terça-feira, 16 de abril de 2013

2 poemas de Cláudio Murilo







Cláudio Murilo


ODE À LOUCURA

O transatlântico do Capitalismo desce pela 5 th Ave.
Repleto de esquizofrenia.
Quem não pode ser branco,
                             manager
                             executivo
bancário ou banqueiro
vendedor, empregado de Trustees and Co.
Vem pulando e gritando
                          nesta Barca dos Loucos
que desliza mansamente pelo asfalto,
como um carro alegórico.
Das 138th à 8th street afluem os passageiros,
felizes e sujos, com os olhos esgazeados pela droga,
conversando ou discutindo com seus anjos interiores.
Quem não tem 75 cents pra pegar o subway ou o bus
ou não quer gastar dinheiro em táxi
goza da alternativa da Barca,
cuja infinita capacidade
é louvada no Guia Turístico: 7.5000 loucos
são transportados por horas pelas calçadas de NY,
e muitos, extenuados com a viagem,
se esticam no tombadilho das praças.
O ar de Manhattan penetra no cérebro de seus habitantes
apodrecendo glóbulos vermelhos e enzimas.
Os loucos viajam envoltos em suas carapaças,
solitários e aéreos, por roteiros particulares.
Falam, cantam, gesticulam,
estão sós na multidão.
Ninguém deve ter medo do louco de NY,
ele não ataca, nem mesmo se dirige ao transeunte,
ele segue à deriva por ruas e avenidas
e desemboca, sereno, no rio Hudson.


...


SUBWAY


Durante 3 dias e 3 noites viajei em tuas tripas NY,
reino onde o sol jamais se levanta,
imundo inferno ambulante,
museu sem arte da loucura moderna,
painéis semoventes da violência,
sprays, sprays, sprays, sprays,
já vem o trem, já cai o trem, já
vem o trem carregado de droga,
                   carregado de
sexo
                   carregado de
ódio
                   carregado de
negros.


Subway, caminho por baixo da pele,
                borborigmo,
     diarreia.
Ali viaja a merda diária,
todos os dejetos – o moço,
a porra, o lixo, cocô, o cuspe,
o mijo, o plasma, o magma,
a alma,
            em direção aos 4 pontos cardiais.

Durante muitos séculos
correrás impunemente sobre teus trilhos,
                                       subway,
até o dua da Parada Final,
quando os que pedem por justiça
serão chamados como testemunhas.
Neste dia,
aqueles que foram estuprados em teus vagões
                            serão ressuscitados
os que foram roubados
                            serão indenizados
os drogados
                    chegarão escoltados por anjos
os suicidas
                     receberão o perdão
os desempregados, as putas, os maquinistas,
os veados, os turistas, os crioulos
entrarão pela última vez em
                  teus carros
subway submundo.
Pela última vez receberás
                 os teus usuários
que entrarão dentro de ti
entoando hinos de vitória,
dando glória ao Senhor por esta derradeira viagem,
que terá fim em Time Square
                      Aleluia
onde serás finalmente julgado por todos os
crimes perpetrados em teus vagões
                      Aleluia
por todos os vícios
                      Aleluia
pela violência
                     Aleluia
e por todo o mal que abrigaste em ti
                    Aleluia Aleluia.
Serás julgado e condenado
a que te esvaziem inteiramente.
E será desligada a chave elétrica geral
e tapadas com cimento tuas bocas de hálito pestilento.
Ficarás sós,
no escuro dos túneis e das estações,
entregue às ratazanas e ao remorso,
entregue, enfim, a ti mesmo,
sucata
           eterna.




in: O poeta versus Maniqueu [1984]


na antologia: LYRA, Pedro. A Poesia da Geração 60. RJ, 1995.




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