SÉRGIO ALCIDES
em Pier
PAISAGEM
COM PENSAMENTO
Minério
de nuvem no exterior da paisagem.
A
serra em pensamento por cima da cumeada.
O
ventre do céu roçando a gestação aérea
no
acervo de aspereza do museu do tempo.
Provocação
de chuva que demora quanto paira
Diálogo
da umidade. Mentação consigo mesma,
botões
de cardo, a estranheza da palavra gnaiss,
os
dedos de pedra e os cactos em espetáculo
à
espera da água interrompida que ainda
nas
costas do espinhaço não se precipita.
Iminência
de milênio. Mútua flutuação.
A
paisagem pensa na serração em branco
que
o paralelo não corta porque fica cego.
(Serra
do Frazão, Mariana, janeiro de 2005)
…
NOSSO
ANGELUS
Olhar
esbugalhado. Sujo de terra, sujo de ter
visto
demais.
Uma
tempestade sopra aí. Não vem do paraíso.
Talvez
siga para lá.
Mas
nem é mesmo uma tempestade.
Berro.
Canivete. Cassetete. Coturno. Porão. Pua.
O
trópico é o pau de arara onde foi pendurado
o
anjo da história
do
Brasil, para ser torturado.
Aura
escangalhada, sem chance de alegoria.
Asas
abertas porque foram quebradas, asas repuxadas.
Boca
aberta porque foi atada ao cano de descarga
de
um jipe da Força Aérea em 1971, que acelerou
e
o arrastou pela boca até o fim e depois.
Sem
que pudesse enxergar as ruínas atrás.
Desenho
de manchas de sangue no pátio de cimento,
projeto
de rachaduras futuras sob o trópico.
Revelação
/ ocultamento / desvio e retorno
em
abismo.
Nenhum
outro anjo deixou cadáver.
Para
ser engolido. E nunca ser encontrado.
Sem
que possamos encerrar a busca.
in
Pier / 2012
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