tiras apagaram ele, desceram no morro, só tiro, tiroteio feio, moço, e a gente se joga no chão, debaixo das camas, e bala furando vidraças, vazando cortinas, queimando a muleira de menino dormindo, e o Joel 'tava indo pra pizzaria, onde o Ricardo abre às sete, pros motoqueiros fazerem as entregas, e então era sexta, né, sexta passada, é, liberaram o corpo só ontem, domingão, então na sexta, os fardado desceram atirando, o Joel se assusta, né, não sabia o que fazer, eu acho, e deve ter se agachado, ou corrido pro canto, ou se escondido, mas os tiras aqui nem querem saber, confundiram ele com os manos, o Joel de jaqueta, sem boné, só jeans e tênis, que ele colocava sapato só lá na pizzaria, e um avental branco, tudo de higiene, que o Ricardo é exigente, sei disso, já fui muito lá na pizzaria, o Ricardo me conhece, e já fiquei com o irmão dele, na festa junina, tomamos altos quentão lá, mas aí, na sexta, quase sete horas, já escurão, as rotam parando, os polícias gritando, parando os manos, o Joel saindo, ele não deve ter parado, ou então ia dizer algo, ou se defender e aí aconteceu, né, a tia dele até ouviu os tiros, nem sabe quantos, ele saindo pra pizzaria, 'tava nem um ano aqui, a maior amizade com o Ricardo, que tratava ele melhor que o próprio tio, tudo indo bem, né, minha prima, a Angela achando ele o maior bom partido, rapaz que batalhava mesmo, não ficava aí à toa, fumando, vagabundando aí, que nem o Valdo, que pegava minha prima, que nem o Jonas, meu irmão, que fazem nada, enquanto o Joel, morto aí, tiro nas costas, bala de polícia, o Joel aí, moço, só queria era subir na vida.




18/19jun14







Leonardo de Magalhaens










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