segunda-feira, 9 de outubro de 2023

5 sonetos by LdeM

 



                               imagem: ilustração de Escher [fonte: Internet]




5 sonetos


by LdeM




Soneto do poeta freudiano


Além de Freud, o poeta freudiano

analisa seus ásperos amores

e disseca os complexos e dores,

de sentir-se demasiado humano.


Com sua identidade à deriva,

despeja em versos íntimos temores,

numa biografia de estertores,

a manter cada mágoa sempre viva.


E conversa com os amores mortos,

no divã expondo os destinos tortos,

nas entrelinhas de cada poesia.


Olhares e momentos de prazer,

tais afetos poderá esquecer?

Ou vai direto para a terapia?



LdeM




...



Soneto do poeta sofredor


Sou o poeta em busca de auditório,

Publicando a solidão nos jornais,

Solicitando a atenção dos iguais,

Ainda que seja contraditório.


Em confissões geme impunemente,

Revelando nuances de sua vida

(Sem pudor ou censura devida)

Compartilha sua dor publicamente.


Por isso me exponho nas livrarias”,

Escreveu Drummond em sua confissão,

Sendo autor e obra sem separação,

E os poemas, toda a biografia.


Falar de si não é osso do ofício,

Apenas simplesmente um outro vício.



BH


LdeM





Soneto para os sonetistas


Confecciona em castelos de palavras

loucas arquiteturas de emoções,

nestas elaboradas construções

equilibrando sílabas e travas.


Transmite cenários e sensações,

tecendo nos quartetos e tercetos

em longos monólogos e duetos,

ao deixar a magia das seduções:


em métricas, cadências pitagóricas,

em sinfonias de quatorze versos,

ousar resumir todo um universo,


elevando em catedrais alegóricas,

em simetria para causar efeito,

todos os decassílabos perfeitos.


BH


LdeM




Quero hoje escrever um soneto rude


Quero hoje escrever um soneto rude

Também áspero e sem qualquer sabor

E que não diga nada de valor

Uma vez que ninguém mais se ilude.


Outro soneto, um daqueles duros

E que não ouse proclamar verdades

(Pois já estamos fartos de verdade!)

E que pode até parecer imaturo!


Um soneto realmente … ilegível.

Ríspido igual àquele do Drummond,

Assim totalmente fora do tom!


Uma pérola cínica, sofrível –

E sem nexo, nem retrocesso – nada!

Que só expressa uma raiva danada!



Betim



LdeM










Soneto da ilusão do eu


Eu vivo em todas as encenações

Mirando das infindas perspectivas

As tramas neste palco sempre ativas

Mudando no cenário as posições.


Eu vivo estas mil interpretações

Atuando sob falas agressivas

(Esta lábia das máscaras passivas)

Simulando confraternizações.


Eu tenho vivido mil profissões,

Sem nada entender das ocupações,

Crendo servir ao meu próprio umbigo.


Eu sou estes e aqueles nesta cena

(A cena que nada tem de pequena)

E talvez um dia eu me encontre comigo.


BH


LdeM



2023

 

 

 



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terça-feira, 3 de outubro de 2023

O sucessor de Torto Arado vem aquecer nossa literatura

 


 



Resenha


Salvar o Fogo

Romance

Itamar Vieira Junior



    O sucessor de Torto Arado vem aquecer nossa literatura


    Imagine uma obra literária densa e com diferentes pontos de vista. Uma prosa poética e telúrica que lembra o clássico Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. O drama de mulheres fortes que testemunham a condição feminina, como encontramos em Torto Arado, obra impactante do mesmo autor.


    Pense também num enredo que explora uma narrativa não-linear e não absoluta. Diferentes perspectivas para um mesmo evento e modos de interpretação de personagem para personagem, e uma voz em 3ª pessoa que preenche as lacunas. É o estilo de O Som e a Fúria, romance do autor estadunidense William Faulkner. E de obras atuais do moçambicano Mia Couto.


    É o que temos em mãos: um romance que é poético, é telúrico, é agreste, é profundo e pungente. Temos várias perspectivas para acompanhar as personagens, sejam protagonistas ou coadjuvantes. É um quebra-cabeça a ser montado pelos leitores e pelas leitoras.


    Neste Salvar o fogo, o novo romance de Itamar Vieira Junior, o microcosmo do interior da Bahia representa o mundo, assim como uma cidadezinha do interior do sul estadunidense ou uma Macondo do realismo mágico de García Márquez. Aqui a Tapera do Paraguaçu é uma aldeia junto ao rio, ‘rio grande’ em tupi-guarani, nas terras da Igreja católica, que ali administra um mosteiro.


    O drama de uma família de descendentes de indígenas e de escravos africanos é narrado segundo a perspectiva de um menino que vira seminarista, de sua suposta irmã mais velha, que lava a roupa do pessoal do mosteiro, a voz de uma das irmãs, que deixou a família décadas antes e, por fim, uma voz que acompanha o menino agora adulto e sua suposta irmã mais velha que oculta um segredo.


    O enredo é disposto em fragmentos, pois as personagens não sabem tudo sobre o mundo ao redor e nem sobre si mesmas. O menino que se chama Moisés descreve sua vida de cuidados e pouco afeto junto ao pai viúvo e sua irmã Luzia, que não se casou para cuidar do caçula da família.


    A irmã Luzia consegue uma vaga para Moisés no seminário dos padres e espera que o menino não siga uma vida de labutas na lavoura ou nas jangadas ou saveiros. O menino realmente se empolga com os estudos, mas descobre facetas ocultas do abade e, traumatizado, ele deixa o mosteiro e a aldeia e vai para a capital.


    A aldeia de Tapera se situa em terras da Igreja e gravita em torno do mosteiro assim como a aldeia em torno do Castelo na obra de Franz Kafka. Os aldeões precisam pagar aos padres e trabalhar para a subsistência. O que aconteceu no mosteiro não é denunciado.







    Na segunda parte, temos a perspectiva de Luzia e o drama do acidente (?) com o pai na lavoura. Acamado, o pai que rever os filhos. Então o jovem Moisés retorna e também a irmã Mariinha ou Maria Cabloca. É na terceira parte que conhecemos a mulher que saiu de casa com um homem afrodescendente, que se mostrou agressivo, e ela consegue voltar à terra, junto com os filhos.


    Na parte final, a voz que tudo sabe vem preenchendo as lacunas. Quem é o Moisés? É mesmo o irmão mais novo? Ou é o filho de Luzia? Entendemos então que ela sofrera uma violência sexual em sua adolescência.


    É uma história difícil de resumir. Tem muita coisa a ser dita e muito para se ler nas entrelinhas. O leitor ou a leitora que se aventure em Salvar o Fogo e se aquecer junto às chamas da literatura.


Set 23


LdeM

Literatura Agora!

Canal YouTube

 

Resenha

https://www.youtube.com/watch?v=Bd3xitIfG7o


contos de Doramar e a odisseia


https://www.youtube.com/watch?v=IY7a2ay2_DM


resenha


https://www.youtube.com/watch?v=fOY4z3XPq_8



2023

 

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