segunda-feira, 22 de abril de 2013

o choro do bebê

 


o choro do bebê


1


o choro do bebê
irrompe de repente
o choro do bebê
rasga a madrugada
o choro do bebê
despedaça o sono & o sonho
o choro do bebê
interrompe o beijo de paixão
& afasta o peso dos olhos
& solidifica a insônia
& impede a leitura de Hamlet
& naufraga o barco bêbado
& ressoa o sino da divisão
& assusta o herói Tom Sawyer
& gira a ciranda de pedra
& abriga o pranto das prisões
& reflete a paisagem na janela
& repõe os pingos nos is
& contempla os lírios do campo
& recolhe os girassóis de Van Gogh
& atrasa o brilho da aurora


2

enquanto irrompia o choro
uma mulher gemia
uma mãe gritava
um meteorito descia
a mãe ao lado sangrava
enquanto subia o choro
uma melodia assobiada
uma marcha engatada
um carro derrapava
uma fronteira avançada
enquanto agonia o choro
um policial ergue o apito
uma militante detona
uma puta seduzia
um ladrão invadia
enquanto ouvia o choro
a mãe ao lado suava
o médico vigia
a enfermeira lavava
a mãe da mãe silencia
enquanto ondula o choro
o homem gozava
o pop star gemia
a doméstica dormia
o patrão lucrava
enquanto soluça o choro
um povo declara a paz
outro povo faz a guerra
um povo vende as armas
um povo recolhe os corpos



3


enquanto ecoa o choro
a mão que escreve se suspende
& o olho que se fechava se abre
inclemente
& a buzina que perfura se
avoluma
& o braço que descia interrompe
o golpe
& o discurso que feria se engole
em soluços
& a cena de teatro se congela
indiferente
& o drama cotidiano é oculto
por cortinas
& a mão que se estende é
satisfeita
& o ápice do ódio se
racionaliza
& o espetar do desejo é
aprofundado
& o calor sob o edredom é
abafado
& a dor dos sentidos se
anestesia
& o pulsar de gozo se deixa
em risos
& a música chega ao fim
por enquanto


19abr13

Leonardo de Magalhaens



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