quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

2 poemas de Contador Borges








CONTADOR BORGES

[SP, 1954]



[A HISTÓRIA]


A história (sempre a mesma), caberá
numa concha? O sonho cindido pelo tempo,
o raio, a febre, o grito dissoluto, a pele
que se esconde na doença da beleza
para olhos futuros. A sombra latente
que jamais dissimula o trabalho de parto
em seu sepulcro, à luz do obscuro poema,
onde o rosto reflete na lâmina ao separar-se
do corpo, os olhos devorados pela folha.
E este instante já é lenda escrita em névoa,
quase sem deixar vestígios. Só a dança
das vogais na areia, entre arestas, reflexo
do corpo exaurido de encontro ao sentido:
a aura do rosto na sombra, agora entre flores.





[QUE A VOZ ESCLAREÇA
O SER DA APARÊNCIA]


Que a voz esclareça o ser da aparência
e tal movimento encante
nossa imperturbável inércia.
Que num rito espontâneo o juízo proclame
seu fim, ele que em meio ao deserto semeia
algo maior sem alcance,
e o que se chama assombro ou furor
de palavras atinja além das cinzas
o espaço inesperado
e estreite o encontro, não com a morte,
mas com o que faz parte da claridade interna
que alimenta o devir e seu querer caudaloso,
misterioso, o lance inevitável
a furar os olhos do agouro (agora ou nunca)
e jogar um balde no dragão
da infâmia e sua armada imensa à espreita
de nossos gestos mais inócuos,
que mesmo os devaneios mortos são centelhas,
nervos de um novo engenho
que a matéria insere nas sementes
de outra série, fio, vereda, fazendo
do invisível a carne firme, viva, do alento.



fonte: Máscaras de Orfeo / Poesía brasileña y dominicana. 2009



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