Jack
Kerouac
trechos
de
“Os
Subterrâneos”
(The
Subterraneans,
1958)
trad.
de
Paulo
Henriques
Britto
Porto
Alegre,
L&PM
Pocket,
2006
[Kerouac
descreve
Charlie
'Bird'
Parker]
“(...)
voltando
ao
Red
Drum
para
ouvir
o
resto
do
show,
ouvir
Bird,
que
eu
já
tinha
percebido
tinha
sacado
Mardou
várias
vezes
e
a
mim
também
olhando
bem
no
meu
olho
para
ver
se
eu
realmente
era
o
grande
escritor
que
eu
achava
que
era
como
se
ele
conhecesse
meus
pensamentos
e
ambições
ou
se
lembrasse
de
mim
de
outras
boates
e
outras
paragens,
outras
Chicagos
– não
um
olhar
de
desafio
mas
o
rei
e
fundador
da
geração
bop
no
mínimo
o
som
dela
curtindo
a
plateia
curtindo
os
olhos
dele,
os
olhos
secretos
sacando,
enquanto
ele
só
apertava
os
lábios
e
soltava
aqueles
grandes
pulmões
e
dedos
imortais,
os
olhos
separados
e
interessados
e
humanos,
o
mais
bondoso
músico
de
jazz
que
podia
existir
e
portanto
naturalmente
o
maior
-
“ (pp.
24-25)
“(...)
depois
o
beco
propriamente
dito,
a
primeira
vez
que
eu
o
vi
(a
sua
longa
história
e
imensidão
na
minha
alma,
como
em
1951
eu
andava
com
caderno
de
desenho
numa
tarde
louca
de
outubro
quando
eu
estava
descobrindo
finalmente
minha
própria
alma
de
escritor
vi
o
subterrâneo
Victor
que
uma
vez
foi
até
Big
Sur
de
moto,
diziam
que
tinha
ido
até
o
Alasca
também
de
moto,
com
uma
menininha
subterrânea
Dorie
Kiehl,
lá
estava
ele
com
o
grande
casacão
de
jesus
andando
para
o
norte
em
direção
à
Heavenly
Lane
para
o
apartamento
dele
e
eu
o
segui
por
um
pedaço,
pensando
na
Heavenly
Lane
e
todas
as
longas
conversas
que
eu
tinha
há
anos
com
pessoas
como
Mac
Jones
a
respeito
do
mistério,
o
silêncio
dos
subterrâneos,
'Thoreaus
urbanos'
é
como
Mac
os
chamava,
como
Alfred
Kazin
numa
aula
que
ele
deu
na
New
School
de
Nova
York
comentando
que
todos
os
estudantes
se
interessavam
em
Whitman
do
ponto
de
vista
da
revolução
sexual
e
em
Thoreau
do
ponto
de
vista
contemplativo
místico
e
antimaterialista
como
se
existencialista
ou
sei
lá
que
ponto
de
vista,
o
lado
bobão
e
maravilhoso,
o
lado
Pierre
de
Melville
da
coisa,
os
vestidos
escuros
beat
de
aniagem,
as
histórias
de
grandes
saxofonistas
tomando
pico
ao
lado
de
janelas
quebradas
e
tirando
um
solo,
de
grandes
jovens
poetas
loucos
em
obscuridades
sagradas
do
gênero
Rouault,
a
Heavenly
Lane
a
famosa
Heavenly
Lane
onde
todos
os
subterrâneos
beat
uma
vez
ou
outra
haviam
morado,
como
Alfred
e
a
mulherzinha
doente
dele
que
pareciam
um
lance
dos
cortiços
de
São
Petersburgo
de
Dostoiévski
mas
na
verdade
era
o
idealista
barbudo
americano
perdido
– a
coisa
toda)”
(pp.
25-26)
...
volteios na noite urbana
“(...)
e
nas
noites
de
sábado
os
bares
doidos
de
negros
cheios
de
putas
e
os
mexicanos
berrando
nos
botecos
deles
e
o
carro
de
polícia
descendo
devagar
a
avenida
longa
e
triste
cheia
de
bêbados
e
o
brilho
de
garrafas
quebradas
(agora
na
casa
de
madeira
onde
ela
foi
criada
no
terror
Mardou
de
cócoras
encostada
na
parede
olhando
para
os
fios
na
penumbra
e
ela
ouve
a
própria
voz
falando
e
não
entende
por
que
está
falando
aquilo
só
sabe
que
é
preciso
falar,
botar
para
fora,
porque
antes
naquele
dia
quando
em
suas
perambulações
ela
finalmente
chegou
à
Third
Street
entre
as
filas
de
bêbados
cambaleantes
e
os
índios
completamente
de
porre
com
curativos
caindo
nos
becos
e
o
cinema
poeira
com
programa
triplo
e
as
criancinhas
dos
hotéis
vagabundos
correndo
na
calçada
e
as
lojas
de
penhores
e
os
botequins
de
negros
com
vitrolas
e
ela
parada
no
sol
sonolento
de
repente
ouvindo
bop
como
se
pela
primeira
vez,
a
intenção
dos
músicos
e
os
metais
e
instrumentos
de
repente
uma
unidade
mística
se
exprimindo
em
ondas
sinistras
e
de
novo
eletricidade
porém
gritando
cheia
de
vida
palpável
a
palavra
direta
vinda
da
vibração,
as
trocas
de
afirmações,
os
níveis
de
insinuações
sinuosas,
o
sorriso
sonoro,
(…)
(p.
49)
“O
dia
cinzento,
a
lâmpada
vermelha
acesa,
eu
nunca
tinha
ouvido
uma
história
assim
de
alguém
como
ela
só
dos
grandes
homens
que
eu
conheci
na
juventude,
grandes
heróis
americanos
que
eram
amigos
meus,
com
quem
eu
me
meti
em
aventuras
e
fui
parar
na
cadeia
e
conheci
em
manhãs
esfarrapadas,
os
garotos
batiam
no
meio-fio
vendo
símbolos
na
sarjeta
transbordante,
os
Rimbauds
e
Verlaines
da
América
em
Times
Square,
garotos
–nenhuma
menina
jamais
me
havia
comovido
com
uma
história
de
sofrimento
espiritual
a
alma
dela
transparecendo
tão
lindamente
radiante
como
um
anjo
perambulando
no
inferno
e
o
inferno
eram
as
mesmas
ruas
que
eu
perambulava
procurando,
procurando
alguém
como
ela
sem
nunca
imaginar
a
escuridão
e
o
mistério
e
eventualidade
de
nosso
encontro
na
eternidade,
a
imensidão
do
rosto
dela
agora
como
um
cartaz
pregado
numa
cerca
de
madeira
nos
terrenos
baldios
de
lixo
fumegantes
em
manhãs
de
sábado
sem
escola,
direto,
lindo,
louco,
na
chuva.”
(p.
51)
de
“Os
Subterrâneos”
(The
Subterraneans,
1958)
trad. de
Paulo
Henriques
Britto
Porto
Alegre,
L&PM
Pocket,
2006
Jack
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