sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Lorca & Whitman a las cinco en punto de la tarde






Reynaldo Valinho Alvarez



LORCA & WHITMAN A LAS CINCO
EN PUNTO DE LA TARDE


cantarei cantarás amores nunca vividos
os amores vividos estão temporariamente em recesso
a amada espera pacientemente o momento de novos enlaces


o tédio está recolhido em minha mão
canto hosanas ao Senhor e estou cansado
meu olho esquerdo pisca sem parar
todos me perguntam que é isso que me perturba
estou farto de que me perguntem que é isso e deixo passar


não tomarei remédios não entrarei na tua biritarei por bibocas
olharei de longe as biroscas das favelas
meu olho complicado desvendará problemas insolúveis
sherlockarei casos mil sob o cobertor
beberei chá a las cinco em punto de la tarde
e haverá sangre de toros y matadores na infusão de artemísia


lorquearei poemas sorumbáticos em tardes de tédio no escritório
enquanto o rei da voz ou a casa garson berrarão elis na loja embaixo
arrastando o arrastão do sucesso da moda


pontualmente às dezoito horas as prostituas começarão o trottoir
chisnandes pedirá pastéis com chope
guáxinton e eu ainda declamaremos um lorca de araque com
vozes de neruda
walt whitman deixará de ser whitman na geleia geral por trás da
gaiola de ouro
enquanto o amarelinho começará a receber a fauna das noites longas
o gerente efedapê estará a caminho do jardim bo(s)tânico
para curtir quatrocentidades com sua doce anamaria




in: O sol nas estranhas / 1979


in: A Faca pelo Fio / poemas reunidos / 1999


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Se eu contasse: um retrato acabado de Picasso / Gertrude Stein










GERTRUDE STEIN


SE EU CONTASSE: UM RETRATO ACABADO DE PICASSO


Se eu lhe contasse ele gostaria. Ele gostaria se eu lhe contasse.
Ele gostaria se Napoleão se Napoleão gostasse gostaria ele gostaria.
Se Napoleão se eu lhe contasse se eu lhe contasse se Napoleão. Gostaria se eu lhe contasse se eu lhe contasse se Napoleão. Gostaria se Napoleão se Napoleão se eu lhe contasse. Se eu lhe contasse se Napoleão se Napoleão se eu lhe contasse. Se eu lhe contasse ele gostaria ele gostaria se eu lhe contasse.
Já.
Não já.
E já.
Já.
Exactamente como como reis.
Tão totalmente tanto.
Exactidão como reis.
Para te suplicar tanto quanto.
Exactamente ou como reis.
Fechaduras fecham e abrem e assim rainhas. Fechaduras fecham e fechaduras e assim fechaduras fecham e fechaduras e assim e assim fechaduras e assim fechaduras fecham e assim fechaduras fecham e fechaduras e assim. E assim fechaduras fecham e assim e assado.
Exacta semelhança e exacta semelhança e exacta semelhança como exacta como uma semelhança, exactamente como assemelhar-se, exactamente assemelhar-se, exactamente em semelhança exactamente uma semelhança, exactamente a semelhança. Pois é assim a acção. Porque.
Repita prontamente afinal, repita prontamente afinal, repita prontamente afinal.
Pulse forte e ouça, repita prontamente afinal.
Juízo o juiz.
Como uma semelhança a ele.
Quem vem primeiro. Napoleão primeiro.
Quem vem também vindo vindo também, quem vem lá, quem vier virá, quem toma lá dá cá, cá e como lá tal qual tal ou tal qual.
Agora para dar data para dar data. Agora e agora e data e a data.
Quem veio primeiro Napoleão de primeiro. Quem veio primeiro. Napoleão primeiro. Quem veio primeiro, Napoleão primeiro.
Presentemente.
Exactamente eles vão bem.
Primeiro exactamente.
Exactamente eles vão bem também.
Primeiro exactamente.
E primeiro exactamente.
Exactamente eles vão bem.
E primeiro exactamente e exactamente.
E eles vão bem.
E primeiro exactamente e primeiro exactamente e eles vão bem.
O primeiro exactamente.
E eles vão bem.
O primeiro exactamente.
De primeiro exactamente.
Primeiro como exactamente.
De primeiro como exactamente.
Presentemente.
Como presentemente.
Como como presentemente.
Se se se se e se e se e e se e se e se e e como e como se e como se e se. Se é e como se é, e como se é e se é, se é e como se e se e como se é e se e se e e se e se.
Cachos roubam anéis cachos fiam, fiéis.
Como presentemente.
Como exactidão.
Como comboios.
Tomo comboios.
Tomo comboios.
Como comboios.
Como comboios.
Presentemente.
Proporções.
Presentemente.
Como proporções como presentemente.
Pais e pois.
Era rei ou quarto.
Pois e vez.
Uma vez uma vez uma vez era uma vez o que era uma vez uma vez uma vez era uma vez vez uma vez.
Vez e em vez.
E assim se fez.
Um.
Eu aterro.
Dois.
Aterro.
Três.
A terra.
Três.
A terra.
Três.
A terra.
Dois.
Aterro.
Um.
Eu aterro.
Dois.
Eu te erro.
Como um tão.
Eles não vão.
Uma nota.
Eles não notam.
Uma bota.
Eles não anotam.
Eles dotam.
Eles não dão.
Eles como denotam.
Milagres dão-se.
Dão-se bem.
Dão-se muito bem.
Um bem.
Tão bem.
Como ou como presentemente.
Vou recitar o que a história ensina. A história ensina.


Gertrude Stein
tradução de Augusto de Campos
adaptado por Pedro Calouste





IF I TOLD HIM: A COMPLETED PORTRAIT OF PICASSO

If I told him would he like it. Would he like it if I told him.
Would he like it would Napoleon would Napoleon would would he like it.
If Napoleon if I told him if I told him if Napoleon. Would he like it if I told him if I told him if Napoleon. Would he like it if Napoleon if Napoleon if I told him. If I told him if Napoleon if Napoleon if I told him. If I told him would he like it would he like it if I told him.
Now.
Not now.
And now.
Now.
Exactly as as kings.
Feeling full for it.
Exactitude as kings.
So to beseech you as full as for it.
Exactly or as kings.
Shutters shut and open so do queens. Shutters shut and shutters and so
shutters shut and shutters and so and so shutters and so shutters shut and so shutters shut and shutters and so. And so shutters shut and so and also. And also and so and so and also.
Exact resemblance. To exact resemblance the exact resemblance as exact
as a resemblance, exactly as resembling, exactly resembling, exactly in
resemblance exactly a resemblance, exactly and resemblance. For this is so.
Because.
Now actively repeat at all, now actively repeat at all, now actively repeat at all.
Have hold and hear, actively repeat at all.
I judge judge.
As a resemblance to him.
Who comes first. Napoleon the first.
Who comes too coming coming too, who goes there, as they go they share, who shares all, all is as all as as yet or as yet.
Now to date now to date. Now and now and date and the date.
Who came first. Napoleon at first. Who came first Napoleon the first.
Who came first, Napoleon first.
Presently.
Exactly do they do.
First exactly.
Exactly do they do too.
First exactly.
And first exactly.
Exactly do they do.
And first exactly and exactly.
And do they do.
At first exactly and first exactly and do they do.
The first exactly.
And do they do.
The first exactly.
At first exactly.
First as exactly.
As first as exactly.
Presently
As presently.
As as presently.
He he he he and he and he and and he and he and he and and as and as he
and as he and he. He is and as he is, and as he is and he is, he is and as he and he and as he is and he and he and and he and he.
Can curls rob can curls quote, quotable.
As presently.
As exactitude.
As trains
Has trains.
Has trains.
As trains.
As trains.
Presently.
Proportions.
Presently.
As proportions as presently.
Father and farther.
Was the king or room.
Farther and whether.
Was there was there was there what was there was there what was there
was there there was there.
Whether and in there.
As even say so.
One.
I land.
Two.
I land.
Three.
The land.
Three
The land.
Three
The land.
Two
I land.
Two
I land.
One
I land.
Two
I land.
As a so.
They cannot.
A note.
They cannot.
A float.
They cannot.
They dote.
They cannot.
They as denote.
Miracles play.
Play fairly.
Play fairly well.
A well.
As well.
As or as presently.
Let me recite what history teaches. History teaches.












terça-feira, 14 de janeiro de 2014

UM DIÁLOGO - by LdeM





Fonte da imagem : http://www.infiltrato.it



UM DIÁLOGO


LdeM


-Sabe? A gente poderia sair por aí, não? Deixar esta vida,
percorrer uma nova trilha, de peito aberto!
-Sei. Mas há um problema.
-Um problema?
-Não temos dinheiro.
-Hã? Não, não, pense bem. Sair por aí, acampar, passar
um dia e uma noite em cada cidade, novas amizades, novos amores!
-Mas esqueceu um porém.
-Qual?
-Não temos dinheiro.
-Isso? Olhe, olhe, pense comigo. Um amor em cada porto,
encontros e desencontros, e uma vontade de cair na noite!
-Esqueceu um detalhe.
-Detalhe?
-O de sempre: não temos dinheiro.
-De novo? Pois o que há? Não quer um delírio de aventuras, um
friozinho na barriga, de altos e baixos, um entorpecer de prazer,
um perder-se em orgia e poesia?
-Nada mau, nada mau. Mas já se esqueceu?
-Esqueci o quê?
-Não temos dinheiro.
-Lá vem você! Vamos ser criativos! Não estou te chamando para uma
sessão de cinema com refri e pipoca! Pense do meu lado: uma
fuga, dar o fora, entende? Sem essa de planos, mas mochila nas
costas, “ideia na cabeça e câmera na mão”!
-Dinheiro na mão, quer dizer.
-Já sei, vai dizer que não temos dinheiro.
-É isso aí.
-E se a gente ousasse um NÃO, nem que vez ou outra, sem rancores nem remorsos, mas para evitar esse constante SIM na ponta da língua? Esse
conformar-se, e limitar-se...
-Bonito, bonito. Mas novamente se esquece.
-Tá bom. Já sei.
-Entende. Não temos dinheiro.
-Mas é como se me sufocassem! Não posso nem pensar?! Venha,
ouça bem. É só deixar esse materialismo, esse apego ao conforto,
essa 'boa-vida' de fachada! É querer algo novo, é ser criativo,
é confiar no futuro no seio das artes. É pensar diferente!
-Ainda tudo muito bonito. De verdade. Até me emociona. Mas não temos
dinheiro.
-Tá certo. Você está querendo me provocar. É isso. Quer que eu engula
todo o meu estresse! Eu que vivo em paz com os outros! Eu que quero
ser eu mesmo! Ser livre sem ameaçar a liberdade dos outros. Só desejo
um lugar ao sol, um lugar onde eu possa crescer …
-Mas ainda o obstáculo...
-”A pedra no meio do caminho”?
-A própria. Não temos dinheiro.
-Mas você insiste! Pense comigo: um mundo novo, com pessoas
novas, com novos ideais, com desejos mas também respeito, com
anseios mas também cooperação, com vontade, mas também
tolerância; com sorrisos de verdade, com suas vidas produtivas e
todas livres de promessas vazias …
-Promessas? Quando não um banho de sangue... Mas ainda preciso
avisar: não temos dinheiro.
-Esquecer o político na TV, deixar de lado as propagandas de sabonete
sedutor ou salvação eterna, afastar os maus espíritos e os cobradores,
dar um tchau para essas musas de mídia, dramas de caprichos e culpas.
Ganhar o mundo, conquistar nosso território, ocupar nosso lugar ao sol,
ter sossego...
-Sossego? Ou aventura? E aliás...
-Sim?
-Não temos dinheiro.




Escrito: 27/28abr07
Revisado: 06/07out13




Leonardo de Magalhaens





segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Una Vita Violenta - by Rubens Zárate






RUBENS ZÁRATE


UNA VITA VIOLENTA


Os poetas morrem de delicadeza; logo, toda violência os alimenta.” André Breton



o poeta Gregório de Matos foi xingado pelos eguns das cerimônias selvagens que seus
escravos celebravam na beiradas da Bahia
& o poeta Roberto Piva foi linchado por gangues de carecas munidos de paus & coturnos
sob o olhar dos anjos andróginos do Largo do Arouche


o poeta Giordano Bruno foi queimado vivo na Praça do Mercado das Flores de Roma por
evocar o zodíaco no Espaço da Besta Triunfante
& o poeta James Douglas Morrison foi preso & multado pelo Estado da Flórida por
estimular o sexo oral & a masturbação em público


o poeta Jacob Boehme foi proibido de escrever & publicar por entrar em contato direto com a
força que jorra do Fundo Sem-Fundo do Abismo do Mundo
& o poeta Gary Snyder renunciou ao satori em protesto contra Nixon & derramou lágrimas
de sangue no monastério branco de Daitoku


o poeta Barão von Hardenberg subscrito Novalis foi soterrado nas minas de carvão do
condado ao contrair núpcias alquímicas com sua noiva morta aos 15 anos de idade
& o poeta Allen Ginsberg perdeu os cabelos ao conciliar anarquismo & cabala enquanto era
acusado de subversão pela CIA & de pederastia por Fidel Castro


o poeta Friedrich Holderlin foi internado no hospício com a boca tingida de vinho por
cometer equívocos na tradução dos clássicos da tragédia grega
& o poeta Gregory Corso teve a bunda arrombada ma prisão de Clinton por piratas reais que
sussurravam Shelley em seus ouvidos


o poeta Samuel Taylor Coleridge escreveu as Dores do Sono & teve a língua decepada
enquanto dormia nos palácios opiáceos da Ásia
& o poeta Dylan Thomas foi dissecado vivo, conservado em álcool & empalhado no céu de
sua última transmissão radiofônica


o poeta Paul Verlaine, alcoólatra & futuro carola, foi preso por tentativa de homicídio
contra seu amante o poeta Jean-Arthur Rimbaud, comunardo & futuro comerciante
&o poeta Píer Paolo Pasolini foi assassinado por um michê na praia de Óstia logo após a
estreia de Salô ou os 120 Dias de Sodoma


o poeta Stéphane Mallarmé contemplou a grande Bruma Branca do Nada & resignou-se a
lecionar para crianças & adolescentes durante o resto da vida
& o poeta Georg Trakl morreu de overdose de cocaína, láudano & amor carnal pela irmã nas
vitrines estilhaçadas das farmácias da Primeira Guerra


o poeta André Breton estremeceu de terror ao ver a cabeça de Karl Marx recitando o Rig-
Veda na primeira sessão espírita da Central de Pesquisas Surrealistas
& o poeta Louis Aragon foi pressionado pela III Internacional a renegar a revolução
surrealista & adotar a estética de Stálin


o poeta Antonin Artaud foi vaiado & abandonado por todos exceto os espíritos dos cactos
& dos cogumelos mágicos do México
& o poeta Dante Alighieri desapareceu na cripta de um alfarrábio entre
exemplares de Almanaque Pensamento & restos da História Universal da Infâmia






Fonte: Revista CULT



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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

2 poemas de Contador Borges








CONTADOR BORGES

[SP, 1954]



[A HISTÓRIA]


A história (sempre a mesma), caberá
numa concha? O sonho cindido pelo tempo,
o raio, a febre, o grito dissoluto, a pele
que se esconde na doença da beleza
para olhos futuros. A sombra latente
que jamais dissimula o trabalho de parto
em seu sepulcro, à luz do obscuro poema,
onde o rosto reflete na lâmina ao separar-se
do corpo, os olhos devorados pela folha.
E este instante já é lenda escrita em névoa,
quase sem deixar vestígios. Só a dança
das vogais na areia, entre arestas, reflexo
do corpo exaurido de encontro ao sentido:
a aura do rosto na sombra, agora entre flores.





[QUE A VOZ ESCLAREÇA
O SER DA APARÊNCIA]


Que a voz esclareça o ser da aparência
e tal movimento encante
nossa imperturbável inércia.
Que num rito espontâneo o juízo proclame
seu fim, ele que em meio ao deserto semeia
algo maior sem alcance,
e o que se chama assombro ou furor
de palavras atinja além das cinzas
o espaço inesperado
e estreite o encontro, não com a morte,
mas com o que faz parte da claridade interna
que alimenta o devir e seu querer caudaloso,
misterioso, o lance inevitável
a furar os olhos do agouro (agora ou nunca)
e jogar um balde no dragão
da infâmia e sua armada imensa à espreita
de nossos gestos mais inócuos,
que mesmo os devaneios mortos são centelhas,
nervos de um novo engenho
que a matéria insere nas sementes
de outra série, fio, vereda, fazendo
do invisível a carne firme, viva, do alento.



fonte: Máscaras de Orfeo / Poesía brasileña y dominicana. 2009



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