THIAGO
DE MELLO
O
TEMPO DENTRO DO ESPELHO
[…]
§.
Para
cumprir-se, o tempo necessita
de tudo o que já fiz e se aproveita
da moça adormecida na campina
perante a minha dor adolescente;
dos cabelos da minha mãe tão moça,
tão valente na proa da canoa;
da lágrima no olhar do meu amigo
me dizendo "que pena, eu vou morrer";
do meu primeiro filho perguntando
"para onde vai o mar quando é de noite?",
da tua mão na minha dentro da água;
do medo que eu senti na cordilheira,
dos cavalos correndo no vulcão
assustando as estátuas solitárias
com seus olhos de pedra me espreitando;
da pele do meu peito que murchou;
do espelho sempre intacto em que se esconde
o pretérito mais do que imperfeito
da minha vida.
O tempo é a minha sina
aderida a meu sonho além da aurora,
a frágua do meu cântico futuro.
§.
de tudo o que já fiz e se aproveita
da moça adormecida na campina
perante a minha dor adolescente;
dos cabelos da minha mãe tão moça,
tão valente na proa da canoa;
da lágrima no olhar do meu amigo
me dizendo "que pena, eu vou morrer";
do meu primeiro filho perguntando
"para onde vai o mar quando é de noite?",
da tua mão na minha dentro da água;
do medo que eu senti na cordilheira,
dos cavalos correndo no vulcão
assustando as estátuas solitárias
com seus olhos de pedra me espreitando;
da pele do meu peito que murchou;
do espelho sempre intacto em que se esconde
o pretérito mais do que imperfeito
da minha vida.
O tempo é a minha sina
aderida a meu sonho além da aurora,
a frágua do meu cântico futuro.
§.
O tempo é a sombra e a luz do pensamento.
Mas sobretudo é o que te faz pensar.
Por isso ele não passa e não se perde.
O tempo dura inteiro a teu dispor:
pele imóvel de mar em movimento,
feito de imagens, nuvens, flores, flamas
e cinzas — tudo coisas que te falam
na voz, que não se cala, dos silêncios.
§.
Tempo,
te dou memória de ti mesmo
pela
mão do meu ser. Eu te dou tempo,
esta
a tua verdade, eu que te invento
e
te permito doer – e tu me mordes
e
degradas o sol das minhas pálpebras
e
me instigas feiuras escondidas
e
esgarças a espessura do meu sono,
mais
me vingo de ti, e quase te amo
porque
nunca me gastas a esperança.
[1986]
…
O
ALFANJE DO TEMPO
O
tempo é o grande milagre
da
vida do homem no mundo.
Não
tem começo nem fim.
Mas
está vivo, animal
respirando
imenso em tudo
que
a gente quer, sonha e faz.
O
tempo que já passou
te
conta como vai ser
o
tempo que vai chegar.
Tudo
leva a sua marca,
de
pétala ou de ferrão.
Tudo
traz o seu condão:
a
criança correndo, o rio
passando,
a rosa se abrindo,
a
lágrima da alegria,
o
silêncio da amargura,
a
luz mansa da ternura,
o
sol negro da pobreza.
O
tempo é o nada que é nada.
O
tempo é o tudo que é tudo,
o
tudo que vira nada,
o
nada virando amor.
O
amor inventando estrelas,
a
mais linda se apagou
na
fronte da moça amada.
O
tempo está no teu peito
clamando
nas coronárias,
mas
se esconde nas funduras
dos
neurônios quando sonhas.
Está
no fogo e no orvalho,
fermenta
o pão que não chega,
arde
o forno da esperança.
Alma
do tempo é a mudança
que
come o que vai mudando
e
depois dorme sonhando
disfarçado
de memória.
Nada
perdura na vida,
a
não ser o próprio tempo,
finge
que passa, mas fica.
Imutável,
modifica.
O
tempo é o sol do milagre.
Cuidado,
ele está chegando
na
claridão da manhã.
A
noite inteira ficou
no
seu passo, te esperando,
de
espreita em teu próprio sono.
Vem
vindo para comer
na
palma da tua mão.
Trata
bem dele, aproveita,
enquanto
há tempo, o que o tempo
permite
ao teu coração.
Quem
sabe ele vem trazendo
um
alfanje? Ninguém sabe.
Pode
ser uma canção.
[1998]
O
OFÍCIO DE ESCREVER
Lendo
é que fico sabendo:
O que escrevi já caiu
na vida. Não me pertence.
Leio e me assombro: as palavras
que arrumei com paciência,
severo de inteligência,
cuidando bem da cadência,
perseverante, escolhendo
não escondo, as mais sonoras,
e as que gostam mais de mim,
dando a cada uma o lugar
merecido no meu verso
(e que desta ciência os segredos
me deu o tempo de ofício,
um exercício de anos)
pois as palavras começam
a dizer coisas que nunca
ousei pensar nem sonhar,
pássaros desconhecidos
pousando no meu pomar.
O que escrevi já caiu
na vida. Não me pertence.
Leio e me assombro: as palavras
que arrumei com paciência,
severo de inteligência,
cuidando bem da cadência,
perseverante, escolhendo
não escondo, as mais sonoras,
e as que gostam mais de mim,
dando a cada uma o lugar
merecido no meu verso
(e que desta ciência os segredos
me deu o tempo de ofício,
um exercício de anos)
pois as palavras começam
a dizer coisas que nunca
ousei pensar nem sonhar,
pássaros desconhecidos
pousando no meu pomar.
§.
É quando descubro a rosa
— rosa em carne de palavra,
não é rosa da roseira —
Que chamei para o meu poema,
Rosa linda, venha cá,
Venha enfeitar o meu canto,
Se transmuda, mal a leio,
Num sonho que vai se abrir,
No espinho que vai ferir.
Só nesse instante descubro
que a rosa, para ser rosa,
no esplendor da identidade
com qualquer rosa do mundo
precisa ser inventada
pelo
milagre do verbo.
[1998]
In:
Melhores Poemas. Seleção : Marcos Fredrico Krüger / 2009
seleção by LdeM
...
Que ótimo a leitura desses três poemas, nesse momento. O tempo, marcando o ritmo da construção, ou não... De qualquer forma, atravessando feita espada, vil metal imortal!
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