terça-feira, 6 de dezembro de 2011

sobre a obra de Sousândrade





Sobre “O Sentimento dum Ocidental” de Cesário Verde
e “Inferno de Wall Street” de Sousândrade


Dois Poetas Póstumos: Duas Obras Póstumas

Alguns nascem póstumos” F. Nietzsche


Parte 2


A poética proto-cubista de Sousândrade


Adentrando os labirintos do novo centro comercial e financeiro do mundo ocidental, a rua do Muro – Wall Street - em Manhattan, o errante Guesa, personagem e alter-ego do poeta maranhense Joaquim de Sousa Andrade (1833-1902), ou Sousândrade, pode enfim testemunhar o que sejam as volúpias de uma Bolsa de Valores, o que sejam as fortunas (e infortúnios) do poder econômico que transforma os centros de poder em meros fantoches, a mover o mundo rumo ao lucro e ao imperialismo, para melhor explorar a mão-de-obra e ampliar os mercados consumidores.


Mas não apenas a denúncia, mas também a estética, aqui é importante. Em Sousândrade – segundo os irmãos Campos – podemos destacar o imagismo, o barroquismo nas descrições, a poesia-que-sugere-imagens, em descrições que lembram o cubismo – tudo ao mesmo tempo, de todos os ângulos - nos moldes das tomadas cinematográficas, além da experimentação com a linguagem, em neologismos, barbarismos, compostos híbridos de estrangeirismos, metáforas resumidas em palavras-valises, por exemplo, “cristofobia”, “protobestial”, erário-tutor”, “cães-gozos”, “Pará-engenheiro”, “Storm-god”, “puffs-Puritanos”, “Bull-furacão”, “alma-cachaça”, “fossilpetrifique”, “Ring-negro”, etc

Toda a experimentação linguística se explica pela necessidade de retratar poeticamente – sensorialmente, de modo sinestésico – tudo que atua sobre a sensibilidade do poeta, tudo o que se despeja sobre o Eu-lírico na vida agitada e plurifacetada do mundo moderno, demasiadamente moderno. Excesso de povo, de trajes, de mercadorias, de promessas de prazer e ganhos. E muitas frustrações, claro.

Parece que a linguagem é retorcida para dar conta da expressividade do Eu-lírico que mergulha na multidão de cenas e figuras, para ali descrever as vicissitudes (os altos e baixos, literalmente) da vida especulativa, das apoteoses do 'american way of life' em amostra diante dos olhos, a cobiça e a fartura, as promessas de lucro, custe a quem custar.

Como a descrição de Wall Street – na fúria da especulação financeira – é fragmentada em flashes, em recortes de um imenso cenário – símbolo do sistema capitalista – é importante seguir um certo 'guia' – os trechos em prosa que 'resumem' as estrofes, como se fossem ecos de um teatro expressionista, ou roteiro cinematográfico,

1 ( O Guesa, tendo atravessado as Antilhas, crê-se livre dos Xeques e penetra em NEW-YORK-STOCK-EXCHANGE; a Voz dos desertos:)

— Orfeu, Dante, AEneas, ao inferno
Desceram; o Inca há de subir...
=
Ogni sp’ranza lasciate,
Che entrate.
..

e

5 (NORRIS, Attorney; CODEZO, inventor; YOUNG, Esq., manager; ATKINSON, agent; ARMSTRONG, agent; RODHES,agènt; P. OFFMAN & VOLDO, agents; algazarra, miragem; ao meio, o GUESA:)

— Dois! Três! Cinco mil! Se jogardes,
Senhor, tereis cinco milhões!
= Ganhou! Ha! Haa! Haaa!
— Hurrah! Ah!..
— Sumiram... seriam ladrões?..

e

28 (OSCAR-BARÃO em domingo atravessando a TRINDADE, assestando
o binoclo, resmirando, resmungando de tableaux vivants,
cortejando: o povo leva-o a trambolhões para
fora da igreja:)

-Cobra! Cobra! (What só big a noise?!...)
Era o meu relógio … perdão! ..
São pulgas em Bod ….
Me acode!! …
=God? Cod! Sir, we mob; you só dam!


São resumos atuando como entre-atos, preparando o próximo flash, ou recorte, do cenário de Wall Street, onde as mais interessantes – e exóticas – personalidades – e personagens – deslizam, em busca de ganhos materiais e de prestígio. Não se hesita em tom jocoso, de pilhéria, de olhar em perambulação pelo mundo do Deus-Money,

49 (Um rei yankee desembarca entre os imigrantes nas BATERIAS,
bebe águas republicanas na fonte de BOWLINGREEN e
desaparece; o povo saúda os carros de CESARINO
e ANTONIO pelo de JULIUS CAESAR:)

-Off! Off! Para São Francisco off,
Sem primeiro a Grant saudar!
Só um spokesman
Disse amen
Que a Deus deve e não a Caesár.
e


88 (Católicos, temendo a glória da bancarrota, fecham as
portas aos beggars:)

-Se não pagam cash 'i não entram!
Em latim Missa, o Papa e os Céus!
Qual confessionários! …
Frascários
Só queimados dão o que é de Deus!


Sim, as figuras religiosas, certamente. As classes sacerdotais – de todas as religiões organizadas – também 'jogam' nas Bolsas de Valores em todo o mundo. Os sacerdotes (que se dizem 'não deste mundo') recebem ofertas, dízimos, detêm propriedades – o Vaticano é um Estado, lembremos – e administram fortunas, que raramente são taxadas, pois os Estados-nações quando laicos mantêm a 'liberdade religiosa' – qualquer cidadão 'iluminado' pode fundar uma seita, religião, confissão mística e fazer fortuna, em nome de alguma Divindade na moda,

92 (Maus-pecadores bons-apóstolos, iluminados às crenças de
remissão e ressurreição dos mortos, vendo JERRY Mc
CAULAY e revendo FROTHINGHAM no 'Christ would
not suit our times':)

-Peccavi diz um, e transforma

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