segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Sobre Sacerdotes na Revolução. Tilden Santiago. BH: Starling, 2015

 




Sobre Sacerdotes na revolução 

Os pobres, Jesus e as igrejas

Tilden José Santiago 

BH: Selo Starling, 2015



    Parte 1

    Socialismo cristão


    Para falar de socialismo em contraponto ao capitalismo precisamos antes definir o que o socialismo NÃO é. Assistencialismo não é socialismo. Sindicalismo não é socialismo. Estatismo não é socialismo.


    Socialismo não é comunismo, mas um rearranjo social que pode levar ao comunismo enquanto utopia. Igualdade entre os grupos humanos e fim da exploração do trabalho alheio.


    O comunismo atual vem da corrente marxista, o ‘materialismo dialético’, do socialismo científico, segundo o Manifesto do Partido Comunista em 1848, época de revoluções liberais na Europa e nas colônias da América. É um comunismo materialista, isto é, parte da matéria e não das ideias (que são base dos idealismos). Assim é indiferente ao transcendental, sendo adepto do ateísmo pois "a religião é o ópio do povo ".


    Como então um socialismo cristão? O modo de ver o mundo muda pois o cristão vê a realidade a partir do transcendente. O cristão é teísta e crê na fraternidade de todos os filhos e as filhas de um só Deus.


    A realidade de um socialismo ou mesmo comunismo cristão do tipo teísta é de constatação bíblica com igreja primitiva, com a comunidade de bens e a divisão da renda. Ver o Atos dos Apóstolos.


    Os primeiros cristãos seguiam o exemplo de Jesus de Nazaré que fez opção pelos pobres e deserdados. Jesus não tinha bens e pregava o desapego e a moderação. Ele dizia que o rico teria dificuldade em entrar no céu. O problema é o apego aos bens materiais.


    A Igreja Católica, quando foi oficializada três séculos depois no seio do Império Romano, assumiu propriedades e cargos públicos de modo que a opção pelos deserdados foi deslocada para os poderosos da Terra.


    Reis foram legitimados pelo poder Papal e reinos dependiam do poder dos sacerdotes, raros letrados e eruditos numa sociedade decadente e feudal. Somente séculos depois a figura de São Francisco de Assis despontou como arauto da opção pelos pobres e deserdados do mundo. Os franciscanos pregavam o desapego e a solidariedade.


    A questão da opção pelos pobres foi debatida nos séculos 13 e 14 entre as autoridades eclesiásticas como um modo de apaziguar os clamores populares por justiça social. Os senhores feudais exploravam os servos sem piedade... e com apoio do clero, também dono de terras. Muitas foram as revoltas camponesas. Ver O Nome da rosa, romance do italiano Umberto Eco. 


    Assim um socialismo cristão foi pregado antes de um ‘socialismo científico’ ateu. A mensagem de desapego faz mais sentido com a renúncia aos acúmulos de bens e a divisão igualitária da renda. Na literatura várias personagens abordam as concordâncias entre cristianismo e comunismo primitivo. Lembramos do judeu católico Leon Naphta de A Montanha Mágica, de Thomas Mann. E também do padre Nando, protagonista do romance Quarup, do brasileiro Antonio Callado.


    A opção pelos pobres, mas não só pelo assistencialismo, mas com transformação social foi resguardado na igreja católica na forma de uma Doutrina Social da Igreja, com especial destaque para a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII em 1891. O papa reagia ao avanço das ideais socialistas e comunistas e anarquistas entre as classes operárias europeias. Era preciso voltar a falar na condição dos proletários, pregar a justiça social e afastar os fiéis das lideranças políticas ateias do materialismo marxista.


    Em reação a reafirmação da doutrina social muitos setores se separaram desta 'esquerda católica' em nome de um conservadorismo contra socialistas e liberais. Para os conservadores, patrões e donos de terras, a igreja só deveria abordar assuntos transcendentes sem discutir 'políticas e ideologias '. E a igreja passou a resguardar uma minoria de poderosos contra os protestos de uma maioria de explorados. 


    Novamente as mudanças vieram das bases , com as ações de baixo clero, na Europa e na América Latina. A opção pelos pobres voltou ao discurso principalmente com a Teologia da libertação. 






    Leonardo Boff e Frei Betto são os mais lembrados quando se menciona teologia da libertação – considerada herética e ideológica pelos conservadores.  Que agora incluem os liberais. Tanto que os conservadores não liberais adotam o tradicionalismo que é antiliberal e antirevolucionario e antiiluminista. Mais do que a missa em latim os tradicionalistas querem o Ancien Régime e o governo papal. Acusam o secularismo e materialismo dos conservadores que acabam por conservar valores do mundo liberal pós Revolução Francesa.


    Os progressistas católicos são duramente atacados dentro e fora da igreja.  Não são tolerados pelos conservadores e também são desprezados pelos marxistas que não acreditam na fraternidade cristã -- só se aliam ao clamor de justiça social.


    A esquerda católica se preocupava com as condições dos trabalhadores -- tanto que colaborou ativamente para a fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980. De modo que as bases católicas foram essenciais para os diálogos e adesões. Suas pautas eram de cunho trabalhista e sindicalista. Não era somente assistencialismo. 


    Com os tempo, principalmente nos anos 2000, os setores de esquerda abraçaram pautas identitárias que nada dizem aos cristãos. A esquerda atual se preocupa mais com feminismo e casamentos de homossexuais e legalidade do aborto do que com igualdade social e racial e distribuição de renda.


    Com a mudança da pauta social para a moral, a esquerda foi acusada de ser contra a 'família tradicional ' e conspirar contra a civilização cristã ocidental. Assim o discurso conservador conseguiu abalar as bases da esquerda católica já frágil e sem novos líderes eclesiásticos.


    De outro lado o avanço das denominações de matriz evangélica, principalmente nas periferias das grandes cidades, acabou por popularizar outra teologia – a da prosperidade.  Deus abençoa os ricos e os empreendedores.  É 'a ética protestante e o espírito do capitalismo' que encontramos em obra de Max Weber (1904).


    A Teologia da Libertação foi eclipsada pela ‘teologia da prosperidade’ em vastas periferias sem esperança e poder estatal. Os pastores falam mais às classes sociais desfavorecidas do que os padres teólogos de seminários de grego e latim. A teologia da prosperidade nem é uma teologia mas um discurso de adequação das massas exploradas aos imperativos do capitalismo bárbaro e selvagem. Os trabalhadores labutam para serem os próprios patrões  – trabalhando em dobro.


    Assim a esquerda católica que foi forte há 40 anos hoje é pouco expressiva. Não tem novas lideranças e perde quadros para o partidarismo e o socialismo secular. Enquanto os novos cristãos, que passaram do catolicismo ao evangelismo pentecostal, já aderiram à lógica e à logística do sistema capitalista.


    Dizer que Jesus de Nazaré era comunista é um anacronismo mas soa como provocação.  Certamente Jesus não era comunista nem poderia ser. Sua época não o permitiria e nem seria viável.  Mas seus seguidores entenderam a opção pelos pobres como uma mensagem de não acumular bens na terra mas compartilhar fraternalmente para o bem de todos e todas.


    A mensagem cristã é mais próxima do comunismo até pelo caráter messiânico de futura chegada de uma era de fartura e justiça quando todos terão oportunidades iguais e não haverá exploradores contra explorados. Será o Reino da Justiça quando cada um terá acesso ao trabalho e à renda e acabará a carência e a fome. Será o fim da História. Socialistas -- cristãos ou ateus -- esperam com igual fé.


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Sobre Sacerdotes na revolução 

Os pobres, Jesus e as igrejas

Tilden José Santiago 

BH: Selo Starling, 2015


    Parte 2

    Em busca da fraternidade e justiça social 


    Finalmente tivemos a oportunidade de adentrar o universo do pensador e sacerdote e político Tilden José Santiago, nascido em Nova Era, região de Itabira MG, em 1940, e falecido em fevereiro de 2022, aos 81 anos. Vida intensa de pensamento e engajamento.


    Em sua época de estudante, nos anos 1950 e 1960, Tilden José tomou conhecimento das lutas sociais enquanto fazia seu seminário. Mas ainda vota nos candidatos representantes dos donos do poder. Sua jornada rumo ao socialismo cristão apenas se inicia.


    Viajando para a Europa, passa a estudar teologia em Roma, em sólida formação acadêmica.  É uma época de Concílio no Vaticano, com os papas João XXIII e Paulo VI, com forte manifestação dos movimentos eclesiais.


    Época em que Tilden José participa do Movimento da Igreja dos Pobres e resolve ser um padre proletário, um padre-operário em seu sacerdócio.  Da Europa, ele segue para o Oriente Médio, para a Palestina, a Terra Santa, onde vai trabalhar num kibutz, uma comunidade ou cooperativa, de colonos judeus de esquerda, junto aos cristãos e árabes. Havia cooperação mútua.  Ainda havia a solução de dois Estados, Israel e Palestina.


    Tilden José Santiago fez sua opção pelos pobres e deserdados do mundo assim como Jesus de Nazaré que pregava o desapego e a solidariedade. Dar de comer a quem tem fome e dar de beber a quem tem sede. Não simples assistencialismo que nada muda, mas um trabalho em conjunto em prol da justiça social.


    Mas no Brasil as forças da reação e do conservadorismo tomavam conta quando o povo exigia reformas sociais, principalmente a reforma agrária numa época de êxodo rural. O governo legítimo foi derrubado do poder por mais um golpe civil e militar chamado de Revolução de 64.


    Coerente com seus ideais de justiça social, que o aproximavam do socialismo, Tilden José virou militante. Um sacerdote militante que organiza os trabalhadores em cooperativas antes de perceber a radicalização do golpe dentro do golpe em 1968. Época em que muitos seguiram para a resistência na forma de guerrilha ou sobreviveram na clandestinidade.


    Não foi época fácil para os socialistas marxistas nem para os socialistas cristãos. Os relatos de Tilden José mostram de forma clara como os líderes das esquerdas foram sistematicamente perseguidos e eliminados. Nem corpos foram encontrados para um sepultamento digno.


    Tilden José Santiago, que adota a narrativa em 3ª pessoa com o nome de Aliocha, como foi batizado na prisão, em alusão ao marcante protagonista de Os Irmãos Karamazovi, de Fiódor Dostoiévski, presta um testemunho de militância e coerência, com suas aventuras e desventuras no sertão brasileiro ou nos kibutz da Palestina , digno representante dos anseios populares por justiça social. 


    É assim que ele chega ao contato com comunistas marxistas e com socialistas cristãos, com destaques para o PCdoB e a Teologia da Libertação. Teologia que busca progresso espiritual e social. Seus nomes mais proeminentes são os de Leonardo Boff e Frei Betto.

 

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    O engajamento resulta em prisão do militante e inesquecíveis cenas de humilhação e tortura que vitimaram tantos estudantes dos movimentos sociais e partido comunista.


    Sobrevivente, Aliocha Tilden José vai finalmente no casamento e na vida sentimental, atuando na militância do jornalismo junto aos proletários e sindicalistas, no que resultou na fundação do fundamental Partido dos Trabalhadores que chegou à Presidência em 2003 e 2007 e 2011 e 2015, e atualmente em 2023. Um partido com fortes bases sociais que atua na centro-esquerda e recebe crítica da esquerda comunista e ataques das direitas liberal e conservadora.


    Tilden José Santiago permaneceu no Partido dos Trabalhadores em sua atuação política, no partido e na função de deputado federal, até a importante função de diplomata (em Cuba, mandato de 2003 a 2006). Depois por divergências internas partidárias saiu ou 'foi saído' do Partido dos Trabalhadores em 2007.


    Continuou sua militância de esquerda em partidos socialistas tais como PSB, PSOL e PPS (atual Cidadania). Se aproximou de governos de centro-direita em tom conciliatório de bom político mineiro.


    Extensa e coerente carreira política que conciliava sacerdócio e militância, participação nos trabalhos coletivos e  pregação cristã da justiça social. Sua narrativa testemunha a busca pessoal e coletiva do ideal de um mundo sem explorados, de uma sociedade fraterna como esperavam os primeiros cristãos.


    Tilden José Aliocha Santiago nos deixou em fevereiro de 2022, aos 81 anos, num quadro pavoroso de pandemia em pleno governo de extrema-direita neoliberal de um desgoverno genocida. Tilden José Santiago foi mais uma das vítimas da Covid-19 que, no Brasil, ceifou a vida de mais de 700 mil irmãos e irmãs.



    Nov/ Dez23


Leonardo de Magalhaens 

Poeta, contista, crítico literário 

Bacharel em Letras FALE / UFMG

LdeM Literatura Agora!

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