Sobre
a seleção na tese panorâmica de Carmona
O poeta Kaio Carvalho Carmona, ou
Kaio Carmona, defendeu recentemente uma tese de doutorado, "26
Poetas ontem: Belo Horizonte literária" (2015), em Literatura
Brasileira, na Fale / UFMG, sob a orientação da Profa. Dra. Maria
Zilda Ferreira Cury, sobre a cena da produção poética na capial
mineira, nossa metrópole-província, pós-década de 1980. Realizou
ele um duplo recorte, espacial e temporal, a estabelecer uma certa
seleção - os citados 26 literatos de destaque (por que não 20 ou
30 ? ou os 'dez melhores' ? ).
Carmona escolheu e estabeleceu
algumas linhas temáticas - cidade, erotismo, metapoesia - mas se
esqueceu da ironia, do engajamento político, do surrealismo, da
agroLírica, etc , o que deve ter limitado ainda mais a seleção dos
poemas / poetas. Aliás, os poemas não são os melhores, ou mais
representativos de cada poeta citado. Insiste ele numa crise da
poesia - no que faz coro com o poeta e crítico paulista Marcos
Siscar - autor de Poesia e Crise (Unicamp, 2010), quando há
na verdade uma explosão de poesia, uma diversidade caótica, novos e
bons poetas desconhecidos, novos e péssimos poetas divulgados...
O que há é uma incompetência dos
poetas, que deixaram que os cantores / compositores disseminassem a
poesia em canções, desde os anos 1970, vide Clube da Esquina, Chico
Buarque, Caetano e Gil, Maria Bethania, Raul Seixas, Cazuza, Renato
Russo, Adriana Calcanhoto, etc, que passam a ser considerados
'verdadeiros poetas', enquanto os poetas se refugiam nas torres de
marfim e nos livros / antologias. Poetas, deem o fora de seus
gabinetes, já bradava os Ferlinghetti, poeta Beat, desde
os anos 1960. Os poetas deviam continuar nos saraus, na leituras
públicas, nos atentados poéticos, apregoando o reino sagrado da
lírica, mas se emudeceram em papel reciclado e fonte garamond.
A tese de Carmona é interessante,
riquíssima e realmente essencial, mas tem seus pecados, e padecerá
no purgatório da crítica. Até a página 65 o doutorando vai bem,
quando segue uma abordagem até jornalística a informar sobre as
publicações - várias !! - desde as décadas de 1920 a 1960, de
Drummond a Affonso Ávila, do modernismo ao concretismo. Tudo certo.
Para isto serve a academia: apurar e contextualizar.
Contudo, todavia, quando ele alcança
seu foco - o recorte temporal de 1980 a 2000 - Carmona começa a
deslizar, se embaraçar. Sua seleção de poetas, sua seleção de
poemas de cada poeta, mostra-se um balaio de gatos sem rumos, com
eleição de uns em detrimento de outros. Que relevância
entra em foco aqui? Que critérios tem o 'antologista'? Tempo de
publicação? Quantidade de livros publicados? Repercussão na mídia?
Alguns realmente merecem aplauso: Sebastião Nunes, Alécio Cunha,
Carlos Ávila, Sérgio Fantini, Jovino Machado, Fabricio Marques,
Wilmar Silva, Bruno Brum, Kiko Ferreira, Adriana Versiani, Simone de
Andrade Neves, Mário Alex Rosa, Ana Elisa Ribeiro, Vera Casa Nova,
Ricardo Aleixo. Mas vários poetas e poetas são ignorado(a)s. Onde
estão os poetas Rogério Salgado, Luiz Edmundo Alves, Tânia Diniz,
Rodrigo Leste, Wagner Moreira, João Diniz? E Neuza Ladeira? E
Clevane Pessoa? E Regina Mello, Lívia Tucci, France Gripp, Brenda
Marques? E Mônica de Aquino?
Realmente listar nomes fica
complicado, sem contextos. Sem critérios, complica mais ainda. Eu
tenho minha lista de 26 poetas, o J. Quest tem sua lista de 26
poetas, o MC Goroba tem sua lista de 26 poetas, entonces quem tem a
razão? Cada grupo tem sua lista de 26 poetas relevantes. Aliás,
este lance dos 'grupos' é o foco do problema.
O problema - a crise? - da produção
poéica em BH é o da fragmentação. Ou dispersão? Ou
incomunicação? Entenda-se: vários grupos / grupelhos de poetas e
poestas espalhados pela metrópole-província, cada um no seu gueto,
e sem contato com os outros. poucos poetas leem outros poetas
próximos - sem qualquer opinião, além da subjetiva (gosta, ou não,
dele/dela...) Há segfmentação, fragmentação, falta de leitura
mútua, leitura cruzada, leitura atenta e crítica. Voilà! eis a a
crise literária de BH.
Quando este escriba aqui chegou em
BH, nos idos de 2004, tinha a esperança de - através da
recém-criada e logo extinta ong cultural OPIO / OPA! -
congregar/ participar em vários grupos, realizar um intercâmbio,
fazer leituras cruzadas, e eventos em comum. Vã esperança. Cada
grupo / panela se mantém fechado, isolado - e é preciso certas
'senhas', certas 'apresentaçãoes' para adentrar o recinto, ser um
iniciado, atento neófito. Com raras, raíssimas, exceções, vide os
centros culturais que anunciam seus saraus abertos, assim como o
Munap, Museu Nacional de Poesia, com as sementes de poesia, de
microfone aberto a todos, em sarau matinal no parque municipal.
Mas, geralmente isolados - geografica
e intelectualmente - vários grupos elegem seus vates /
representantes, e passam a considerá-lo/a o/a grande poeta, e depois
acha injusto tal poeta não ser reconhecido/a municipalmente. (Pois
estadual e federalmente é quase impossível - só se fizer fama em
Rio ou Sampa, como Paulo Mendes Campos, Affonso Romano de Sant'anna,
Silviano Santiago, etc, ou ganhar o Jabuti...) Então fazer uma
'amostragem' da produção de poesia em BH seria selecionar 1 ou 2
poetas de cada grupo - e não 10 de um grupo e 10 de outro. Muitos
poetas não transcendem o grupo - ainda que tenham qualidade! - e
pouco[a]s publicam - seja em livros, blogs ou redes sociais. Assim,
selecionar apenas os midiáticos, é ir no caminho pavimentado, no
que está nos suplementos (onde poucos publicam....)
Há muita ênfase nos poetas do
Suplemento Literário de Minas Gerais e no jornalzinho
Dezfaces, enquanto outros grupos são ignorados. Por exemplo,
ninguém de A Parada (ainda que tenhamos a citação de Ana
Elisa Ribeiro, professora do Cefet/MG, onde se originou a
publicação.) Temos poetas sem qualquer relevância - a não ser na
academicamente, como bons formalistas, repetidores neoparnasianos, ou
meros hermetistas, ou enfadonhos metapoetas, a escreverem para outros
acadêmicos ... - enquanto outros poetas, ainda que em início de
carreira, têm muito maior importância. São os/as poetas sem
classificação - nem formalistas, nem surrealistas, nem
concretistas, que vivem fora de todos os grupos, ou participando de
dois ou três grupos.
Alguns poetas só aparecem na seleção
- no tumultuoso corpus - não apenas por temática, mas
devido ao espaço na mídia ou na faculdade, enquanto outro[a]s
correm por fora e têm uma qualidade poética muito maior. São
poetas de eventos, de intercâmbios, de antologias, que desenvolvem
um estilo próprio. Vide a escrita de Makely Ka, que digere de cordel
a poesia Beat. A de João Diniz, de perfil arquitetônico,
diversa. A de Bruno Brum, pós-concretista, pós-marginal, pós-punk,
pós-pós-moderna. A 'agrolírica' de Wilmar Silva, achado novo, de
imagética surreal. É de se perguntar: por que a obra de Wilmar
Silva foi referida tão superficialmente? Anu, obra
agrolírica, abordada só 'graficamente', como se fosse peça de
concretista. Somente a obra de Wilmar Silva mereceria uma tese.
Situar a obra, não recortá-la, para efeito de mosaico panorâmico.
Está fora do recorte temporal da
tese, sabemos, mas nenhuma referência aos poetas relevantes hoje,
seja Makely Ka, Babilak Bah, Marco Llobus, Ricardo Evangelista, Neuza
Ladeira, Rodrigo Leste, Leonardo Morais, Rodrigo Starling, Lecy Sousa
e Diovani Mendonça (ambos de Contagem, mas atuantes em BH), que se
formaram em torno de centros culturais, em contaro direto com as
comunidades, mano a mano com os / as leitore[a]s. Poetas que criam
seus modos de divulgação, que fazem a música, gravam, carregam
equipamento, montam o palco, abrem e fecham as cortinas, acendem e
apagam as luzes. Eles e elas estão fora das grandes publicações,
sequer aparecem nos encartes, muito menos na primeira página, nunca
uma exposição televisiva. Em que seleção acadêmica adentrará
tais nomes? Ou serão sempre anônimos?
15abr16
by Leonardo de Magalhaens
poeta & pensador
Leonardo Magalhães Silva
graduado em Letras - Fale / UFMG
Leo, li seu texto e tenho algumas observações a fazer. A primeira se refere à tese do Caio que, veja bem, ainda não li. Mas arrisco algumas hipóteses no sentido de tentar oferecer também uma visão crítica. Creio que o título é uma referência óbvia à antologia "26 poetas hoje", da Heloísa Buarque de Hollanda. Então, o título me parece fazer essa brincadeira/homenagem à antologia da pesquisadora carioca. Em relação ao "esquecimento" de algumas linhas temáticas visto por você, não acho que tenha sido isso. As linhas temáticas, segundo você mesmo observou, estão delimitadas: cidade, erotismo, metapoesia. Só essas três já são muita coisa para se investigar em uma tese, acredite. O recorte é necessário, e muitas vezes é provocado mais pela necessidade da temática do texto do que pelo gosto pessoal ou uma suposta relevância literária. Fiquei na dúvida em relação a sua colocação sobre os poemas piores/ melhores: podendo aplicar ou não essa categorização (o que exatamente difere um poema bom de um ruim na obra de um poeta? existiria uma regra definitiva para avaliar isso?), ainda assim eles foram analisados sob a taxonomia sublinhada por você. Essa coisa de "crise da poesia", acho, no mínimo, um exagero. A poesia, desde que o poeta foi expulso da República de Platão, sempre esteve em crise. Penso que a poesia é uma linguagem permanentemente em crise porque é capaz de deixar por terra, entre outras coisas, a discursividade denotativa. É justamente nessa tensão é que, penso, se dá o aparecimento do poético. Em relação ao corpus ou recorte constituído pelos poetas analisados, acredito que, mais uma vez, foi um recorte conservador: poetas que orbitam/habitam a Zona Sul de BH (é claro que há exceções!). Não sei se vc leu o livro do Fabrício Marques ("Uma cidade se inventa") que segue mais ou menos na mesma direção, porém, com um olhar mais amplo, que foi um pouquinho além da região sul de BH. Quanto a incompetência dos poetas, não sei se também seria o caso. O que eles deveriam ter feito? Feito uma passeata reivindicando a separação entre poesia e música? Lembre-se que a poesia, no começo, esteve intimamente associada à música. Vide a importância do instrumento musical lira na Antiguidade Clássica, que simplesmente batizou o gênero. Acho que a questão passa mais pela educação, pela formação de leitores. A música, por conta da divulgação em massa e pela linguagem universal, sempre ocupou seu lugar no imaginário cultural. O Piva dizia que a poesia era uma arte minoritária. E concordo com ele. Não deveria ser, mas é. Porque ainda estamos à sombra de Platão que, conforme observei, tinha medo de qualquer linguagem que pudesse suscitar a dúvida, a diferença. Outra coisa: algo do que você observou como sintoma da crise (há realmente uma crise de produção poética em BH? Nunca se lançou tanto livro como nessas últimas décadas, a despeito da qualidade), a "fragmentação", ao meu ver, é o que salva e o que mantém interessante a coisa toda. Nunca fui dessa coisa de grupo, embora admire a geração Beat, que só foi grupo por um tempo também, depois, cada um foi cuidar da sua vida, assim como a Geração Perdida de Fitzgerald, Stein, Hemingway). Por último, agradeço ter me citado como poeta relevante mas discordo radicalmente, rs! Só escrevi uns poeminhas bem ruins. Eu nem poderia estar ao lado de tanta gente de qualidade, apesar de estarem à margem e que, conforme observado por você, mereceriam mais leitura e estudo.
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