sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Sobre os contos de Elo Cunha em Entre a Vida e a Morte

 

 


 

 

 Sobre Entre a Vida e a Morte : um flerte
contos do escritor Elo Cunha (1977-)
(BH: Páginas Editora, 2021)


      Narrativas labirínticas flertando com o desassossego


    O que é um conto? Depende dos contistas. São os escritores que criam e recriam o que denominamos, na teoria literária, de Conto. Uma narrativa curta (short story; se mais longa, é novela, novella; se muito longa, romance, novel) que tem um ou dois núcleos (mais do que isso temos novela ou romance) que constituem os fios do plot, ou enredo, ou trama.

    Para a teoria do conto é necessário certos elementos para que tenhamos um conto. Além do Enredo, as Personagens, o Espaço e o Tempo. O que acontece? Com quem acontece? Onde e quando acontece? Até aqui o texto. Nas entrelinhas pode estar a ‘segunda estória’, ou a solução geral. Como os núcleos se relacionam, como dependem um do outro, ou qual estória se destaca mais, e com que intensidade, então aí está a estilística do/a autor/a. E cada autor terá sua concepção do gênero conto.


    Quais autores se destacaram no reino dos Contos? Vejamos alguns, como preâmbulo, o alemão E. T. A. Hoffmann  (dos contos de terror gótico), o estadunidense  Edgar Allan Poe (para quem o conto é intenção e efeito, com grande coesão), o francês Guy de Maupassant (autor de O Horla), outro estadunidense, Jack London (das paisagens gélidas no Alaska), o russo Anton Tchecov (gênio do gênero), o irlandês James Joyce (que além de romancista, escreveu contos, em Dublinenses), o judeu tcheco Frank Kafka (atormentado pelo absurdo da existência), o italiano Italo Calvino (autor de Cidades Invisíveis) e mais um estadunidense Ernest Hemingway (aquele da ‘teoria do iceberg’, onde o texto é só uma pequena parte, o mais está implícito).

    No Brasil, na América latina, temos o gênio e a ironia de Machado de Assis, as audácias de Mário de Andrade (‘conto é aquilo que chamo de conto’), a secura estilística de Graciliano Ramos, os redemoinhos de Guimarães Rosa, as cenas do cotidiano de Fernando Sabino, as inquietações existenciais e epifanias de Clarice Lispector, o mundo fantástico de Lygia Fagundes Telles, o realismo mágico de Murilo Rubião,  o mundo-cão de Dalton Trevisan (ou o vampiro de Curitiba), os temores e os tremores de Luiz Vilela, o humor judaico de Moacyr Scliar e os crimes hediondos de Rubem Fonseca. O mestre argentino Jorge Luís Borges, com suas referências bibliográficas igualmente ficcionais, e o também argentino Julio Cortázar (segundo quem, no conto, todos elementos devem funcionar para o impacto final, um bom nocaute), o colombiano Gabriel Gárcia Márquez (autor de Doze Contos Peregrinos) e outro argentino, Ricardo Piglia (para quem o conto não precisa de final surpreendente).



    Lembramos dos autores, mas e a recepção do leitor? Quem lê os contos? O que espera um/a leitor/a de contos? Um espanto? Uma aventura? Um passatempo? Eu, enquanto leitor de contos, gosto de ser surpreendido, de receber um golpe literário. Como não pensei nisso antes?! Como me comportar diante do enredo? Primeiro com suspeitas, depois expectativas, entrando nos meandros e passagens, com ‘suspensão de descrença’, para aceitar um sinistro gato preto ou a metamorfose de um pobre caixeiro-viajante ou os truques de um ex-mágico, em busca da unidade (será uma coesão?) do texto.

    Falamos de um ‘pacto ficcional’ entre autor e leitor. O/a leitor/a tem a missão de interpretar, portanto completar a narrativa. O texto não expõe tudo, realmente o texto deixa lacunas que o/a leitor/a precisa preencher com suas experiências de vida e suas leituras.  Expectativas e possibilidades se mesclam, se enovelam. É como se estivessem num jogo, aquele caráter lúdico que os criadores da OULIPO francesa tanto sublimavam. O/a autor/a deixa pistas, marcas, indícios, e o/a leitor/a segue e investiga, e é o Sherlock ele/ela mesmo/a.   

 





    É preciso ser Auguste Dupin e Sherlock Holmes, e suspender muito a descrença, para adentrar os labirintos da Escrita do autor mineiro Elo Cunha, literato e médico, criador deste Entre a Vida e a Morte : um flerte (2021) com seu estilo intricado, filosófico, confessional, a gerar desconforto, um desassossego mesmo. Ele quer nos atingir existencialmente, não apenas narrar uma estória.

    Alguns contos aqui são verdadeiros poemas em prosa, com altos tons de alegoria, simbolismo, linguagem poética, mais do que uma narração, um enredo com personagens e desventuras. São contos-poemas em 1ª pessoa, confessionais e perturbadores. São personagens anônimas, um ele, ou ela, que podem ser qualquer um de nós, boquiabertos leitores.

    São contos, ou poemas em prosa, que desafiam a leitura, não por erudição ou vocabulário, mas pelas questões, pelas indagações mesmo. Quem fala? Quem confessa? O que é ter identidade? Um tom existencialista que encontramos em textos do francês argelino Albert Camus e na ucraniana brasileira Clarice Lispector. Seres em busca de identidade, de pertença no mundo. Quem eu sou? A que lugar eu pertenço?


    A identidade não aparece pronta. É um gradativo processo de vivência e observação. O que eu gosto? O que as pessoas esperam que eu goste? O que é disciplina? A quem devo obedecer? São questões dispostas diante das personagens (e de nós leitores) para que respondam sem subterfúgios.  


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Para envelhecer, no intuito de evoluir, como ser, é necessária a reconstrução consciente e contínua de nossa própria identidade. (p. 7, Sobre prisões imaginárias)

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Lembrança vaga e distorcida da concepção que construímos de nós mesmos. Saber disso é o que mais dói. O esforço da reconstrução diária e ininterrupta é um passo no vazio da lembrança, vaga por si e em si. (p. 10, Desconforto)


    Então o que é a Identidade? É uma narrativa elaborada e contínua que contamos a nós mesmos sobre nós mesmos. É uma fábula que tecemos diante dos olhares familiares e diante do espelho. É a fábula do Eu, como dizem os budistas.


    O Ego é um claustro, uma prisão. Por que? Por ser o Ego uma ilusão. Somos maiores que o Ego, graças a nossa mente ampliada. Sem consciência disso vem a claustrofobia. Pois é “uma prisão em um círculo vicioso de falsa felicidade.” (p.14) O Eu é uma mansão com muros e grades, sistema de segurança – e dentro da qual nos descobrimos presos. Individualidade enquanto construção, um Eu em construção, sempre trocando as fachadas, as facetas, as máscaras.


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Nas veredas do percurso, o que nos marca são as ramificações. Aquele instante em que a estrada se bifurca é lá, na escolha, que se constrói a individualidade. Na lembrança do possível acordo, ou na eterna dúvida da escolha abandonada. (p.14, Trajetos e Trajetórias)



    Vida! O que é a Vida? Um fenômeno que ocorre entre o nascer e o morrer. Uma visão sem retoques, sem dramatismos, fria e científica. Não há escape para a condição humana. Somos mortais e não há técnica ou magia que nos deixa eternamente jovens. Somente as religiões prometem tal ‘vida eterna’ em paraísos celestiais.

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Porque o caminho é incerto e múltiplo, mas a chegada é uma só. Fatídica e esperada. Tal qual a certidão de nascimento, ao fim, nos aguarda a declaração de óbito. (p. 15, Trajetos e trajetórias)


    Enquanto a morte não vem as personagens vivem seus dramas. E suas leituras. Em Devaneios em Assis, temos um personagem mergulhado em referências aos contos de Machado de Assis, por exemplo, O Espelho e também Teoria do Medalhão, em Papeis Avulsos, obra de final do século 19 e que marcou um novo fôlego para o gênero na nossa literatura.

    Para ser um Medalhão, para ‘subir na vida’, é saber se portar socialmente, sempre simpático e nunca expor suas ideias, aliás é melhor nem ter ideias. É melhor seguir e se apropriar das ideias que circulam por aí. É saber se adequar ao discurso ao redor, se encaixar nas ‘rodas sociais’ e ser celebridade.

    Diante do espelho há uma imagem, uma identidade, e justamente aquela que é aparência, que está apresentada socialmente, o respeitado alferes com seu uniforme. Não há um eu interior que suporte a introspecção, a solidão, mas uma figura exterior sempre a esperar elogios e honras.


    Algumas questões sobre Eu, identidade, traumas da infância, estão em Machado de Assis bem como encontramos em trechos do médico austríaco Sigmund Freud, pai da psicanálise, da mesma época. Não eram autores que se correspondiam, eram ideias que estavam no Zeitgeist. É fato que Freud sistematizou em sua obra o que já se podia ler em Schopenhauer, Poe, Dostoiévski, e Nietzsche, tais como a divisão da psiquê, o inconsciente a pulsão de morte.



    No conto Quarto de espelhos (p.25), em 1ª pessoa, temos um tom meio de Edgar Allan Poe, de constante questionar, à beira da obsessão, na contínua recriação de nós mesmos, "Relembrar das coisas é o que curiosamente nos constrói, e esse pensamento é absolutamente trágico," (p. 25) As imagens que nos apresentam ou que construímos para nos apresentar – o quanto são espelhamentos? Espelhos que são símbolos em narrativas de Machado de Assis e Jorge Luís Borges.

    No conto Tlon, Uqbar, Orbis Tertius, de Ficções,  Borges fala da maldição dos espelhos que, juntamente com a cópula, são abomináveis ao reproduzirem os homens. A mania que os espelhos têm de duplicar as coisas – confundir o real e o virtual, como quando vamos àqueles parques de diversões com amplas salas de espelhos, das mais diversas dimensões, e os risos que não seguramos quando vemos nossas imagens ora magras, ora obesas, ora esticadas, sempre disformes, sempre outra daquela com a qual estamos acostumados.

    O Eu deve muito de sua construção às memórias. Mas não só do indivíduo, mas de memórias coletivizadas. O que a família pensa sobre mim? O que as redes sociais pensam sobre mim?  “Toda memória é falsamente verdadeira, particular, sujeita à ação inconsciente do crivo individual de quem a vivencia.” (p. 26)


    Nossa identidade é edificada sobre um conjunto de memórias. Lembrei-me aqui do filme/animação Divertida Mente (Inside Out, 2015), onde as emoções, alegria, tristeza, raiva, nojo, medo, precisam lidar com as preciosas esferas de memória que constituem aquela narrativa que a personagem conta para si mesma e que seria sua personalidade. Onde ela viveu? Como é sua família? Quais experiências são marcantes? Carinho ou violência? Conforto ou miséria? Rotina ou mudanças?

    O conto Identidade (p.31) trata do drama das escolhas. Escolhemos realmente? Somos condenados a escolher, como dizia o existencialista Jean-Paul Sartre, e até quando não escolhemos é porque escolhemos não escolher. Em suma, temos mesmo livre arbítrio? Ou o que julgamos escolher já está escolhido? Ou nem sabemos porque escolhemos…

    Se estamos numa caverna, como dizia o grego clássico Platão, como poderemos sair de tal condição? A nossa caverna de Platão é a nossa Matrix, emaranhado de vida social e redes sociais e busca de status.  
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Uma decisão final, de libertação, uma fuga da caverna, pensava agora. Deveria existir algo além do arquétipo que habitava, se fazia necessário romper com a construção da realidade que forçosamente o cercava. (p. 32)



    A libertação – a morte. A morte, o destino: tudo (p.21), conto em 3ª pessoa, sobre o peso do Fado, a miséria entranhada, de vício e culpa. Também em Borderline (p. 29), com seu tom alegórico, personagem anônima,  na vertigem que é um fascínio, uma atração pelo abismo, pela queda final, a morte lá embaixo. A vontade de se libertar do corpo – mesmo que não se liberte do karma. “Encarnado e encarcerado momentaneamente se aproximam muito em seu longo vocabulário.” (p. 29)


    Em frente. No conto Água mole, pedra dura (p.33) a figura do eterno retorno do mesmo (segundo Friedrich Nietzsche), como uma condição cíclica, de espírito orientalista, esta roda de samsara da qual temos que nos libertar ao seguir o dharma, o caminho budista. “Um eterno ciclo? Um retorno ao retorno seria um grande desperdício de energia e imaginação” (p. 33)

    Em Paralelos (p.49), conto indefinido, em 1ª pessoa, onde questiona-se: são as várias mortes? As reencarnações no ciclo do Samsara para pagar os karmas de vidas passadas? Um tom religioso, mas desesperançado, de quem perdeu a fé, mas ciente da condição de eterna repetição,


A grande verdade é que nunca se morre (p.49)
 
E você… quantas vezes já morreu? (p.50)


    A condição humana ainda é tema para outro conto em tons alegóricos, Cárcere (p. 69), em 3ª pessoa, sobre como lidamos com a solidão. É uma prisão. O Eu consigo mesmo pode ser claustrofóbico. E o Absurdo: a cela está aberta.


    E quando o Eu procura o Outro, o objeto de desejo amoroso? No conto O toque declara (p.35) temos os desencontros amorosos, o que Ela quer, o que Ele expressa. Ele demonstra que ama, Ela quer declarações. Ambos  juntos e separados. Os corpos se compreendem, mas as almas não. Podemos  comparar com Sobre certa noite (p. 39), de como o homem vê a mulher, e também comparar com Do genérico ao universal (p. 65) aqui o homem se declara para a mulher.


    A mulher, a figura erótica e amorosa também apresentada em Memória da água (p.41) a presença feminina numa reconstrução pela memória, assim como em Certo emotion (p.47) lembranças do antigo amor, que animam um saudoso anônimo.

    Em Fagia (p.51)  narrativa que parece um conto erótico, mas não é …. é algo terrível. Sem palavras.






    Outros contos passam longe da temática amorosa. Et devorabit omnia (p. 37) com um tom alegórico, no vazio existencial de um canibal. Um Hannibal Lecter? Memorável no filme O Silêncio dos Inocentes (1991) com Anthony Hopkins. Aquele homem fino, elegante, carismático, mas também perverso, psicopata, canibal. Aqui o destino trágico do ‘último antropófago’.

    Será que a ‘antropofagia nos une’, como dizia o poeta modernista Oswald de Andrade? Para os povos nativos o canibalismo é assimilar o Outro no que tem de força e coragem. Vemos isso em poemas de Gonçalves Dias, I-Juca Pirama. Os nativos não devoram os fracos e os covardes.


    Em Secreto glaucoma (p. 43) mais tom alegórico  com a  observação e imaginação, na passagem da infância à vida adulta, a morte da infância (childhood’s end). Mas os traumas da infância continuam.  É o que lemos em Reminiscências (p. 67), em 1ª pessoa, onde a lembrança de infância está materializada numa moeda, dada por uma... aparição.


    Em O Buscador (p.45), em 3ª pessoa,  um Ele anônimo, que pode ser qualquer um de nós, diante do exercício da espiritualidade enquanto uma ‘busca infinita’, uma contínua peregrinação, seja em Santiago de Compostela, ou no Tibete, seja em terreiros de candomblé. A personagem pensou só no espírito, no outro mundo e não viveu este daqui, então no final sobreveio a velhice, a doença, a morte num leito de hospital.


    Impossível se libertar? O texto de Impossibilidade (p. 53) um tanto enigmático. Quem fala? Que seres são estes? É uma reunião? Um ritual? Uma profecia? Lembrei-me de algo de Borges, Calvino, Cortázar…Também o tom enigmático em Entre isto (p. 55) com uma transição da 1ª pessoa para a 3ª pessoa. Quem narra? Um sonhador? Um monge? Trata-se de um ser isolado, excluído, só no final é que sabemos quem é… triste fado.

    Há Poro (p. 59) ver Áporo, poema de Carlos Drummond de Andrade, onde “um inseto cava / cava sem alarme / perfurando a terra / sem achar escape.” numa condição de insistência e perseverança mesmo que inútil. Lembrei-me da marmota (realmente uma marmota?) na novela A Construção, de Kafka, que nos causa perplexidade. Nada podemos fazer para mudar – igual Dédalo preso em seu labirinto. (Vejam que autores modernos adoram referências aos mitos gregos. Por que será?)


    No magistral a Parábola Borgeana (p. 61), em 1ª pessoa, o narrador, o Eu reconstrói a identidade, fragmento por fragmento. O Ego cria um golem, um boneco, um quê de Frankenstein, “Novo ser criado, golem de mim”. Um golem, figura de um conto judaico, um robô (?) orgânico criado por magia. E o golem, por sua vez, cria um homúnculo, aquele que Fausto cria na parte II da peça de Goethe, com artes de magia esotérica.

    Caleidoscópio (p. 63), em 1ª pessoa, temos as várias facetas da mesma paisagem. Há uma praia, lazer, GIRA, há miséria, exploração, GIRA casais, GIRA, boêmia, assim de modo que prazer de uns, miséria de outros, assim um lucra, os outros trabalham. A sociedade em suas várias camadas, na divisão social do trabalho, a exploração do homem pelo homem a qual damos o nome de ordem social.

    As Veias da sorte (p. 71) temos o vício do jogo. Lembro de O Jogador, novela meio autobiográfica do russo Feódor Dostoiévski, que perdeu muito dinheiro e sono nas mesas de jogatinas.  E outro conto sobre vício é Vício (p. 89) 1ª pessoa sobre sedução… vampírica! A ânsia dos convertidos…


    Dois outros contos merecem atenção. Agonia e Êxtase (p.79), em 3ª pessoa, e o longo Diário de um sedutor (p. 91), que me fazem lembrar certas influências de Rubem Fonseca (1925-2020), o grande autor brasileiro, que tratava dos crimes, da sociopatia de personagens na cidade grande, solitárias meio às multidões.


    No primeiro, o passo a passo para um crime bárbaro, sem justificativas, puro fetiche homicida. No segundo, mais denso e confessional, para o narrador sedutor, a sedução é como um hobby, um passatempo, ou uma afirmação do Eu masculino. “A necessidade de autoafirmação é algo que compreendo bem” (p. 92) Ele tem uma voz que reflete e até confessa. Quer a nossa atenção e até cumplicidade. Ele é um indivíduo assim como nos julgamos indivíduos, “Saber que a individualidade é necessária” (p.92)


    Meio as suas confissões de seduções, ele tece alguma referência a Borges, o homem sozinho é um microcosmo no macrocosmo, com alguma erudição (que o autor empresta a personagem) enquanto o sedutor não se envergonha de confessar que “se um homem é composto pela soma de suas experiências e pela projeção de seus anseios, eu era só gandaia.” (p. 97)


    Estas questões levantadas pelo autor Elo Cunha nesta surpreendente coletânea de contos, Entre a Vida e a Morte: um flerte, são aquelas que perpassam várias obras, ao longo dos séculos, pelo menos desde os séculos 16 e 17, de Montaigne, de Descartes e de Espinoza, de identidade, autorreflexão, sentido da existência, emoção X razão, metalinguagem, aqui atualizadas para os leitores do século 21, que sobrevivem em mundos virtuais, em redes sociais, onde as identidades são fluidas e corroídas por expectativas e frustrações, numa imensa Matrix que passa despercebida.



ago/21



Leonardo de Magalhaens

poeta, escritor, crítico

bacharel em Letras / Fale / UFMG






Referências


ASSIS, Machado de. 50 contos. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

_________________ . Papéis Avulsos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

CUNHA, Elo. Entre a Vida e a Morte: um flerte. Belo Horizonte: Páginas Editora, 2021.

FONSECA, Rubem. Contos reunidos. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

_________________ . Histórias de Amor. São Paulo: Cia das Letras, 1997.

GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. São Paulo: Editora Ática, 1990.

LAFETÁ, João Luis. A Dimensão da noite e outros ensaios. São Paulo: Duas cidades / Ed. 34, 2004.

PIGLIA, Ricardo. Teses sobre o conto. In: O laboratório do escritor. São Paulo: Iluminuras, 1994.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.  São Paulo: Vozes de Bolso, 2014.

 

 

 

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