quarta-feira, 22 de maio de 2013

alguns poemas de CARPINEJAR





CARPINEJAR


Influenciável, tremendamente influenciável.
Tudo o que não foi dito me influencia.
Um homem secando o suor com lenço
me influencia.
Uma mulher catando os anéis das latas
me influencia.
Um cão seguindo o cavalo
me influencia.





Fico caseiro em trânsito,
tranco-me fora de casa.

Sou complicado para as tarefas simples
e simples diante das complicadas.
Desisti de explicar
como chegar a determinada rua.
Tenho o desvio como dom.
Ando colado aos corredores,
esperando ser sugado por uma porta.

Presto atenção ao que não foi dito.
Preencho o que não lembro com assobios.
Simples, previsível, falível.
Ajudo-me a cair.

Simples, previsível, falível.
Minha alegria pode ser medida
pela conta do telefone.



Entendo a metade das frases e adivinho o resto.
O homem nunca é pedra.
O homem nunca é perda.
Era um Natal chuvoso.
Esfregava o vidro como quem termina uma carta.
O rio encostava na parede para se ouvir.
A memória guarda o essencial e elimina as datas.
A memória não decora sua rua.
Arrumamos a mesa. Colocamos velas e nozes.
Provocamos o fogo como quem amola facas.
Cantamos a noite inteira.
Se faço pausa hoje, escuto o trincar
dos corpos, dos dentes, a grilaria dispersa,
o abraço sem fechar o pouso, o pouco.
Improvisava o que eu seria.
Minhas roupas viveram demais
para voltar ao meu corpo.




O que sobra é vício. O que falta é virtude.

Não me importa o desperdício,
mas o dinheiro miúdo que a mãe
recolhe na bolsa para passear com seus filhos,
reservado para comprar o cacho de pães,
a semana miúda que um jovem guarda
para gastar com a namorada num motel
sem ar-condicionado e com vista aos corredores.

Eu me importo com as pessoas
que vivem sem explicação.



in: Livro de Visitas / 2005




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