O
OUTRO
Quando
recebeu
a
carta,
aquele
envelope
de
aspecto
formal,
o
Sr.
Antunes
tratou
logo
de
abrigar
o
papel
na
maleta,
visto
a
pressa
com
que
girava
a
chave
no
portão
e
abria
a
porta
do
carro,
com
as
rodas
dianteiras
já
caídas
na
sarjeta,
esforçado-se
para
sorrir
e
ser
simpático
ao
carteiro,
“Bom
dia,
seu
Buarque!”,
ao
lembrar
de
quase
uma
década
de
residência
e
serviços.
Só
leu
a
carta
no
escritório.
Quando
Edwiges
chegou,
logo
aprontou
o
café
e
pediu
leite
e
torradas
pelo
delivery
da
padaria.
Sempre
eficiente
a
Edwiges.
Há
quanto
tempo
em
tão
prestativo
serviço?
O
Sr.
Antunes
nem
fazia
contas,
mas
considerando-se
os
quase
dez
anos
de
advocacia,
independente,
em
“carreira
solo”,
como
dizia
em
amplo
sorriso.
Na
verdade,
o
Sr.
Antunes
se
livrara
dos
sócios,
os
sucintos
e
sisudos
Srs.
Albertini
e
Garcia
Melo,
e
da
esposa,
a
graciosa
e
ambiciosa,
Sra.
Marta
Gouveia
Tavares
de
Aguiar.
Abriu
o
envelope,
junto
com
correspondência
do
escritório,
enquanto
a
Sra.
Edwiges
servia
o
café-com-leite,
muito
de
sua
preferência.
O
texto
da
missiva
muito
o
surpreendeu,
tratando-se
de
uma
correspondência
formal
expedida
pela
Marinha,
especificamente
o
Departamento
de
Pessoal
da
Marinha,
sediada
na
bela
e
atlântica
cidade
do
Rio
de
Janeiro,
da
qual
o
Sr.
Antunes
guardava
recônditas
saudades
do
seu
tempo
de
estudante,
seu
contato
com
as
lindas
morenas
de
doce
boêmia.
O
que
dizia
o
texto?
“Através
desta
mui
agradecemos
ao
Sr.
Antunes
Anselmo
Duarte
de
Aguiar,
por
seu
interesse
e
suas
propostas
quanto
ao
funcionamento
do
nosso
quadro
de
pessoal,
no
tangente
às
reformas
trabalhistas,
tal
podemos
constar
em
seu
artigo
publicado
em
O
Globo,
de
fins
de
março,
artigo
este
muito
elogiado
pelo
Almirante
e
distribuído
aos
demais
oficiais,
que
muito
louvam
a
sapiência
e
bom-senso
do
articulista.”
E
seguia
com
formalidades.
O
que
muito
arrepiava
o
Sr.
Antunes.
Em
arrepios,
degustava
o
café-com-leite,
reclinado
em
sua
cadeira,
e
girava
a
caneta
reluzente
nos
dedos
da
mão
esquerda,
a
pensar,
sim,
profundamente
pensar.
Quando
enviara
algum
artigo
ao
jornal
O
Globo
do
Rio
de
Janeiro?
Em
fins
de
março?
Isto
é,
há
quase
dois
meses
atrás.
Mas
já
se
esquecera?
Andava
assim
com
a
memória
tão
fraca?
Era
coisa
de
procurar
um
médico,
não?
E
conferia
a
carta
e
revirava
o
envelope
e
lá
está
o
Ministério
e
lá
está
a
Marinha
e
lá
está
o
seu
nome
“Ao
Ilmo.
Sr.
Antunes
Anselmo
Duarte
de
Aguiar,
Belo
Horizonte”,
e
questões,
muitas
questões.
Desde
quando
escrevia
sobre
questões
trabalhistas
da
Marinha?
A
sua
linha
não
era
mais
patrimonial,
coisa
de
alvarás,
escrituras,
termos
de
ocupação,
ordens
de
despejos,
coisas
totalmente
civis?
Por
que
lhe
vinha
logo
agora
essa
de
escrever
sobre
assuntos
militares?
Ainda
que
só
referindo-se
à
questão
de
quadro
de
funcionários,
nada
de
táticas
e
afins,
que
disso
ele
realmente
nada
entendia,
com
sua
formação
modesta
no
serviço
militar,
e
o
que
seria?
Loucura?
E
essa
de
Rio
agora?
Não
tinha
uns
dez
anos
que
ele
abandonara
o
calçadão
e
a
baixada?
E
quando
fora
as
últimas
férias?
A
um
ano
e
meio,
não?
Ainda
com
a
megera
da
Marta!
Contorceu-se
numa
careta
e
reclinou-se,
afundou-se
na
cadeira.
Foi
a
Sra.
Edwiges
quem
o
resgatou
naquela
vertigem.
Indagava,
como
quem
não
dá
muita
importância,
“Dona
Edwiges,
escute
aqui.
Me
esclareça.
Eu
cheguei
a
enviar
algum
artigo
para
um
jornal
do
Rio,
a
saber,
o
Globo?
Que
eu
me
lembre...”,
e
a
secretária
se
voltava,
“Não
senhor
Doutor,
não
que
eu
me
lembre.
Mas
posso
consultar
os
arquivos.
O
senhor
Doutor
não
guardou
um
recorte
quando
saiu
o
jornal?”
Sim,
muito
inteligente
e
prática,
a
Sra.
Edwiges!
Claro,
o
Sr.
Antunes
é
(ou
depois
dessa,
devamos
chamar
Dr.
Antunes)
é
um
tanto
vaidoso,
e
nunca
se
preocupou
em
ocultar,
“Modéstia
é
coisa
de
vaidoso!”,
e
fazia
questão
de
guardar,
numa
pasta
específica
para
este
fim,
uma
série
de
recortes
de
artigos
que
saíam
nos
jornais
locais
e
nacionais
(não
ainda
os
internacionais,
hélas!,
mas
ele
não
tinha
tamanha
pretensão)
E
a
Sra.
Edwiges
retorna
a
dizer
nada
ter
encontrado.
Continuou
abrindo
mecanicamente
o
restante
da
correspondência,
toda
agora
com
assuntos
do
escritório,
embargos
em
obras,
prédio
com
riso
de
desabamento,
um
novo
loteamento
na
zona
sul,
a
planta
de
uma
mansão
no
Belvedere,
outras
pendências
judiciais,
e
um
bocejo.
Não
prestava
atenção.
Seu
olhar
caía
vez
ou
outra
no
formal
envelope
da
Marinha,
onde
a
secretária
do
Almirante
F.
elogiava
um
artigo
sobre.
Bem,
já
sabemos.
O
Dr.
Antunes
é
que
se
perde
em
conjecturas.
Que
é
estranho
é.
Coisa
de
nomes
parecidos?
De
repente,
um
outro
Dr.
Antunes
Anselmo
Duarte
de
Aguiar.
Por
que
não,
ora?
Mas
era
muita
coincidência!
Existia
coincidência?
E
com
o
mesmo
endereço?
Mas
e
se
procuraram
no
catálogo
telefônico
e
lá
estava
o
seu
nome
e
endereço
e
de
pronto
enviaram
a
correspondência
sem
maiores
averiguações,
como
ele
imaginava
de
praxe
em
ambientes
burocráticos.
O
Dr.
Antunes
nada
sabia
sobre
a
Marinha.
Nunca
adentrara
um
navio,
nunca
vira,
aliás,
uma
vez
só,
quando
passeara
no
porto
de
Santos,
mas
antes
de
morar
no
Rio,
quando
do
mestrado.
E
suas
preocupações
não
incluíam
navios,
antes
uma
certa,
digamos,
companhia.
Ruborizando-se,
o
Dr.
Antunes
se
esforça
para
desviar
o
pensamento
das
coxas
nuas
daquela
morena.
Volta
a
vasculhar
o
envelope,
“Ao
Ilmo
Sr.
etc
etc”
e
não
acreditava.
Igual
daquela
vez,
que
voltando
ao
Rio,
um
amigo
de
tempos
de
outrora,
jurava
ter
visto
seu
vulto
branco
e
lusitano
num
boteco
lá
pros
lado
dos
Arcos
da
Lapa.
Impressão?
Mas
insistia
que
Antunes
andava
dando
suas
escapadinhas
na
noite
boêmia.
O
que
muito
irritou
o
Dr.
Antunes,
já
a
imaginar
um
sósia,
um
irmão
gêmeo,
que
desconhecia,
coisas
assim,
de
romances
fantásticos.
O
que
fazia
ele
num
boteco
pros
lados
da
Lapa?
Estaria
acompanhado?
E
deixou-se
imaginar
a
cena
de
estar
ali
com
uma
morena
de
traseiro
farto
e
peitos
à
mostra,
ou
quase.
Ah,
fantasias!
Cuidemos
do
trabalho!
E
passava
a
leitura
do
alvará
de
um
terreno
e
da
escritura
a
tal
mansão
outrora
citada
e
deixou
assim
escoar
boa
meia
hora.
E
essa
da
Lapa?
Só
se
estivesse
morando
ainda
no
Rio!
Nas
noitadas,
época
em
que
dera
um
tempo
com
Marta.
Viviam
em
brigas.
Daí
ele
pensar
no
mestrado.
E
não
é
que
quando
se
separam
no
definitivo,
ele
tirara
um
tempo
para
aprender
noções
de
informática?
Uma
das
morenas
ele,
o
Dr.
Antunes,
conhecera
no
Orkut,
e
que
dona
Edwiges
não
o
surpreendesse
usando
o
computador
do
escritório
para
semelhantes
“inutilidades”.
Loira,
alta,
aristocrática,
ainda
que
secretária
humilde,
dona
Edwiges
nunca
o
perdoaria,
“Até
o
senhor,
Dr.
Antunes?”
e
diria
que
os
homens
realmente
não
prestam,
até
porque
estava
igualmente
separada
do
marido,
há
dois
anos,
devido
à
flagrante
traição.
Ah,
mas
o
que
isso
importa?
Sua
mente
já
delirava?
Sim,
estaria
um
boteco
da
Lapa
se
morasse
no
Rio.
Se
estivesse
no
Rio?
Sempre
o
“se”
ou
“se”,
sempre
a
dúvida!
Se
eu
estivesse
no
Rio
o
que
estria
fazendo
hoje
em
dia?
Hein?
Responda
rápido!
Certamente
trabalhando
com
o
Renan.
Sim,
o
seu
amigo
daqueles
tempos.
O
mesmo
Renan
que
lhe
apresentações
diante
do
sujeito
que
insistia
porque
insistia
que
o
honesto
Dr.
Antunes
estava
em
farras
lá
pros
lados
da
Lapa!
Isso,
certamente,
se
estivesse
vivendo
no
Rio!
E
sem
a
mulher.
E
aí
então
seria
outro!
Por
que
não
ficou
no
Rio?
Ora,
por
que?
Por
causa
do
Garcia!
Que
montou
o
escritório,
junto
com
o
Albertini.
Um
nas
causas
trabalhistas,
e
o
outro
na
administração,
assessoria
para
empresas,
as
pequenas
que
serão
grandes
negócios!
Certo,
certo.
Era
isso.
E
quando
o
abordaram
sobre
um
difícil
caso
trabalhista
e
ele
não
entendeu.
Por
que
ele?
E
não
resolvera
nada.
Entregou
para
o
Garcia.
Que
se
virasse.
Mas
o
Renan
é
que
entendia
de
trabalhistas.
Ei,
se
estivesse
com
o
Renan,
então
certamente!
Mas
o
telefone
tocou
e
parecia
um
badalar
de
sinos!
Sorte
era
a
dona
Edwiges
ter
atendido
e
resolvido.
A
cabeça
do
doutor
não
estava
para
estas
coisas,
“O
senhor
anda
muito
estressado,
seu
Antunes.”,
a
secretária
dizia,
maternal.
Mas
era
isso!
Ele,
o
doutor
Antunes,
nas
trabalhistas!
Quando?
Ora,
se
antes
tivesse
se
agarrado
ao
Renan
igual
um
mexilhão
a
sua
crosta!
E
Renan
não
tinha
trânsito
dentro
dos
Ministérios,
no
governo
estadual,
certamente?
E
encheu
a
xícara
de
café
e
desistiu
do
leite.
Tentou
lembrar-se
se
estava
acompanhado
quando
passeava
na
Lapa.
Já
começava
a
sentir-se
como
o
‘outro’
Antunes.
Mar/07
Leonardo
de
Magalhaens
http://leoleituraescrita.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário