o choro do bebê
1
o
choro do bebê
irrompe
de repente
o
choro do bebê
rasga
a madrugada
o
choro do bebê
despedaça
o sono & o sonho
o
choro do bebê
interrompe
o beijo de paixão
&
afasta o peso dos olhos
&
solidifica a insônia
&
impede a leitura de Hamlet
&
naufraga o barco bêbado
&
ressoa o sino da divisão
&
assusta o herói Tom Sawyer
&
gira a ciranda de pedra
&
abriga o pranto das prisões
&
reflete a paisagem na janela
&
repõe os pingos nos is
&
contempla os lírios do campo
&
recolhe os girassóis de Van Gogh
&
atrasa o brilho da aurora
2
enquanto
irrompia o choro
uma
mulher gemia
uma
mãe gritava
um
meteorito descia
a
mãe ao lado sangrava
enquanto
subia o choro
uma
melodia assobiada
uma
marcha engatada
um
carro derrapava
uma
fronteira avançada
enquanto
agonia o choro
um
policial ergue o apito
uma
militante detona
uma
puta seduzia
um
ladrão invadia
enquanto
ouvia o choro
a
mãe ao lado suava
o
médico vigia
a
enfermeira lavava
a
mãe da mãe silencia
enquanto
ondula o choro
o
homem gozava
o
pop star gemia
a
doméstica dormia
o
patrão lucrava
enquanto
soluça o choro
um
povo declara a paz
outro
povo faz a guerra
um
povo vende as armas
um
povo recolhe os corpos
3
enquanto
ecoa o choro
a
mão que escreve se suspende
&
o olho que se fechava se abre
inclemente
&
a buzina que perfura se
avoluma
&
o braço que descia interrompe
o
golpe
&
o discurso que feria se engole
em
soluços
&
a cena de teatro se congela
indiferente
&
o drama cotidiano é oculto
por
cortinas
&
a mão que se estende é
satisfeita
&
o ápice do ódio se
racionaliza
&
o espetar do desejo é
aprofundado
&
o calor sob o edredom é
abafado
&
a dor dos sentidos se
anestesia
&
o pulsar de gozo se deixa
em
risos
&
a música chega ao fim
por
enquanto
19abr13
Leonardo
de Magalhaens
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