sexta-feira, 25 de julho de 2014

Poética do simples e do lúdico com mensagem - A poesia de Diovani Mendonça





Poética do simples e do lúdico com mensagem

Sobre a poesia de Diovani Mendonça


por Leonardo de Magalhaens


Uma introdução

      Muitos se ufanam da poesia do complexo, da poesia da erudição, da poética acadêmica peso-pesado de referências intertextuais, mas se esquecem que o mais poético pode germinar e brotar no mais simples, com uma poética do sentir mais do que aquela do pensar, do refletir, do especular. Alguns mesmo se destacam na nossa literatura. Assim já sabia Manuel Bandeira, quando reagiu aos beletristas do Parnaso e aos hermético do Simbólico. Assim sabia Mário Quintana ao ressaltar a simplicidade do dia-a-dia extraindo pérolas do banal cotidiano. Assim brincava José Paulo Paes com poemas lúdicos e divertidos (não apenas para as crianças...). Assim sempre soube Manoel de Barros quando explora o que há de simples e menosprezado no reino dos seres & coisas.

      Poetas que muito prezam o que os outros desprezam, que procuram pedras preciosas no lodo, ou drenam os atoladouros para encontrarem pepitas, onde outros tampam olhos e narinas, os exploradores do mínimo acham materiais para a construção de castelos líricos (ou antilíricos, no relativismo atual …) que destinam para aqueles que passam pela vida altaneiros e distraídos, narizes empinados e almejando palacetes no ar.

      Assim é que encontramos na poética de Diovani Mendonça, mineiro demasiadamente mineiro, que vive no bucolismo da vida campestre, que desliza profissionalmente no mundo virtual, que inventou & fez vicejar o Pão e Poesia (pois não só de pão viverá o homem...), um reflexo deste olhar sobre o mínimo, do flertar com o que outros fingem, nem ver, numa poesia que é feita de poeminhas-imagens, ou poeminhas-epigramas, ou longos poemas-desabafos que nada devem aos poetas acima citados (reconhecidamente fortes influências e leituras de cabeceira...), sempre a divulgar lirismo para todos. Sem demagogias.

     Sim, poesia para todos. Pois todos merecem. Daí a popularização da poesia não ser 'plebeização' da poética, mas antes meio de acesso até à criação literária, onde todos podem encontrar em si mesmo o modo de expressão (escrito, falado, gestual, teatral, etc) no momento em que toma contato com a Poesia que nutre juntamente com o Pão. Por isso, o poeta e divulgador Diovani Mendonça está por aí, em várias escolas de várias cidades, a recitar, a declamar, a falar de fazer-poesia. Poetas, alunos e professores, crianças e adultos, todos deixam seus versos para novas embalagens que logo estão na padaria mais próxima.

      Na sua poética, Diovani Mendonça não faz diferente, sempre focado na simplicidade e sem esteticismos pedantes que incomodem a veiculação da mensagem, ou dos seus insights, suas epifanias, por isso nada de falar-difícil, mas deixando a poesia fluir, pipocar, saltitar no mundo-do-leitor. Pois de nada adianta falar uma coisa que somente ele entende ou entenderia. Quem não se comunica, fala... sozinho. Quem fala difícil só fala para os mestrandos e doutorandos. E quem precisa de poesia fica subnutrido, enquanto os acadêmicos só falam para … outros acadêmicos.

     Então, a poesia para o povo não precisa de plebeísmos, nem citar subgêneros musicais, nem falar de loiras geladas ou marcas de material esportivo, nem celebrar o pão-e-circo das torcidas que dentro e fora dos estádios se perdem em depredações. A Poesia pode se popularizar sem ficar mais burra, sem se diminuir em estatura. O poeta só precisa fazer de tudo para que a poética se realize – em si mesmo e nos leitores. E quanto mais leitores, melhor. Importa tanto a quantidade quanto a qualidade, uma não se sacrifica à outra.

      Afinal, poesia não é apenas texto num papel, mas vida, ou seja, é esforço. A vida é uma luta. E quanto mais preparados estivermos, melhor. E daí a verdadeira utilidade da Poesia: ajudar a viver. Não serve para ganhar dinheiro nem Prêmio Nobel, mas aguça a sensibilidade e irriga a sabedoria. Daí a importância do poeta: falar o que não podemos falar, o que nos passa distraído ou que nos sufoca.


Adentrando os poemas-poeminhas

     Consciente de sua arte, o poeta arrisca algumas dicas para ler & escrever poesia, sem sistemas ou metodologias, exceto da inspiração e da emoção, em momentos de inesperada epifania,

não carece um sistema
o poeta apenas precisa
além de caneta papel
que a poesia se mostre
num estalo dum átimo
na pauta do tempo-espaço
semibreve numa fresta

do breu
(para parir um poema)

pois seu 'sistema' não é de cálculo ou previsão, seus poemas não são previamente agendados, não tem hora marcada para acontecer, eles explodem em supernovas a cada momento de inspiração, e cabe ao poeta colher tal fruto-poema e salvaguardá-lo para si mesmo e para as futuras gerações.

      O poeta não tem pretensão de ser algo além de um porta-voz das forças poéticas que estalam em seu coração e mente. Há um momento de íntima explosão que ativa a sensibilidade poética a conduzir a energia para o mundo arbitrário da linguagem onde se traduz em palavras,

para o exato momento da explosão
para quando salta à minha frente
alguns poucos e loucos demônios
quanto às facas
as amolo no brilho duma fé
(Das Intenções)

então é que a condução do sentimento lírico aflora nas palavras que são entregues a quem deseje ler e adentrar (a compartilhar) o mesmo sentimento que avassalou o eu-lírico. Ser que saltita junto com a poeta que lhe escapole das mãos,

a poesia
tem que ser pop

p

u

l

a

r

na panela de pressão da realidade

elétrica e saltitante
enlouquecer
a métrica

(pop poesia)


     Como se fosse um andarilho Don Quijote, do conhecido romance fundador de romances, o poeta anda em meditações, silente meio ao falatório da mesmice, a despreza o que agrada aos olhares comuns, que ambiciona alturas e riquezas, pois o dinheiro nada mais é que um meio, não um fim em si-mesmo, enquanto ele segue seu caminho,

em
silêncio
caminho
entre

a multidão falante que não v
a poesia
muda

cresSer
diante de pés que calçam

os velhos
sapatos
das urgências
das urgências

(quixote sem dom)

assim, alheio ao dinheiro que escraviza, e transmuta o dia em algarismos, a criar servos e escravos, submetidos aos sacrifícios pelo Deus Dinheiro, enquanto, o poeta, ao contrário, se refugia em sua sombra e água fresca na casinha de sapê, consciente das engrenagens do sistema financeiro, alienante e mercenário,

capiau da unha larga dentro
duma casinha de sapê
que não tem nem fiapo
de rabo preso às
engrenagens do $istema bruto
que não perdoa suas vítimas)


      O poeta se abriga em sua 'torre de marfim' feita de sapê para receber as energias poéticas, mas em seguida adentra o mundo virtual para compartilhar, divulgar, profetizar a fala do mundo não-alienado, não-padronizado. E é toda a liberdade da qual ele precisa.

     Não há precisão de fórmulas , metodologias ou formação acadêmica que só trazem tipificações e rotulações longe da originalidade do pensamento livre, entendamos, autodidata, que conduz ao encontro consigo mesmo, sem intermediações. Daí a preferência do poeta pelos 'radicais livres', mais ácidos e corrosivos visto que não 'adestrados' pela técnica erudita,

entre os radicais
prefiro os + livres

os que não foram
adestrados por livros

e desenvolveram faculdades
de outras esferas e órbitas

(Recado prum camarada poeta)

     Então o que ele pode almejar além de uma mensagem com simplicidade e uma riso lúdico de malabarismo com as palavras? Sua flexibilidade será em não se guiar por prognósticos ou tendências ou 'escolas literárias', mas a deixar fluir sua verve sem condicionamentos, sem departamentalizações, sem pesquisas de mercado.

     É justamente por sua não-pretensão é que a poesia passa a mensagem, sem as amarras de métrica ou rima, sendo que estas surgem ao correr da pena, sem esquematizações ou projetos segundo uma 'estética' já premeditada. Assim é que poeta-capiau Diovani Mendonça vem marcar sua presença original na poética mineira, e quiçá nacional, sem deixar de lado o que os tantos outros desprezam no mundo das poéticas: senso lúdico e simplicidade.



Jun/14


Leonardo de Magalhaens


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