quinta-feira, 25 de abril de 2013

3 poemas de Reynaldo Valinho Alvarez




REYNALDO VALINHO ALVAREZ



PROUST BEBE HIDROLITOL NUM BOSQUE DA LAPA

ninguém vende hidrolitol em quiosques inexistentes
estão dispersos os bebedores de vermute genebra underberg

o bonde-pipa não lavará o vômito das calçadas em jatos controláveis
não há bêbados cantando nem trilhos para lubrificar
nem muito menos a paciência dos limpa-trilhos

estou emporcalhado de gritos ruídos e cansaços
apunhalado com o câncer em ruas esburacadas

estrelas de falácias explodem no ar mendacidades
estou roído de trenos e cantos fúnebres
falam-me de penegíricos e empurram-me palinódias
não ouso celebrar meu próprio epitalâmio
estou entre lama e lâmina de alvas cãs alvacansado
pálido débil lábil emoliente
entre os delírios nervosos dos anúncios luminosos que o prefeito mandou apagar
e já não brilham na noite rouca da laringe de sílvio caldas

de repente me lembro na orla de fortaleza comendo lagosta grelhada
e sinto o sabor proustiano da estrelada noite da lapa





O BOM MENINO BEM COMPORTADO
NA CORTE DOS TECNOCRATAS


às quinze horas
não mais que às três em ponto desta tarde
estarei fechado entre quatro paredes
ouvirei engenheirês e economês
explicarão que é comigo o português
beberei café
aspirarei a fumaça do cigarro alheio
encherei os pulmões de ar viciado
estragarei o cérebro com palavrório
sentirei sono tédio vontade de ir embora
mas ganharei meu pão muito calado
não prejudicarei ninguém
não serei indelicado
tudo farei pelos melhores resultados
minha família pode ficar em paz
porque me mostrarei um bom menino

enquanto isso
às três em ponto desta tarde
há mulheres enroscadas nos amantes
há secreções em mistura
vaginas casam-se com pênis
há jatos de espermas contra diafragmas
há sêmen contido em camisas de vênus
há corpos que se contraem e relaxam
há um sujeito solitário tomando chope escuro e comendo salada de batata
no bar luís

às três em ponto da tarde
não envergonharei minha família

às três em ponto da tarde
haverá uma pedra incorruptível no meu peito





A MORTE ANTECIPADA


engenho novo engenho velho engenho de dentro engenho da rainha
uma sucessão de engenhos pontilhando os caminhos de outrora e presente
os caminhos do futuro abertos em galerias subterrâneas túneis viadutos
a ponte descomunal sobre a baía poluída onde os botos ainda brincam de ir e vir

a estrada real de santa cruz dividida subdividida retalhada em nomes e nomes ao gosto
                                                                                                          da terra
os botequins transformando-se em lanchonetes
os restaurantes virando churrasquetos galetos e balcões com tamboretes
as casas de pasto de alvas toalhas repletas de vitualhas desaparecendo em pensões as-
                                                                                                      sobradadas

o alto leblon contempla da encosta do dois irmãos o baixo leblon intoxicado biritado
                                                                                                        badalado
a zona norte invade regularmente a zona sul aos sábados e domingos
estamos todos de acordo no desacordo
crianças cachorros futebolistas frescobolistas policiais e guarda-vidas
os ares rebentam aos gritos de limãozinho mate mineral brahma e coca
e há coca fumo bolinha mandrix correndo solto pelas areias
de tarde há maracanã latas de urina atiradas nas cabeças
o povo se diverte e a violência é um barato
vamos curtir telenovela telejornal teledocumentário
é realmente fantástico/fantasticamente real
todos os bancos boutiques botequins já foram assaltados várias vezes
os restaurantes da lagoa servem tresoitões quarenta e cinco metralhadoras de sobreme-
                                                                                                                   sa
estamos todos perdidos e mal pagos mas a vida continua
esta longa travessia que é a morte antecipada




In: O Sol nas Entranhas / 1982


in: LYRA, Pedro. A Poesia da Geração 60 . 1995.



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