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http://osdeslimitesdapalavra.blogspot.com.br/2008/12/arte-de-infantilizar-formigas.html
Poética
da Animalidade nos poemas de
Manoel de Barros
Leonardo
Magalhaes
Fale
– UFMG
Ao
abordar o mundo animal, o irracional, o poeta é levado a abandonar a
racionalidade, que o distingue, de modo a se aproximar dos pequenos e
inabordáveis, as formigas e as lesmas, os lagartos e os sapos, que
estão ao redor do sujeito poético, em plena natureza, não num
aquário ou jardim zoológico.
Ora
o animal se humaniza, ou as coisas se animalizam, em comportamentos
só percebidos e comunicados pelo poeta – como um exemplo da
'poética
da animalidade',
segundo o pensador G. Bataille – não apenas alegoria ou fábula,
ou personificação. Trata-se de um fenômeno de 'salto
poético',
O
melhor, a maneira correta de falar dele só pode ser abertamente
poética, já que a poesia não descreve nada que não deslize para o
incognoscível. Na medida em que podemos falar ficticiamente do
passado como de um presente, falamos no fim de animais
pré-históricos, assim como de plantas, de rochas e de águas, como
de coisas, mas descrever uma paisagem ligada a essas condições é
uma tolice, a menos que seja um salto poético.” (1993, p. 12)
Os
animais não são catalogados, ou explicados, antes imersos no
habitat, no meio ambiente onde vivem e se reproduzem, ali onde o ser
humano, poeta ou não, zoólogo ou não, é o intruso, o estranho.
Não é o animal transportado ao mundo humano, ou domesticado, a ser
exibido em jardim zoológico ou em condição de animal de estimação.
O animal está na natureza e se confunde com ela, em relações de
identificação e continuidade.
Formiga
puxou um pedaço de rio para ela e tomou
banho
em cima.
Lagarto
curimpãpã assistiu o banho com luxúria no
olho
encapado.
Depois
se escondeu debaixo de um tronco.
[…]
Borboletas
translúcidas quedam estancadas no tronco
das
árvores -
Se
enxergam por perto os curimpãpãs.
Tendo
o animal em sua animalidade, sem um olhar biológico, somente a
poesia, com a 'poética
da animalidade',
poderia apresentar um painel ao leitor, ser de racionalidade. Para
adentrar a animalidade o poeta se permite contemplar o irracional a
ponto de deixar a linguagem 'contaminada' pela não-razão. É
possível ao poeta tal desprendimento do racional ao apresentar sua
criação, uma vez que ele se aproxima do animal, e não o contrário.
Não aceitando o animal, com condescendência, mas olhando-o de
perto. Bem de perto, a ponto de ver o mundo com olhar de animal,
Por
viver muitos anos dentro do mato
moda
ave
O
menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu
visão fontana.
Por
forma que ele enxergava as coisas
por
igual
como
os pássaros enxergam.
Enquanto
o olhar científico cataloga e sistematiza, o poeta tem cuidado em
não explicar, pois não visa compreensão, antes descrição,
apresentação, em acesso aos animais
in natura,
agindo espontaneamente nos habitats, longe das padronizações do
comportamento humano. Para que explicar o que está fora do racional
? É preciso aceitar que há a não-razão. O que não significa
desvalorizar a razão, que faz a distinção humana.
É
no equilíbrio razão-irrazão que se vislumbra a solução para o
distanciamento animal racional – animal irracional. Ao humano não
é possível abandonar sua visão antropocêntrica – uma vez que o
racional é condição básica para o status humano – que pensa, em
autoconsciência, que lembra passado e planeja o futuro. Enquanto
isso, segundo Bataille, os animais vivem na imanência,
isto é, sem ideia de tempo, sem memória e sem expectativas. É
preciso negar a imanência para se tornar humano, ao se socializar,
enquanto ser de cultura.
Para
abandonar momentaneamente sua razão, o poeta se identifica com a
figura da criança, aberta aos devaneios e imagens surreais, como o
menino que observa os animais ao seu redor, em tantas visões que
fogem ao raciocínio lógico,
Contou
que viu a tarde latejar de andorinhas.
E
viu outro lagarto que lambia o lado azul do
silêncio.
[…]
E
um passarinho que sonhava de ser ele também
causava.
Mas
ele mesmo, o menino
Se
ignorava como as pedras se ignoram.
Para
ver os animais, o menino (e o poeta) se esquece, faz de si um ser sem
razão, para adentrar o mundo natural. Ele precisa esquecer a
linguagem ao adentrar um mundo onde as palavras, arbitrárias,
demasiado humanas, não têm sentido. Então acontece o mesmo com a
poética, assim cheia de transtornos da linguagem, a causar
estranhamento para um pensamento racional. “Depois
a palavra teve piedade / E esfregou a lesma dela em mim.”
(2006, p. 69)
Uma
poética que se aproxima tanto dos animais, os não-humanos, não
pode idealizar, não pode ser arbitrária, não pode teorizar, ainda
que, ao mostrar o 'desgoverno' da linguagem, se evidencie muito de
metalinguagem. Mas o principal não é o metapoema, é a confissão
do estranhamento, o não conseguir falar racionalmente após adentrar
o mundo da imanência, da não-linguagem. Em suma, ao voltar à
natureza, de onde o humano se distanciou.
REFERÊNCIAS
BARROS,
Manoel de. O
Livro das ignorãças.
Rio de Janeiro: Best Seller, 2005.
_____________
. Poemas
Rupestres.
Rio de Janeiro: Best Seller, 2006.
BATAILLE,
Georges. A
Animalidade. Teoria da Religião.
São Paulo: Ática, 1993.
LESTEL,
Dominique.
As origens animais da cultura.
Trad. Maria João Reis. Lisboa: Piaget, 2002.
NUNES,
Benedito. O
animal e o primitivo: os Outros de nossa cultura.
In: Pensar/escrever
o animal.
Maria Esther Maciel [org]. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011.
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