sexta-feira, 4 de setembro de 2015

2 poemas de Sergio Alcides em PIER





SÉRGIO ALCIDES

em Pier




PAISAGEM COM PENSAMENTO


Minério de nuvem no exterior da paisagem.

A serra em pensamento por cima da cumeada.

O ventre do céu roçando a gestação aérea

no acervo de aspereza do museu do tempo.

Provocação de chuva que demora quanto paira

Diálogo da umidade. Mentação consigo mesma,

botões de cardo, a estranheza da palavra gnaiss,

os dedos de pedra e os cactos em espetáculo

à espera da água interrompida que ainda

nas costas do espinhaço não se precipita.

Iminência de milênio. Mútua flutuação.

A paisagem pensa na serração em branco

que o paralelo não corta porque fica cego.




(Serra do Frazão, Mariana, janeiro de 2005)











NOSSO ANGELUS


Olhar esbugalhado. Sujo de terra, sujo de ter
visto demais.

Uma tempestade sopra aí. Não vem do paraíso.

Talvez siga para lá.

Mas nem é mesmo uma tempestade.

Berro. Canivete. Cassetete. Coturno. Porão. Pua.

O trópico é o pau de arara onde foi pendurado
                                                      o anjo da história
do Brasil, para ser torturado.

Aura escangalhada, sem chance de alegoria.

Asas abertas porque foram quebradas, asas repuxadas.

Boca aberta porque foi atada ao cano de descarga
                de um jipe da Força Aérea em 1971, que acelerou
                            e o arrastou pela boca até o fim e depois.

Sem que pudesse enxergar as ruínas atrás.

Desenho de manchas de sangue no pátio de cimento,
projeto de rachaduras futuras sob o trópico.

Revelação / ocultamento / desvio e retorno
em abismo.

Nenhum outro anjo deixou cadáver.

Para ser engolido. E nunca ser encontrado.

Sem que possamos encerrar a busca.






in Pier / 2012



 
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