REYNALDO
VALINHO ALVAREZ
PROUST
BEBE HIDROLITOL NUM BOSQUE DA LAPA
ninguém
vende hidrolitol em quiosques inexistentes
estão
dispersos os bebedores de vermute genebra underberg
o
bonde-pipa não lavará o vômito das calçadas em jatos controláveis
não
há bêbados cantando nem trilhos para lubrificar
nem
muito menos a paciência dos limpa-trilhos
estou
emporcalhado de gritos ruídos e cansaços
apunhalado
com o câncer em ruas esburacadas
estrelas
de falácias explodem no ar mendacidades
estou
roído de trenos e cantos fúnebres
falam-me
de penegíricos e empurram-me palinódias
não
ouso celebrar meu próprio epitalâmio
estou
entre lama e lâmina de alvas cãs alvacansado
pálido
débil lábil emoliente
entre
os delírios nervosos dos anúncios luminosos que o prefeito mandou
apagar
e
já não brilham na noite rouca da laringe de sílvio caldas
de
repente me lembro na orla de fortaleza comendo lagosta grelhada
e
sinto o sabor proustiano da estrelada noite da lapa
O
BOM MENINO BEM COMPORTADO
NA
CORTE DOS TECNOCRATAS
às
quinze horas
não
mais que às três em ponto desta tarde
estarei
fechado entre quatro paredes
ouvirei
engenheirês e economês
explicarão
que é comigo o português
beberei
café
aspirarei
a fumaça do cigarro alheio
encherei
os pulmões de ar viciado
estragarei
o cérebro com palavrório
sentirei
sono tédio vontade de ir embora
mas
ganharei meu pão muito calado
não
prejudicarei ninguém
não
serei indelicado
tudo
farei pelos melhores resultados
minha
família pode ficar em paz
porque
me mostrarei um bom menino
enquanto
isso
às
três em ponto desta tarde
há
mulheres enroscadas nos amantes
há
secreções em mistura
vaginas
casam-se com pênis
há
jatos de espermas contra diafragmas
há
sêmen contido em camisas de vênus
há
corpos que se contraem e relaxam
há
um sujeito solitário tomando chope escuro e comendo salada de batata
no
bar luís
às
três em ponto da tarde
não
envergonharei minha família
às
três em ponto da tarde
haverá
uma pedra incorruptível no meu peito
A
MORTE ANTECIPADA
engenho
novo engenho velho engenho de dentro engenho da rainha
uma
sucessão de engenhos pontilhando os caminhos de outrora e presente
os
caminhos do futuro abertos em galerias subterrâneas túneis viadutos
a
ponte descomunal sobre a baía poluída onde os botos ainda brincam
de ir e vir
a
estrada real de santa cruz dividida subdividida retalhada em nomes e
nomes ao gosto
da
terra
os
botequins transformando-se em lanchonetes
os
restaurantes virando churrasquetos galetos e balcões com tamboretes
as
casas de pasto de alvas toalhas repletas de vitualhas desaparecendo
em pensões as-
sobradadas
o
alto leblon contempla da encosta do dois irmãos o baixo leblon
intoxicado biritado
badalado
a
zona norte invade regularmente a zona sul aos sábados e domingos
estamos
todos de acordo no desacordo
crianças
cachorros futebolistas frescobolistas policiais e guarda-vidas
os
ares rebentam aos gritos de limãozinho mate mineral brahma e coca
e
há coca fumo bolinha mandrix correndo solto pelas areias
de
tarde há maracanã latas de urina atiradas nas cabeças
o
povo se diverte e a violência é um barato
vamos
curtir telenovela telejornal teledocumentário
é
realmente fantástico/fantasticamente real
todos
os bancos boutiques botequins já foram assaltados várias vezes
os
restaurantes da lagoa servem tresoitões quarenta e cinco
metralhadoras de sobreme-
sa
estamos
todos perdidos e mal pagos mas a vida continua
esta
longa travessia que é a morte antecipada
In:
O Sol nas Entranhas / 1982
in:
LYRA, Pedro. A Poesia da Geração 60 . 1995.
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