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Crônica
A ilusão do livre-arbítrio
Livre-arbítrio em Show de Truman, Clube da Luta e Matrix
Recentemente tive a curiosidade de rever três filmes famosos dos anos 1990, que trazem os temas centrais da realidade vs ilusão e da capacidade de decisão: temos a capacidade de escolha? Em suma: temos liberdade?
Verdadeiros quebra-cabeças com personagens densas em filmes que colocam em xeque condutas humanas que parecem tão certas e evidentes, mas que ocultam os fios de controles nunca dantes imaginados.
Em resumo (e aqui contém spoilers) temos um cidadão comum de uma cidade comum que na verdade tem sua vida inteira televisionada como um espetáculo para as massas. Sua vida passa no tipo de big brother que todos acompanham menos o protagonista.
Em outro temos igualmente um cidadão comum de uma cidade comum que vive e sobrevive para consumir as novidades do mercado até que, num acidente?, seu apartamento explode e sua vida é nivelada por baixo: nem terapia ajuda mais. É uma experiência traumática e mesmo esquizofrênica.
Na distopia cibernética de um mundo, onde as máquinas e inteligências artificiais dominam, um jovem hacker descobre que não tem controle sobre sua vida pois tudo é uma mera simulação.
As rotinas e as disciplinas mantêm os protagonistas ocupados e anestesiados o suficiente para que não percebam os padrões repetitivos e as encenações até dos melhores amigos. É o discurso dos outros que mantém o castelo de cartas.
E se o jovem protagonista consumidor e consumista parar para pensar: por que trabalho e consumo? Por que vivo para acumular coisas? Por que me estresso a ponto de ter insônia?
E se o protagonista do show se recusasse a seguir os roteiros que desconhece? E se ele resolvesse ser um espontâneo e improvisador dado aos atos gratuitos?
E se o jovem hacker Neo resolvesse mesmo conhecer a Fonte da simulação e aceitasse de tornar o the One, o Escolhido? É decisão dele ou é por causa da profecia da Oráculo?
Cada ação dos protagonistas tem consequências que eles desconhecem mas têm responsabilidades que eles precisam assumir! Está profetizado mas a escolha é individual?!
O jovem no show não escolheu os amigos e familiares pois já foram escolhidos para ele por uma equipe nos bastidores. Todo seu mundo é um imenso estúdio! Tudo ordenado e organizado -- até que ele se rebela!
O mesmo com o jovem hacker que desafia o Arquiteto e a Oráculo da simulação distópica -- ele não aceita não ter escolha!
Mais realista e compreensível é o jovem consumista que não tem mais tradição nem noção de masculino, e busca virilidade na compra e ostentação-- até que surge sua sombra e contraponto: o rebelde, o anarquista, o terrorista.
Sofremos juntos com as personagens e possivelmente é um dos motivos da perenidade destas criações cinematográficas . É o que chamamos de identificação: sabemos que eles não são livres, mas, cá entre nós , quem garante que somos livres?
Neo diz que não gostaria de saber que não tem controle sobre sua própria vida, e também somos assim: somos indivíduos pensantes e modernos que queremos ter o direito de livre-escolha.
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Mas será que não somos condicionados a querermos escolher? Será que o desejo de liberdade não vem de uma programação? Como podemos decidir sem conhecer todas as variáveis e possibilidades?
O jovem pode escolher ser médico para agradar a família ou então artista para desagradar a família. Pode ser professor por vocação ou ser funcionário público por falta de opção. Sempre precisa escolher se vai casar ou ser o solteirão ou solteirona da família.
Estas escolhas trazem angústias pois não sabemos o que acontecerá no fim da linha. Melhor ter sido médico mesmo, ou melhor ser um artista do que um advogado medíocre, etc. Só depois de duas décadas você percebe: como voltar atrás?
Estes filmes marcaram uma época e uma geração e duas décadas depois ainda estamos aqui angustiados com o pobre Truman e o perturbado consumista (cujo nome não lembro, ou será Tayler?) e com o messiânico Neo: como conseguem sair do script e do labirinto e da simulação?
Também sentimos que não temos liberdade de escolha e até nossa liberdade de expressão é condicionada e limitada: para alertar sobre as redes sociais eu preciso das... redes sociais!
Verdadeiros sistemas filosóficos e religiosos estabelecem uma limitada ou mesmo inexistente liberdade. Somos condicionados por condições e situações, família e classe social, crenças e dogmas. Difícil é contrariar o estabelecido, o senso comum.
Mas se o protagonista rompe com o senso comum então vem coerção e punições. E se consegue se livrar parte para uma anomia -- ou cria novas regras, para outro sistema que vai determinar as próximas gerações!
É para evitar angústias e anomias é que as gerações e os patriarcas criaram a tradição: um caminho pavimentado de normas e gestos. Romper com a tradição é se sacrificar e cair na anomia -- até que outra lei e tradição seja ordenada.
Tanto o jovem hacker quanto o jovem consumista quanto o celebridade Truman precisam decidir se permanecem num conjunto de regras A ou se cria um conjunto B. Alguma regra e controle precisam; caso contrário vem a loucura, a esquizofrenia.
O consumista que gira em círculos: trabalhando para pagar as contas; se perdendo em dívidas que levam a mais estresse. E nem é obrigado a trabalhar: pois sua obsessão é trabalhar. O escravo realizado em ser escravo.
De modo que entre uma rotina e uma tradição, os protagonistas são levados a escolher não a liberdade -- mas entre uma rotina e uma tradição! Não há liberdade solta -- isso é niilismo. Mas sempre uma escolha que precisa ser feita -- estamos condenados a decidir. Mesmo sem saber, mesmo que seja ilusão.
Dez 25
LdeM
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