quarta-feira, 7 de outubro de 2015

5 poemas de Tácito Naves Sanglard in DRICA





Drica BH, Anome, 2013

                                          Tácito Naves Sanglard


                  LEMBRETES
- Desconstruir, tijolo a tijolo
a poesia produzida,
mesmo que arada e adubada
esteja essa terra fértil e falsa
de sonhos e pesares.
- Abortar, ainda que o sol a sol
intente histórias pra contar,
planos extirpados anteriormente,
ou que sejam futuros
de lugar algum, ou de
algum lugar que seja,
sem mais cuidado,
ou dor aparente.
- Amortecer, com rigor,
os desejos secretos,
por serem fabricados e falsos,
ainda que criados com a
ilusão de verdadeiros.
- Digerir, a tarefa ingrata
que se lança, e conter o
verso compulsivo,
que derradeiro testa
a ausência de texto e forma
adequada, além de fatos que
norteiem a correção do rumo
imaginário.
- Importante: exterminar um por um
os personagens:
o enredo, o cenário,
as lembranças,
o poeta.


...



                     Compulsivo

Todas as noites eu
teço um fio novo,
fino e longo
que vou enrolando
até o amanhecer,
e apenas interrompo,
quando sou eventualmente
podado por um enfermeiro maluco,
que parece não entender bem
a importância do fato.
Eu conheço bem a finalidade do ato
e julgo compulsivamente
que existe uma ciência e
um porque na feitura da obra,
e creio ser meu dever sagrado
relatar a ele de imediato,
os avanços que faço,
mesmo que ele não entenda,
e seja profundo e tristemente
ingrato.
Os dedos longos e
carnudos que eram,
são apenas ossos endurecidos que
não respondem o movimento,
o comando, e muito
menos o tato.
Vez por outra
vários nós se desatam,
sem maiores consequências,
mas não me importo,
e refaço pacientemente o ornato,
desde o início novamente,
até que involuntariamente
provoque um novo desbarato.
Aí me distraio um pouco
olhando para o retrato de
um gato inexistente
que me fita da janela,
como que por loucura,
mas lhe sou grato,
pois repenso e reprogramo
todo o meu trabalho.
Todos os dias, eu teço um fio
novo, fino e longo...
e esta é uma opção,
e este é o meu destino.









                        Teatros da Vida

Não dá para saber
o papel que desempenhas,
ou que teremos,
no teatro da vida,
ou o que serás amanhã.
Quisera eu ter prazo para
o ensaio geral,
para te ensinar e para aprender,
e pra temporada inteira,
como proceder,
como se portar em cena,
como simular o beijo
verdadeiro, que pretensamente
falso, praticamos,
mesmo sabendo que tu sabes
pouco desse jogo teatral,
que às vezes pode ser cruel
mas nunca falso.
Apenas uma encenação
que a vida imita.
Mas hoje ainda não é
o ensaio geral,
e teremos amanhã e depois
para treinarmos
alguns passos,
alguns abraços
ligeiros,
e cenas que não são
tanto a meia luz,
como praticamos.
É o que temos, minha
vida, neste curto
tempo de preparo
de uma sexta feira,
sabendo que a estreia
inexorável será em
todos os dias da nossa vida,
com o mesmo frisson
e enquanto fizermos sucesso.
E é neste palco,
é lá que iremos viver
a vida que ensaiamos,
e nela temos tudo pra nos amar,
exatamente como atuamos,
como personagens
dos tempos de preparo,
que treinamos tanto,
para aplausos receber.












                           Tempos e Tempos


Esses são tempos de classificar e definir.
De pegar e refletir sobre o que te faz bem
e devolver ao mar aquilo que está vencido.
Revistas velhas, retratos amarelados
e sem sentido, pessoas não identificadas,
caixas que nunca abriu, velhos baús cheios
de quase nada, e cantos da sua casa,
onde já se refugiou um dia
e sabes muito bem porque.
Hora de deixar ventilar o coração, antes que
ele emperre de vez e nunca mais se abra.
Hora de jogar no lixo, o lixo que guardastes
com apego, achando que novamente ele
virasse um livro de ouro, igual ao que fizestes
no colégio, com assinatura de todos
que te amavam, e eram tantos e era todo
esse momento guardado intocável
no seu peito, hora de refletir e se lançar
no caminho das ondas mornas e percebíveis
que alegram a sua alma.
Hora de se tirar o bolso, um restinho do mofo
que se formou no tempo, e entrar em mar aberto,
com a alma pura, e no peito, um turbilhão de coragem,
prestes a explodir.





                                   Carona

Sinto a necessidade
insuportável
de escrever versos,
como se eles
pairassem no ar
na minha frente
e me tentassem
com gestos eróticos,
posições mundanas,
balançando as
claves de maneira obscena,
simulando arpejos,
fazendo agudos
parecerem graves,
como se musical fosse
o meu dom,
e mal lido com as palavras,
letras frágeis,
apenas sentimentos podem
reger o mundo,
e o amor por uma pessoa,
eu apenas pego carona
e vivo deles !




In Drica / 2013


Tácito Nave Sanglard

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