segunda-feira, 9 de junho de 2014

Eduardo Lizalde - Grande é o Ódio [poema]




 
EDUARDO LIZALDE

[México, 1929-]


[tradução: Floriano Martins / BRA]

 
GRANDE É O ÓDIO


1

Grande e dourado, amigos, é o ódio.
Todo o grande e dourado
vem do ódio.
O tempo é ódio.

Dizem que Deus se odiava em ato,
que se odiava com a força
dos infinitos leões azuis
do cosmos;
que se odiava
para existir.

Nascem do ódio, mundos,
óleos perfeitíssimos, revoluções,
tabacos excelentes.

Quando sonha alguém que nos odeia, apenas,
dentro do sonho de alguém que nos ama,
já vivemos no ódio perfeito.

Ninguém vacila, como no amor,
na hora do ódio.

O ódio é a única prova indubitável
da existência.

 
2

E o medo é uma coisa grande como o ódio.
O medo faz com que exista a tarântula,
torna-a coisa digna de respeito,
a embeleza em sua desgraça,
apaga seus horrores.

Que seria a tarântula, pobre,
flor zoológica e triste,
não pudesse ser esse tremendo
causador de medo,
esse punho cortado
de um negro símio que enlouquece de amor.

A tarântula, oh Bécquer,
que vive enamorada
de uma tensa magnólia.
Dizem que às vezes mata,
que descarrega suas iras em coelhos adormecidos. É certo,
porém morde e descarrega suas tinturas internas contra outro,
porque não alcança morder seus próprios membros,
e lhe parece que o corpo do que passa,
aquele que amaria se o soubesse,
é o seu.

 
3

Com seu grande olho o sol
não vê o que eu vejo.
KEATS

Se não as tivesse descoberto
partindo em dois o gato,
abrindo nozes,
remexendo pelas veias,
Deus não haveria se inteirado dessas coisas,
para sua criação ocultas,
perfeitamente ocultas.
Destas coisas terríveis
como ratos submissos
ou vidros comestíveis.

Outro Deus antagônico as forja,
em seu mundo gêmeo de gêmeos,
cego da cegueira,
banhado por suas nuvens de suor.
Sua segunda matéria armada em vãos.

E estas coisas existem sem meus olhos,
sem os olhos de Deus,
existem sozinhas,
gotas de tinta no deserto,
incriadas.

Deus as esquece a marteladas,
sonha em seu esquecimento,
no que não se deve a tantas imperfeições:
e olha suas mãos sem polegares.

4

Mesmo que alguém creia que o terror
não é senão o coturno da ternura
virado pelo avesso,
seus pastos não são esses.
Não estão ali os comedouros
do terror.

A ternura não existe senão para Onã.
E ninguém é misericordioso
senão consigo mesmo.

Ninguém é terno, nem bom,
nem grandioso no amor
mais do que para suas vísceras.
A cadela sonha que dá seu amor ao filho,
goza amamentando-o.
Reino é a solidão de todas as ternuras.
Somente o terror desperta os amantes.

 
5

Para o ódio escrevo.
Para destruir-te, marco estes papéis.
Exprimo o ácido humor do ódio
nesta tinta,
faço tremer a pluma.

Nestas folhas,
que esculpo até secar-me, jogo
todo o ódio que tenho.
E é inútil. Bem sei.
Só te digo uma coisa:
se estas últimas linhas
fossem gotas,
seriam de urina.




...

 
Obra poética


La mala hora. […] México. 1956.
La cámara. […] México. 1960.
Cada cosa es Babel. […] México. 1966.
El tigre en la casa. […] México. 1970.
La zorra enferma. Joaquín Mortiz Editor. México. 1975.
Caza mayor. […] México. 1979.
Memoria del tigre. […] Katún. 1983.
Tabernarios y eróticos. Editorial Vuelta. México. 1988.



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