Sobre
disrupção
(Cosmorama,
Portugal,
2008)
do
poeta Jorge Melícias
Quando
pode-se falar muito com poucas palavras
Adentremos
o campo da Poesia curta e concentrada, aquela a poesia concisa,
resumida, em pílulas homeopáticas, com efeitos totais, a
expressar-se mais nas entrelinhas do que propriamente no 'escrito', a
dizer mais no 'implícito' do que no 'dito'.
Pensemos
nos
sintéticos
(e,
muitas
vezes,
herméticos)
haikais,
de
tradição
oriental
japonesa,
que
sabem
condensar
em
imagens
intuitivas,
sinestésicas,
místicas,
a
pluralidades
das
imagens
percebidas
pelo
sujeito
lírico.
Temos
três
versos,
curtos,
e
uma
experiência
de
fotografia,
um
captar
de
um
momento,
um
instante
de
visão
ou
reflexão.
Há
igualmente um grau fantástico de concisão num poema do inglês
William Blake, onde o visível dialoga com o invisível, o corporal
espelha algo do espiritual, a virtude perpetua algo do pecado, onde a
pureza e o desejo dançam uma valsa de colisões, onde o desabrochar
romântico conserva a inquietude barroca.
Nos
tempos modernos, Emily Dickinson e Paul Celan ambos são referência
quando se trata de concisão, versificação resumida em contraponto
aos poemas longos, extensos, prolixos, verborrágicos. Mostram um
poder de resumir raciocínios em poucas palavras que é como se
pudessem encolher o Himalaia dentro de um frasco de geleia.
A
concisão da poeta norte-americana Emily Dickinson é muito mais
difícil de 'interpretar' do que a prolixidade do conterrâneo Walt
Whitman, pois cada palavra de Emily pesa toneladas em relação aos
versos extensos de Walt. Dificuldade esta que deve-se a maior
intensidade lírica condensada em pouco versos.
Muitos
poetas oscilavam entre o curto e o extenso, por exemplo, o clássico-
moderno português Fernando Pessoa, a criar odes contidas sob o
heterônimo Ricardo Reis e odes verborrágicas sob o heterônimo
Álvaro de Campos. Este último num dramático desassossego entre a
exaltação e a fadiga, o futurismo e o niilismo.
Também
lembramos
do
poeta
de
tradição
germânica
Rainer
Maria
Rilke
a
oscilar
entre
o
prolixo
e
o
contido,
citemos
os
poemas
longos,
as
Elegias
à
Duíno,
em
contraponto
aos
clássicos
sonetos
de
Sonetos
a
Orfeu.
O
desejo
de
recriar
a
percepção
pela
fala,
e
o
esforço
de
espelhar
o
sentimento
em
escrita.
Pós-Segunda
Guerra
Mundial,
na
mesma
época
em
que
Paul
Celan,
judeu-romeno,
de
fala
alemã,
sobrevivente
do
Holocausto,
publicava
seus
poemas
curtos,
meditativos,
compartilhando
a
memória
e
a
culpa
(no
sentido
em
que
as
vítimas
sobreviventes
se
sentiam
culpadas
por
sobreviverem)
numa
época
em
que
o
Genocídio
era
documentado;
os
poetas
beatniks,
norte-americanos,
deixavam
jorrar
seus
poemas
fluentes,
metapoéticos,
excessivos,
exagerados,
ofensivos,
que
empolgavam
as
plateias
com
ironias
e
mordacidades
múltiplas
de
mil.
Pois
bem, na poesia contemporânea em Língua Portuguesa temos,
igualmente, um exemplo de contraponto nas poéticas de Luís
Serguilha (1966-) e Jorge Melícias (1970-). Quando a versificação
do primeiro é extensa e verborrágica, a do segundo limita-se ao
conciso e sintético. Diz muito em pouquíssimas palavras. Resume
questões de vastas enciclopédias em três ou cinco versos. Em
contrapontos, concisão e verborragia são lados da mesma moeda
quando se propõem a trabalhar com 'imagens poéticas.
Texto
e contexto. Não só de 'tamanho' se tece o julgamento de um poema. A
amplidão de um texto poético não é quantidade de versos ou
estrofes. Há outros diferenciais. Podemos dizer que a poesia de
Emily Dickinson é mais 'cerebral', meditativa e racional, algo de
'masculino', do que a de Walt Whitman, mais emotiva, passional,
prolixa, digamos 'feminina'. Enquanto a poesia de Paul Celan é mais
'equilibrada' entre a razão e a emoção. Se é que podemos falar em
'equilíbrio' numa poesia tão tensa quanto a de Celan.
Mas
a poesia concisa de Jorge Melícias não é emotiva ou cerebral, não
está 'em equilíbrio', antes pretende ser imagética, irracional,
sintética (até hermética), barroca nos oxímoros, modernista nos
enquadramentos cubistas (todos os lados na mesma perspectiva), e
pós-modernista ao suspeitar da própria Linguagem, a capacidade de
'representar' o mundo, o que denominamos 'a realidade'.
A
obra
“disrupção”
é
uma
“poesia
reunida”,
um
conjunto
de
sete
obras
publicadas
pelo
Poeta,
de
1998
a
2008,
no
formato
antologia
poética
na
íntegra
(não
apenas
os
'melhores
poemas'),
a
facilitar
assim
o
acesso
a
Obra
completa
e
possibilitar
uma
leitura
da
'carreira'
do
Autor.
Começamos
pelo
fim.
“iniciação
ao
remorso”,
de
1998,
tem
algo
de
barroco,
tanto
quanto
os
romances
psicologistas
de
Feódor
Dostoiévski.
Algo
de
confessional,
mas
não
exatamente
claro.
O
sintético
pode
levar
ao
hermético.
A
estilística
estrutura-se
em
tópicos
frasais,
incisivas
afirmativas,
em
tom
declarativo,
tipo
'fim
de
papo',
onde
a
concisão
cria
um
estilo
'dono
da
verdade',
ao
pretender
a
'veracidade'
de
um
provérbio
(quem,
em
sã
consciência,
vai
questionar
um
provérbio,
a
'vox
populi
vox
dei'?)
“A
febre
é
um
porto
onde
se
regressa
sempre.”
(p.
149),
ou
“e
o
silêncio
da
casa
está
todo
nos
ombros.”
(p.
144)
Um
mosaico
de
imagens
surrealistas
'condensadas',
em
sensível
releitura
de
painéis
cubistas,
“enquanto
as
mulheres
enlouquecem
de
pé,
/
cuspindo
os
espelhos.”
(p.
148)
ou
“A
mulher
respira
arqueada
sobre
as
esquinas,
/
o
rosto
fechado
por
um
lenço
de
fogo.”
(p.
136)
A
Voz lírica não se limita a monólogos, mas articula uma 'conversa'
com o leitor – eis o uso do TU – o Leitor idealizado mas que pode
não 'entender' o poema,
Partirás
então como chegaste, intruso,
na
boca
a
cal
de
um
poema
que
não
soubeste
entender.
(p.
147)
É
de
perguntar
mais
seriamente
sobre
a
possibilidade
de
uma
'poesia
compreendida
pelo
Leitor'
?
Desde
quando
a
Poesia
pode
realmente
comunicar
algo?
“O
Abismo
entre
as
almas
não
pode
ser
transposto”,
podemos
traduzir
um
verso
de
Fernando
Pessoa,
nos
english
sonnets,
The
abyss
from
soul
to
soul
cannot
be
bridged,
Sonnet
I.
Mas
aqui
ao
Leitor,
que
não
compreende,
incapaz
de
compreender,
resta
apenas
o
'choro
e
o
ranger
de
dentes'
da
profética
maldição
bíblica.
As
imagens
são
'fortes',
ásperas
demais
para
a
nossa
sensibilidade!
Resta
o
silêncio,
diria
Hamlet,
ou
o
Remorso
após
o
crime,
que
o
diga
Raskólnikov.
A
presença
do
Crime
é
um
corpo
de
delito
muito
flagrante
aqui.
O
poeta
se
afoga
nas
evocações
do
sangue,
“onde
o
sangue
dorme
sob
a
pedra”
(p.
141),
ou
“sobre
as
lajes
do
sangue
/
brilham
alto
os
crimes.”
(p.
142),
ou
“São
altas
as
cúpulas
quando
o
sangue
/
ilumina
as
paredes
do
relâmpago.”
(p.
135),
ou
ainda,
“e
a
loucura
gritava-se
inteira
pelo
sangue
acima.”
(p.
134)
Apresenta-se,
portanto, um 'ritmo semântico', com a repetição das imagens
poéticas em vários níveis (dentro do 'nível semântico'), temos
metáforas, metonímias, sinédoques, sinestesias, oxímoros, tudo ao
mesmo tempo agora!
Contudo,
por
mais
'fortes'
que
sejam
as
'imagens'
(no
sentido
dado
por
Octavio
Paz,
em
“O
Arco
e
a
Lira”)
estas
não
permitem
reconstituir
a
cena
primordial
– em
versos
descrita
– visto
ser
o
poema
maior
que
a
soma
das
partes.
Cada
fragmento
por
mais
'impactante'
que
seja,
é
apenas
um
fragmento.
São
drágeas
enfileiradas
-
para
serem
engolidas
de
hora
em
hora.
Os
poemas
extensos
podem
ser
verborrágicos
– sem
qualquer
tom
pejorativo
– no
intuito
de
'empolgarem'
o
Leitor.
Assim
um
frenesi
numa
“Ode
Triunfal”
ou
uma
viagem
numa
“Ode
Marítima”
(F.
Pessoa)
ou
a
exaltação
de
si-mesmo
em
“Song
of
Myself”
(W
Whitman)
ou
o
drama
de
uma
geração
em
“The
Howl”
(A
Ginsberg).
Efeito
que
um
poema
curto
raramente
provoca
– a
não
ser
que
seja
excepcional.
(É
o
que
já
dissemos:
é
mais
'fácil'
fazer
um
poema
de
dez
páginas
do
que
um
poema
de
cinco
versos.
Pessoalmente
confirmo
tal
axioma.)
Outra
'imagem'
é
a
presença
da
noite,
enquanto
símbolo
do
segredo,
do
oculto,
daquele
'unheimlich'
mencionado
por
S
Freud,
enquanto
elemento
do
'suspeito'
ou
'não
domesticado',
o
que
foge
ao
controle
humano,
o
Estranho
que
mora
debaixo
da
cama,
e
não
exatamente
lá
fora,
“Espessa
é
a
noite
das
catedrais”
(p.
135)
ou
“As
noites
eram
prodigiosas
e
terríficas”
(p.
134)
Percebemos
um
desassossego
a
perpassar
todo
“iniciação
ao
remorso”
que
além
de
problematizar
o
'sangue'/'crime'
e
a
'noite'/'medo',
lança
suspeita
sobre
as
palavras,
que
não
podem
evitar
uma
'cegueira'.
O
livro
abre
com
“olhos
nas
palavras”
e
fecha
com
“a
cegueira
é
ainda
uma
forma
de
ver”.
Não
há
contradição.
A
visão
da
poesia
é
a
visão
de
um
cego?
(Dizem
que
Homero
era
cego,
e
em
plena
cegueira
Borges
compôs
excelentes
poemas.
)
Diante
de
uma
'fragmentação'
da
realidade
que
a
Linguagem
(mesmo
enquanto
'dom',
'dádiva'
)
não
é
capaz
de
totalizar.
Uma
cegueira
muito
produtiva
esta
diante
de
um
jogo
de
espelhos!
Mas
se
Narciso
fosse
cego
talvez
não
morresse
tão
tragicamente...
Cegueira:
não
compreender
a
totalidade
do
mundo?
Então
somos
todos
cegos!
Todo
conhecimento
é
parcial,
pois
não
há
uma
'perspectiva
privilegiada'
para
podermos
ver
o
mundo,
O homem
está de pé como se soubesse
e
o
horizonte
possível
é
a
renúncia
de
deus.
(p.
135)
Segue-se
“a
luz
nos
pulmões”
(2000),
onde
a
presença
da
palavra
jaz
sob
potentes
holofotes
da
suspeita.
Há
toda
uma
metalinguagem
aqui.
A
começar
por
uma
citação
do
poeta
russo
futurista
e
revolucionário
V
Maiakóvski,
que
não
hesitava
em
fazer
poesia
com
o
corpo,
nem
que
para
isso
precisasse
usar
as
'próprias
vértebras'.
“Na
ponta
dos
dedos
/
batem
as
palavras
sísmicas”
(p.
112)
cujo
produto
(em
tessitura
de
palavras)
são
os
poemas!
“O
poema
são
fogueiras
levantadas
na
garganta”
(p.
126)
onde
“a
palavra
acende-se”
(p.
126)
pois
o
poeta
nada
faz
além
de
'sinais
de
fumaça'
até
seu
interlocutor/Leitor.
O
quanto as palavras podem trazer uma 'narratividade' sobre o mundo?
Pois o desejo poético aqui é de tecer uma história da cultura
humana – ou da 'consciência humana' – enquanto 'descoberta da
linguagem', onde homens e mulheres se unem para construir um 'mundo
humano'. Assim, a palavra nasceria lírica sobre a epopeia da
civilização, da humanidade ao arquitetar a si mesma.
As
mulheres
enquanto
'cimento
afetivo'
da
civilização,
pois
elas
formaram
as
famílias,
amamentaram
os
filhos,
contaram
as
estórias/histórias,
“Em
redor
as
mulheres
delimitam
a
casa,
/
são
os
pulsos
da
casa”
(p.
115)
onde
“Atrás
dos
vidros
ondulam
as
mulheres.
/
Acendem
os
filhos
pela
boca,
/
sopram-nos
por
dentro.”
(p.
117),
pois
“Elas
são
o
sítio
da
memória”
(p.
122).
Memória
esta
que
se
cria
pelo
remorso,
pelo
golpear
da
dor,
segundo
escreveu
F.
Nietzsche,
quando
o
indivíduo
sofre
as
pressões
(e
opressões)
sociais,
a
introjetar
a
crueldade
como
'marcas',
e
a
reconhecer
uma
'moral'
ligada
ao
medo
e
a
repressão.
(“Apenas
o
que
não
cessa
de
causar
dor
é
o
que
persiste
na
memória”,
em
A
Genealogia
da
Moral,
Segunda
Dissertação)
Enquanto
isso,
o
homem
perpetua
o
trabalho,
ergue
o
mundo
de
construtos,
para
suprir
suas
carências,
a
criar
outras,
e
resolver
seus
problemas,
a
criar
outros,
“O
homem
está
dobrado
sobre
a
mesa,
/
as
palmas
das
mãos
presas
ao
tampo”
(p.
115),
ou
“O
homem
é
um
fole
a
prumo
/
sob
o
arco
da
língua”
(p.
124)
e
ainda,
“À
beira
das
salinas
os
homens
declinam” (p.
113)
Na
sequência
– tal
a
leitura
de
um
'mangá'
– encontramos
“uma
estaca
levantada
na
cegueira”
que
sugere
uma
continuação
desta
'narratividade'
sobre
o
criar
e
o
destruir,
o
observar
e
o
perceber-se
cego,
ao
contrapor
imagens
de
noite/cegueira
versus
nome/claridade,
a
inserir
o
elemento
da
loucura
como
um
'desfocar'
de
lentes,
pois
o
desejo
da
humanidade
é
criar
um
mundo
de
'sentido'
– conferir
sentido
à
existência,
nem
que
seja
inventando
deuses
e
semideuses.
A
Linguagem
como
uma
tentativa
de
'verbalizar'
o
mundo
e
ao
nomear
finalmente
apoderar-se
das
'coisas',
congregar
tudo
em
classificações
(ah,
o
belo
sonho
de
Aristóteles!)
Ele
incorre na morte.
Apropria-se
da soberba do verbo.
Sobre
as mãos assenta
o
estame benigno
da
loucura.
A
beleza como um dínamo infrene.
(p.
102)
Muitos
temas
se
repetem
em
“o
dom
circunspecto”,
de
2003,
mais
como
uma
'consagração'
do
estilo.
Uma
estilística
que
já
'situa'
o
Autor
– se
não
em
originalidade,
ao
menos
no
sentido
de
'apoderar-se
de
uma
Linguagem'.
O
que
antes
seria
um
experimentalismo
agora
é
uma
'determinada'
Escrita
autoral.
Chamemos,
pois,
de
Estilo.
Um
Estilo
que
agora
identificamos
ao
manter
a
suspeita
quanto
a
'verbalização',
ao
criar
uma
poesia
da
não-comunicação,
pois
pressupõe
uma
'incompreensão
do
poema'
– o
poema
é
para
ser
compreendido?
-
onde
a
palavras
parece
estar,
digamos,
'murada',
“os
dedos
em
volta
/
como
um
verbo
murado.”
(p.
79)
O
próximo
é
“incûbus”
de
2004,
com
uma
epígrafe
citando
Nietzsche
fora
de
contexto,
quando
poderia
citar,
por
exemplo,
alguma
fala
de
Raskólnikov,
aquele
a
sofrer
em
“Crime
e
Castigo”
do
clássico
russo.
Se
Nietzsche
discursaria
sobre
a
ideia
de
crime
no
âmbito
da
'moral',
o
anti-herói
Raskolnikov
julga-se
além
da
Moral,
pois
o
'homem
extraordinário'
– e
seu
modelo
é
o
General-Imperador
Napoleão
Bonaparte
– está
fora
do
ditado
da
lei.
Para
o
(seria?)
Übermensch
/
Além-do-Homem
não
haveria
o
'dura
lex
sed
lex'.
Seria
um
deus
a
seguir
as
próprias
leis
que
ele
mesmo
criou.
É
lacônico
e
iconoclasta
dizer:
“Aquele
que
mata
decifra”
(p.
51)
Se
aplica
ao
anti-herói
russo:
se
ele
não
cometesse
o
crime
não
haveria
crise
de
consciência,
não
haveria
psicologismo,
não
haveria
a
narrativa,
o
clássico
romance
russo,
onde
lemos
(até
com
prazer!)
os
sofrimentos
alheios.
Afinal,
ferir
o
outro
pode
ser
a
melhor
forma
de
ferir
a
si
mesmo.
Ou
muitas
vezes
julga-se
fazer
o
'bem'
quando
se
pratica
o
'mal'
.“A
mão
que
afaga
é
a
mesma
que
apedreja”,
sussurra,
sombrio,
o
poeta
Augusto
dos
Anjos.
São belos
os instrumentos da minha morte
nas suas
mãos, à destreza da ira
sobre os
trépanos,
a
forma
como
o
grito
se
abre
de
cânulas.
(p.
56)
As
imagens
são
'fortes',
expressionistas.
Sangue,
faca,
gume,
navalha
vem
retalhar
e
estripar
vísceras
para
expor
o
sangue,
algo
de
uma
'metonímia'
para
a
existência
enquanto
'luta
pela
vida'.
Algo
da
'seleção'
darwinista
é
o
que
promete
o
'banho
de
sangue',
as
machadadas
na
cabeça.
Quem
sobreviver,
verá.
As
facas
nada
mais
do
que
revelam
o
que
está
oculto
sob
a
pele.
“Abrem
as
virilhas
à
/
soberba
das
facas”
(p.
58)
O
surrealismo
adentra
seu
labirinto
em
“a
longa
blasfêmia”,
de
2006,
onde
imagens
exigem
empatia
(simpatia
ou
antipatia,
à
votre
guise)
não
compreensão.
Deveria
ser
'digerido'
de
imediato?
Ou
a
imagem
nos
emocionaria?
Se
não,
seguimos
para
o
próximo
fragmento...
A
epígrafe
vem
citar
palavras
do
poeta
expressionista
alemão
Gottfried
Benn,
e
lembramos
de
um
certo
'olhar
subjetivo'
sobre
o
mundo
que
vem
a
explodir
como
um
grito
(aquele
mesmo
do
angustiante
quadro
de
Edvard
Munch).
Pois
é
de
se
indagar,
'Existe
o
mundo
lá
fora?
Ou
só
existe
aqui
dentro?
É
um
acordo
entre
o
fora
e
o
dentro?
Que
sentido
há
na
beleza
de
?'
E
se o clarão sobe dos recessos
e
toca a fractura
há-de
rasgar-se uma gárgula
na
fronte.
(p.
39)
Afinal,
belas
palavras
para
dizer
o
quê?
Se
as
palavras
são
ilusão,
imaginemos
então
o
'beletrismo'!
De
repente,
voltamos
à
poética
labiríntica
de
um
L.
Serguilha...,
onde
possivelmente
encontraríamos
'construções
frasais'
do
tipo:
“lentas
tubagens
do
medo”,
“cabeças
laudativas”,
“emanação
coaxial”,
“metalurgia
brutal”,
“ferocidade
acúlea”,
“tuberosa
calcificação”,
“assunção
cabal”,
“menstruação
metálica”
!
Só
para
ficar
em
alguns
exemplos...
As
imagens
de
violência
criam
antes
uma
'violência
estética',
ou
uma
poética
da
miséria,
“E
onde
cães
e
homens
/
disputam
a
carniça
/
à
lisura
dos
ossos.”
(p.
13)
aqui
em
“agma”
(ou
“magma”?)
de
2008,
onde
abrindo-se
em
qualquer
página
encontraremos
as
mesmas
imagens
de
crueldade,
agora
mais
'encorpadas'
por
um
vocabulário
denso
de
preciosismo
vernacular,
com
verbetes
do
tipo,
“alvídrio”,
“aloquetes”,
“ágona”,
“âmnio”,
“aporia”,
“carena”,
“esquírolas”,
“exacção”,
“gárrulos”,
“goivas”,
“ignívaga”,
“múrias”,
“resilência”,
“sufusão”,
“vernação”,
para
ficarmos
em
alguns
exemplos.
Parece
realmente
abolida
a
'logopeia'
(rede
de
sentidos)
em
prol
da
'fanopeia'
(mosaico
de
imagens),
neste
cubismo
de
concretos
e
abstratos,
a
explorar
os
níveis
de
semântica,
em
metáforas,
metonímias
e
contrapontos
de
cunho
barroco,
Descerei
das canas
para a
rasura da redenção.
No dorso o
relâmpago
como uma
carena blasfêmica.
E um amor
profundo pela impiedade.
(p. 15)
Barroco?
Certamente.
Excessivo
em
contrastes,
o
pecado
em
se
pensar
no
pecado,
o
criminoso
a
revivificar
o
crime,
o
remorso
inexistente
na
cegueira,
a
virtude
pode
ser
vício,
as
'virtudes
teologais'
– Fé,
Esperança
e
Caridade
– podem
não
passar
de
'auto-engano'
a
serem
postas
de
'pernas-pro-ar',
a
'virtude
cristã'
da
'esperança'
pode
ser
re-posta
pelo
'desespero',
“E
o
desespero
/
era
uma
forma
de
beatitude”(
p.
21).
Realmente
'disrupção'
parece
ser
um
livro
só
– e
não
uma
antologia
a
abarcar
uma
década
de
produção
poética
– não
apenas
por
uma
'coesão
textual
interna',
ou
'ritmo
semântico',
quando
persistem
mudanças
sutis,
em
leves
nuances,
para
se
repetir
o
mesmo.
[O
que
é
diverso
numa
Voz
autoral
múltipla
– vejam
Fernando
Pessoa
– ou
o
poetaator
multiartista
Wilmar
Silva
-
Joaquim
Palmeira,
cujo
Estilo
é
justamente
a
'ruptura'
de
estilos,
a
deixar
o
Leitor
num
suspense,
diante
de
uma
incógnita,
pois
não
se
sabe
o
que
virá
a
ser
a
próxima
Obra!
basta
comparar
“Arranjo
de
Pássaros
e
Flores”
com
“Anu”,
por
exemplo]
Dessa
forma,
o
Autor,
o
poeta
Jorge
Melícias,
engendrou
um
Estilo,
numa
labuta
decenal,
um
esforço
de
castor
operário,
uma
técnica
de
aranha
a
tecer
teias,
para
encontrar-se
regente
das
palavras,
mesmo
ao
exumar
algumas
delas.
Imaginemos
uma
Emily
Dickinson
a
la
Penélope
a
construir
uma
tessitura
de
símbolos
que
a
interpretação
logo
vem
desfiar
a
cada
leitura
– a
mesma
Leitura
que
tece
novos
meta-poemas
ao
desfazer
os
poemas.
Abr/10
(revsd:
dez/12)
Leonardo
de Magalhaens
mais
sobre
o
poeta
Jorge
Melícias
em
:::::::
Nenhum comentário:
Postar um comentário