MÁRCIO
SAMPAIO
ROMANCE
DO POETA NEGRO
PRIMEIRA
VISÃO
DO
INFERNO
Abrir-se um abutre, ou
mesmo
depois de deduzir dele o
azul
ADÃO
VENTURA
(Atraídos
pelo ranger do pensamento
sete
abutres vieram assistir
na
praça
ao
encantamento do Poeta.
E
vinham sedentos, fechando o cerco,
em
lenta mas decidida empresa.
E
ao findar o tempo so poema
desciam
sobre os ombros distraídos
onde arfava
ainda
a
viva fonte
da
criação.
Sete
abutres
em estado de
graça
a sugar a
medula do poeta
impregnada
de êxtase
de
delírio
e
de cachaça).
...
NO
JARDIM
DAS
OLIVEIRAS
Eram
sete abutres empenhados em dramática peleja
disputando
mais que a carne, o cerne da medula
onde
habita a força da magia secular
de
sua arcaica raça.
Os
poemas eram sacudidos das folhas, nessa luta cruel
sem
desistências pura resistência de músculos e mente,
hábeis
à dura armadilha.
As
palavras se entre-
laçavam
como dedos de amantes,
para
não pederem a emoção
na
geometria do discurso.
Quantas
vezes o esforço do combate
anquilosara
os gestos!
Emaranhavam-se
os signos da vida
nas
ondas de rádio e tevê,
e
por fim se transformavam em risonhas
bisonhas
mensagens
(pop/ubíquas)
publicitárias.
Entre
uivos de lennons
tiques
de caetanos
falsetes
de nácar
e
sementes
grafites
de gil em giz
nos
mil muros da cidade,
nos
lençóis das camas,
sob
os panos
empastados
de
perdidos
gozos:
/ sabonetes cotonetes
odorantes a jato
o jeito o ardil
do nó desfeito /
/o dulcearomado ar
o brilho maravilha
de prata nos lábios /
/ o leite o deter-
gente a higiênica
a paz dental
e genital /
/o zodíaco afrodisíaco
o beijo
refri-
beligerante
/
todas
essas loucuras de delícias que se cantam
nas salas vaidosas das mansões,
nos jardins adamantinos dos
templos
e dos shoppings e palácios
pra exorcizar o odor dos morros
dos
sovacos
e
das ruínas.
Eram
sete abutres empunhando sabres e cutelos
(não
bastassem os bicos afiados
a
pelejarem em contínuos ataques
ao
castelo de vértebras e costelas
por
nacos mais suculentos)
lançados
sem cautela à conquista da carne
do
Poeta condenado.
Mas
a carne,
a resistir,
como
o poema,
se
recompunha num instante,
à
medida
em
que lhes subtraíam a(tre)vidamente as fibras:
-
a carne se refazia num átimo,
mais
luminosamente vermelha.
Multiplicava-se
o riso no lamento entrelaçado
e
o Poeta, embriagado de dor, inda retinha
o
segredo mais extraordinário, o diamante de sua raça
que
reverberava dentro de si mesmo,
enquanto
a morte o lapidava.
E
era essa jóia que aos abutres atraía
mais
que a carne do poema, e a cor de sua pele,
mais,
muito mais,
que o vermelho atávico de seu
gesto
a tinta da vida com que o
Poeta,
em
delírio,
entalhava e encarnava os anjos
de
seus altares.
...
O
EXÍLIO
(Porque
atraía
-ao
escrever sua poesia -
sete
abutres
dos
quais sofria
indescritível
martírio
e
agonia,
o
Poeta acabou sendo alijado
da
social companhia.
Expulso para o céu
com seus cantos de rebeldia
subiu com anjos e banda
regendo uma grande folia.
E foi sentar-se
à mesa do botequim
à esquerda de Deus Pai
entre madalenas e marias
condenado a beber
eternamente
sua parcela de fel
de merda
e
ambrosia).
em
Submissão de Narciso / Risco de Vida [BH, 2000]
mais
em
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/marcio_sampaio.html
http://www.uai.com.br/app/noticia/e-mais/2013/02/17/noticia-e-mais,140459/artista-plastico-desperta-olhar-critico-sobre-a-arte-a-vanguarda-e-o.shtml
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