ELISA
LUCINDA
Lambe-lambe
Passam
muitas pessoas no saguão dos aeroportos.
Passam
neste aeroporto de agora,
e
eu, no meu pensamento,
não
me comporto, imagino elas fodendo:
fulano
com fulano,
são
casados, gozam, fazem planos?
E
ela, quer logo que acabe?
E
ele, penetra rosnando?
Fantasio
as inúmeras possibilidades de encaixes,
em
como foram as noites de amor que tiveram pra fazer essas
crianças
chinesas africanas alemãs francesas mexicanas libanesas
brasileiras
cabo-verdianas espanholas cubanas holandesas
senegalesas
turcas e gregas.
(Meu
pensamento é inconveniente mas ninguém sabe,
escrevo
num café, estou, por fora, muito chique no cenário
e
nitidamente estrangeira.)
Agora
passam dois homens.
Sentam
à mesa ao lado.
Falam
germânico mas a tradução é da mais alta putaria,
uma
iguaria da mais pura sacanagem!
Eu
sei, são gays. Eles não sabem que eu sei.
Pensam
que escrevo o abstrato
e
capricham descansados ao colo do idioma que não alcanço.
Mas
sou poliglota na linguagem dos olhares,
cílios
a mais antiga cortina do mais antigo teatro
na
pátria universal dos gestos, meu bem!
Ele
não me escapam.
Um
chupa muito o outro, que eu sei,
e
o magrinho gosta de dar por cima e de lado.
Importante
dizer que dentro desse meu pensamento safado
também
não tem pecado.
Só
me diverte
ver
o que todos negam,
o
que não se diz no social,
uma
radiografia verbal da intimidade alheia é o que faço aqui,
sem
que ninguém suspeite,
sem
ninguém me permitir.
Aquele
tem pau pequeno e, pior que isso,
ele,
mais que suas parceiras, acha isso um problema.
Aquele
ali também tem, mas arde na cama e se empenha muito
compensando
a diferença.
Aquela,
num outro esquema,
diz
que não gosta da coisa
e
fala sem parar.
Só
uma pirocada de jeito para fazê-la calar.
A
gostosa gordinha engole a espada todinha
daquele
altão desajeitado,
cujo
grosso membro se torna,
em
meio às coxas dela, disfarçado.
E
o velhinho punheteiro
de
pau mole com jornal no colo?
Talvez
seja o único a adivinhar o teor dos meus escritos,
dado
que me olha dissimulado e constante
de
modo a nunca perder meus segredos de vista.
(com
licença mas é dessa matéria hoje minha poesia)
Enxerida,
vejo a mulher com cabelos cortados à la moicano
com
a menina que iniciara a tiracolo,
feliz
em ser por ela lambida
e
sem saber no que estou pensando.
Passam
as pessoas
no
saguão do aeroporto,
fingem
que fazem check-in,
fingem
viajar sérias e de férias,
fingem
estar trabalhando...
mentira,
pra
mim tá todo mundo trepando!
Frankfurt,
6 de junho de 2002
…
Suicidas
invisíveis
São
jovens senhores e senhoras
se
despedindo dos agoras.
Desembarcam
da vida
antes
que se cumpra o destino,
antes
de escrito o percurso,
sem
giletes, sem tiros,
sem
cortar os pulsos,
sem
se jogar dos edifícios,
sem
abrir o gás
dão
pra trás na lida,
focados
no passado e suas dores,
no
pretérito de suas frustrações,
no
fungo dos rancores.
Esses
personagens e suas ações
vão
dando cabo do viver,
começam
a produzir a morte
e
ninguém vê.
Diante
da televisão,
presos
à Internet,
cativos
de shoppings e dopings,
eliminam
todos os confetes,
desconsideram
as comemorações para o novo dia,
odeiam
vésperas de alegria,
desprezam
os inoportunos sóis
que
anunciam que a vida continua.
Sem
cartas, sem avisos,
sem
marquises,
sem
os comprimidos assassinos
e
seus vidros vazios ao lado,
escolhem
o lado do dado
que
não tem jogada nenhuma.
Os
suicidas invisíveis
veem
esmola na cara do carinho,
não
suportam a esperança do vizinho,
matam-se
devagarinho
no
meio da sala,
na
mesa do jantar,
diante
dos hambúrgueres,
atrás
das taças transparentes de vinho
e
ninguém ora.
Sem
alarme, sem chavão,
sem
investigação,
o
suicida invisível
não
sai no jornal
nem
passa na televisão.
Não
virá o baile,
não
virá o passeio,
o
cinema,
o
novo amigo,
o
encontro,
a
compreensão.
O
suicida invisível
se
mata na nossa cara
e,
como não se nota,
não
se pede explicação.
Aperta
o botão da morte,
encerra
sua condição,
sai
antes do fim do filme,
antes
de acabar a sessão.
O
amor não virá,
não
virá a felicidade
em
sua homeopática e antipática dose.
Virá
talvez o mais rápido possível
algum
câncer ou trombose,
alguma
artrose de falta de movimento,
filha
da falta de caminho.
O
beijo não virá,
não
virá o sonho realizado aos pouquinhos.
Os
suicidas invisíveis
dizem
com o seu “não bom dia”,
com
seu rancor,
com
o seu medo,
com
o seu horror:
eu
estou me matando agora.
E
ninguém liga
e
ninguém para
e
ninguém olha
e
ninguém chora.
São
Paulo, 14 de junho de 2001
in:
A Fúria da Beleza / 2006
Elisa
Lucinda (ES, 1958-)
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