Sobre
Sacerdotes na revolução
Os
pobres, Jesus e as igrejas
Tilden
José Santiago
BH:
Selo Starling, 2015
Parte
1
Socialismo
cristão
Para
falar de socialismo em contraponto ao capitalismo precisamos antes
definir o que o socialismo NÃO é. Assistencialismo não é
socialismo. Sindicalismo não é socialismo. Estatismo não é
socialismo.
Socialismo
não é comunismo, mas um rearranjo social que pode levar ao
comunismo enquanto utopia. Igualdade entre os grupos humanos e fim da
exploração do trabalho alheio.
O
comunismo atual vem da corrente marxista, o ‘materialismo
dialético’, do socialismo científico, segundo o Manifesto do
Partido Comunista em 1848, época de revoluções liberais na
Europa e nas colônias da América. É um comunismo materialista,
isto é, parte da matéria e não das ideias (que são base dos
idealismos). Assim é indiferente ao transcendental, sendo adepto do
ateísmo pois "a religião é o ópio do povo ".
Como
então um socialismo cristão? O modo de ver o mundo muda pois o
cristão vê a realidade a partir do transcendente. O cristão é
teísta e crê na fraternidade de todos os filhos e as filhas de um
só Deus.
A
realidade de um socialismo ou mesmo comunismo cristão do tipo teísta
é de constatação bíblica com igreja primitiva, com a comunidade
de bens e a divisão da renda. Ver o Atos dos Apóstolos.
Os
primeiros cristãos seguiam o exemplo de Jesus de Nazaré que fez
opção pelos pobres e deserdados. Jesus não tinha bens e pregava o
desapego e a moderação. Ele dizia que o rico teria dificuldade em
entrar no céu. O problema é o apego aos bens materiais.
A
Igreja Católica, quando foi oficializada três séculos depois no
seio do Império Romano, assumiu propriedades e cargos públicos de
modo que a opção pelos deserdados foi deslocada para os poderosos
da Terra.
Reis
foram legitimados pelo poder Papal e reinos dependiam do poder dos
sacerdotes, raros letrados e eruditos numa sociedade decadente e
feudal. Somente séculos depois a figura de São Francisco de Assis
despontou como arauto da opção pelos pobres e deserdados do mundo.
Os franciscanos pregavam o desapego e a solidariedade.
A
questão da opção pelos pobres foi debatida nos séculos 13 e 14
entre as autoridades eclesiásticas como um modo de apaziguar os
clamores populares por justiça social. Os senhores feudais
exploravam os servos sem piedade... e com apoio do clero, também
dono de terras. Muitas foram as revoltas camponesas. Ver O Nome da
rosa, romance do italiano Umberto Eco.
Assim
um socialismo cristão foi pregado antes de um ‘socialismo
científico’ ateu. A mensagem de desapego faz mais sentido com a
renúncia aos acúmulos de bens e a divisão igualitária da renda.
Na literatura várias personagens abordam as concordâncias entre
cristianismo e comunismo primitivo. Lembramos do judeu católico Leon
Naphta de A Montanha Mágica, de Thomas Mann. E também do
padre Nando, protagonista do romance Quarup, do brasileiro
Antonio Callado.
A
opção pelos pobres, mas não só pelo assistencialismo, mas com
transformação social foi resguardado na igreja católica na forma
de uma Doutrina Social da Igreja, com especial destaque para a
encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII em 1891. O papa
reagia ao avanço das ideais socialistas e comunistas e anarquistas
entre as classes operárias europeias. Era preciso voltar a falar na
condição dos proletários, pregar a justiça social e afastar os
fiéis das lideranças políticas ateias do materialismo marxista.
Em
reação a reafirmação da doutrina social muitos setores se
separaram desta 'esquerda católica' em nome de um conservadorismo
contra socialistas e liberais. Para os conservadores, patrões e
donos de terras, a igreja só deveria abordar assuntos transcendentes
sem discutir 'políticas e ideologias '. E a igreja passou a
resguardar uma minoria de poderosos contra os protestos de uma
maioria de explorados.
Novamente
as mudanças vieram das bases , com as ações de baixo clero, na
Europa e na América Latina. A opção pelos pobres voltou ao
discurso principalmente com a Teologia da libertação.
Leonardo
Boff e Frei Betto são os mais lembrados quando se menciona teologia
da libertação – considerada herética e ideológica pelos
conservadores. Que agora incluem os liberais. Tanto que os
conservadores não liberais adotam o tradicionalismo que é
antiliberal e antirevolucionario e antiiluminista. Mais do que a
missa em latim os tradicionalistas querem o Ancien Régime
e o governo papal. Acusam o secularismo e materialismo dos
conservadores que acabam por conservar valores do mundo liberal pós
Revolução Francesa.
Os
progressistas católicos são duramente atacados dentro e fora da
igreja. Não são tolerados pelos conservadores e também são
desprezados pelos marxistas que não acreditam na fraternidade cristã
-- só se aliam ao clamor de justiça social.
A
esquerda católica se preocupava com as condições dos trabalhadores
-- tanto que colaborou ativamente para a fundação do Partido dos
Trabalhadores em 1980. De modo que as bases católicas foram
essenciais para os diálogos e adesões. Suas pautas eram de cunho
trabalhista e sindicalista. Não era somente assistencialismo.
Com
os tempo, principalmente nos anos 2000, os setores de esquerda
abraçaram pautas identitárias que nada dizem aos cristãos. A
esquerda atual se preocupa mais com feminismo e casamentos de
homossexuais e legalidade do aborto do que com igualdade social e
racial e distribuição de renda.
Com
a mudança da pauta social para a moral, a esquerda foi acusada de
ser contra a 'família tradicional ' e conspirar contra a civilização
cristã ocidental. Assim o discurso conservador conseguiu abalar as
bases da esquerda católica já frágil e sem novos líderes
eclesiásticos.
De
outro lado o avanço das denominações de matriz evangélica,
principalmente nas periferias das grandes cidades, acabou por
popularizar outra teologia – a da prosperidade. Deus abençoa
os ricos e os empreendedores. É 'a ética protestante e o
espírito do capitalismo' que encontramos em obra de Max Weber
(1904).
A
Teologia da Libertação foi eclipsada
pela ‘teologia da prosperidade’ em vastas periferias sem
esperança e poder estatal. Os pastores falam mais às classes
sociais desfavorecidas do que os padres teólogos de seminários de
grego e latim. A teologia da prosperidade nem é uma teologia mas um
discurso de adequação das massas exploradas aos imperativos do
capitalismo bárbaro e selvagem. Os trabalhadores labutam para serem
os próprios patrões – trabalhando em dobro.
Assim
a esquerda católica que foi forte há 40 anos hoje é pouco
expressiva. Não tem novas lideranças e perde quadros para o
partidarismo e o socialismo secular. Enquanto os novos cristãos, que
passaram do catolicismo ao evangelismo pentecostal, já aderiram à
lógica e à logística do sistema capitalista.
Dizer
que Jesus de Nazaré era comunista é um anacronismo mas soa como
provocação. Certamente Jesus não era comunista nem poderia
ser. Sua época não o permitiria e nem seria viável. Mas seus
seguidores entenderam a opção pelos pobres como uma mensagem de não
acumular bens na terra mas compartilhar fraternalmente para o bem de
todos e todas.
A
mensagem cristã é mais próxima do comunismo até pelo caráter
messiânico de futura chegada de uma era de fartura e justiça quando
todos terão oportunidades iguais e não haverá exploradores contra
explorados. Será o Reino da Justiça quando cada um terá acesso ao
trabalho e à renda e acabará a carência e a fome. Será o fim da
História. Socialistas -- cristãos ou ateus -- esperam com igual fé.
.
Sobre
Sacerdotes na revolução
Os
pobres, Jesus e as igrejas
Tilden
José Santiago
BH:
Selo Starling, 2015
Parte
2
Em
busca da fraternidade e justiça social
Finalmente
tivemos a oportunidade de adentrar o universo do pensador e sacerdote
e político Tilden José Santiago, nascido em Nova Era, região de
Itabira MG, em 1940, e falecido em fevereiro de 2022, aos 81 anos.
Vida intensa de pensamento e engajamento.
Em
sua época de estudante, nos anos 1950 e 1960, Tilden José tomou
conhecimento das lutas sociais enquanto fazia seu seminário. Mas
ainda vota nos candidatos representantes dos donos do poder. Sua
jornada rumo ao socialismo cristão apenas se inicia.
Viajando
para a Europa, passa a estudar teologia em Roma, em sólida formação
acadêmica. É uma época de Concílio no Vaticano, com os
papas João XXIII e Paulo VI, com forte manifestação dos movimentos
eclesiais.
Época
em que Tilden José participa do Movimento da Igreja dos Pobres e
resolve ser um padre proletário, um padre-operário em seu
sacerdócio. Da Europa, ele segue para o Oriente Médio, para a
Palestina, a Terra Santa, onde vai trabalhar num kibutz, uma
comunidade ou cooperativa, de colonos judeus de esquerda, junto aos
cristãos e árabes. Havia cooperação mútua. Ainda havia a
solução de dois Estados, Israel e Palestina.
Tilden
José Santiago fez sua opção pelos pobres e deserdados do mundo
assim como Jesus de Nazaré que pregava o desapego e a solidariedade.
Dar de comer a quem tem fome e dar de beber a quem tem sede. Não
simples assistencialismo que nada muda, mas um trabalho em conjunto
em prol da justiça social.
Mas
no Brasil as forças da reação e do conservadorismo tomavam conta
quando o povo exigia reformas sociais, principalmente a reforma
agrária numa época de êxodo rural. O governo legítimo foi
derrubado do poder por mais um golpe civil e militar chamado de
Revolução de 64.
Coerente
com seus ideais de justiça social, que o aproximavam do socialismo,
Tilden José virou militante. Um sacerdote militante que organiza os
trabalhadores em cooperativas antes de perceber a radicalização do
golpe dentro do golpe em 1968. Época em que muitos seguiram para a
resistência na forma de guerrilha ou sobreviveram na
clandestinidade.
Não
foi época fácil para os socialistas marxistas nem para os
socialistas cristãos. Os relatos de Tilden José mostram de forma
clara como os líderes das esquerdas foram sistematicamente
perseguidos e eliminados. Nem corpos foram encontrados para um
sepultamento digno.
Tilden
José Santiago, que adota a narrativa em 3ª pessoa com o nome de
Aliocha, como foi batizado na prisão, em alusão ao marcante
protagonista de Os Irmãos Karamazovi, de Fiódor Dostoiévski,
presta um testemunho de militância e coerência, com suas aventuras
e desventuras no sertão brasileiro ou nos kibutz da Palestina
, digno representante dos anseios populares por justiça social.
É
assim que ele chega ao contato com comunistas marxistas e com
socialistas cristãos, com destaques para o PCdoB e a Teologia da
Libertação. Teologia que busca progresso espiritual e social.
Seus nomes mais proeminentes são os de Leonardo Boff e Frei Betto.
.
O
engajamento resulta em prisão do militante e inesquecíveis cenas de
humilhação e tortura que vitimaram tantos estudantes dos movimentos
sociais e partido comunista.
Sobrevivente,
Aliocha Tilden José vai finalmente no casamento e na vida
sentimental, atuando na militância do jornalismo junto aos
proletários e sindicalistas, no que resultou na fundação do
fundamental Partido dos Trabalhadores que chegou à Presidência em
2003 e 2007 e 2011 e 2015, e atualmente em 2023. Um partido com
fortes bases sociais que atua na centro-esquerda e recebe crítica da
esquerda comunista e ataques das direitas liberal e conservadora.
Tilden
José Santiago permaneceu no Partido dos Trabalhadores em sua atuação
política, no partido e na função de deputado federal, até a
importante função de diplomata (em Cuba, mandato de 2003 a 2006).
Depois por divergências internas partidárias saiu ou 'foi saído'
do Partido dos Trabalhadores em 2007.
Continuou
sua militância de esquerda em partidos socialistas tais como PSB,
PSOL e PPS (atual Cidadania). Se aproximou de governos de
centro-direita em tom conciliatório de bom político mineiro.
Extensa
e coerente carreira política que conciliava sacerdócio e
militância, participação nos trabalhos coletivos e pregação
cristã da justiça social. Sua narrativa testemunha a busca pessoal
e coletiva do ideal de um mundo sem explorados, de uma sociedade
fraterna como esperavam os primeiros cristãos.
Tilden
José Aliocha Santiago nos deixou em fevereiro de 2022, aos 81 anos,
num quadro pavoroso de pandemia em pleno governo de extrema-direita
neoliberal de um desgoverno genocida. Tilden José Santiago foi mais
uma das vítimas da Covid-19 que, no Brasil, ceifou a vida de mais de
700 mil irmãos e irmãs.
Nov/
Dez23
Leonardo
de Magalhaens
Poeta,
contista, crítico literário
Bacharel
em Letras FALE / UFMG
LdeM
Literatura Agora!
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