JOÃO
EVANGELISTA RODRIGUES
O
QUE É MINAS
A
PALAVOURA
a
face de Minas a que ainda existe
a
que de pedra em pedra se organiza no poema
e
de assombro em assombro se ergue de soberba
e
que de sobra ainda resta por dentro da aparência
aos
olhos se oferece
de
verso em verso à contra-luz não se distingue
a
face de Minas
sua
silhueta semovente campo e divisão
seu
ventre imaginado a vastidão do sempre
sua
travestida mutilação por dentro
o
desenho o desnível o desvelamento
seu
traço cósmico
a
que do visto se multiplica em prismas e rosetas
...
as
escrituras nos baús
os
escritores nos bares
seus
repertórios de nuvens
seus
refrões e oráculos
seus
códigos e músculos
sua
retórica balofa
seus
dicionários de rusgas
seus
dinossauros de bolso
uma
promessa poética
uma
nota promissória
um
oratório barroco
outro
tanto de pau oco
um
truco de pouca prosa
um
vale seis que é pouco
um
fazendeiro arrogante
uma
divisa de arengas
...
uma
cambuia de escravos
a
casa fora de ordem
seus
escritórios dúbios
suas
refeições diárias
seus
relatórios de injúrias
suas
relíquias e atas
seus
impérios e gramáticas
suas
hierarquias e hiatos
suas
agendas de ironia
suas
pendengas de sábios
seus
cardápios caseiros
o
seu erário escuso
o
seu acervo de muros
o
peso do escapulário
seu
inventário de sombras
um
tempo mal-assombrado
seus
andarilhos oníricos
seus
andaimes e andares
seus
confrades e comparsas
seus
convivas underground
...
um
requeijão enfeitado
um
requerimento injusto
a
imposição do shopping
a
impotência da choupana
a
sinfonia de chopin
uma
sanfona de fole
uma
folia de reis
um
rei fora de moda
o
seu esquife de ouro
o
lado escuro da glória
a
esquisofrenia do lucro
o
túmulo visto de fora
os
seus convêncios de votos
os
seus devotos devoram
um
traficante na esquina
seu
tráfico de influências
um
casmento arranjado
um
terno sob medida
o
meio termo da morte
suas
comendas e glórias
seus
latifúndios e domingos
seus
domicílios de ossos
...
...
O
QUE MUDOU EM MINAS
A
ANTENA PARAVÓLICA
a
frase de Minas a que ainda se exibe
a
que de dentro e montanhosa se adensa no poente
e
de geografia em geografia de silêncio se exila
e
que de dente em dente se arrebenta por dentro
se
perde no percurso
de
túnel se perfura ou da insígnia se insurge
a
frase de Minas
seu
território adormecido mármore
sua
terceira imagem e assonâncias
sua
transversia mágica e múltipla
o
desejo a dúvida a divergência
sua
têmpera de aço
a
que de viva e provisória se pergunta ou nega
mudou
o pito o bigode
mudou
de pose o canalha
mudou
de palha o chapéu
mudou
de toque o pagode
mudou
de foco o turista
mudou
de enfoque a fornalha
mudou
de peso a montanha
mudou
de porto o encalhe
mudou
de posto o mandante
mudou
de corte o baralho
...
mudou
de banda o dobrado
o
deputado de farda
mudou
de conta bancária
mudou
de ponta de faca
mudou
de canto o canário
o
que de fato mudou
mudou
de monte o minério
mudou
de manto o vigário
mudou
de nome o alferes
mudou
de santo de altar
mudou
de dono o cavalo
mudou
de campo o mistério
mudou
a moça de honra
mudou
de onça de amigo
mudou
de Minas o olfato
a
tempestade do ouvido
mudou
o dedo de tato
mudou
de gosto e sentido
mudou
de porta o boato
mudou
de praça o partido
...
mudou
a alma dos homens
o
fac-símile da aura
o
toque da alvorada
o
vago horário do sono
mudou
de Minas a ferpa
ou
só ficou a fluência
mudou
de Minas o ornato
ou
só ficou a aparência
mudou
de Minas o orgulho
ou
só ficou a indolência
o
que de Minas se salvou
ou
só ficou a dormência
o
que de Minas se salvou
ou
só ficou a ingerência
...
mudou
de mapa e figura
os
figurões da última ceia
mudou
Silvérios e Judas
o
impropério dos justos
mudou
Dirceu ou Marílias
ou
nada disso mudou
mudou
de ilha de mar
ou
o mar se evaporou
mudou
José ou Drummond
mudou
Murilo de onde
mudou
de mundo de nome
ou
ainda anda de bonde
mudou
de Minas de plano
ou
ainda se banha na fonte
quem
se mudou de Minas
ainda
olha de longe
QUEM
SE MUDOU DE MINAS
O
ANÁTEMA ÓRFICO
a
farsa de Minas a que aqui se exorciza
a
que de credo em cruz se benze no abismo da legenda
e
de água e prata se inunda em riste a fresta da ladeira
e
que depois da queda ainda ferve neste veio de veneno
aos
loucos obedece
de
verso inverte a convulsão a impertinência dos humildes
a
farsa de Minas
sua
solicitude irreverente canto e sedição
seu
vasto e impreciso território de sentidos
sua
talvez multiplicação no ventre
o
desagravo o gráfico testamento
sua
trempe ácida
o
que vez se multifala em setas e roletas
...
um
malabarista de gravata
um
parente oportunista
um
pensador burocrata
um
estadista em estado de graça
um
esquerdista das arábias
um
pós-modernista de fraque
um
pessedista de araque
um
passadista sem pasta nenhuma
suas
constelações em ruínas
suas
conotações ruins
a
indústria de automóveis
o
automóvel clube o minas tênis
o
clube dos machos
o
crepúsculo
os
medos e mandarins
a
caixa de morcegos
o
balança-mais -não-cai
o
imóvel absurdo
a
herança do erário
o
hierogrífico público
a
patente mobilidade do vocábulo
seus
meandros e obstáculos
seu
discurso em alto relevo
seu
percurso tátil
quem
se mudou de Minas
de
si mudaria
...
Minas
não
há só vilas em Minas
há
outros códigos e cânones
outros
nomes e signos
outros
signatários e insídias
outros
assombros
há
outros hábitos e sinos
outros
sítios e álibis
outros
sons
outras
situações
outras
insônias
e
insolvências
...
Minas
são várias avarias
várias
conveniências
vários
destinos e dinastias
várias
desinências
vários
donatários
várias
conotações
muita
pedra sob os pés
no
meio do descaminho
muitos
tropeços
muitas
conjugações de interesse
muitos
vales e vozes
muitas
rezas veladas
...
muitos
pensores cívicos
muitos
pensadores míopes
muitas
penhoras crônicas
muitas
pendengas perdidas
muitos
rumores a esmo
muitos
penhascos e aterros
muito
leite e pouco dinheiro
muito
enfeite e pouco cesto
muitos
doutores fora da lei
muita
elegância pelo avesso
muita
eloquência fora de hora
poucas
metas e muitos pleonasmos
muita
política e pouco acerto
pouca
boiada e muito esterco
minas
é isto sem exagero
pouco
fogo e muito acero
muito
porco e pouco peso
muito
toucinho e pouco torresmo
muito
riso e pouco siso
muito
cinismo sob a cinza
muitas
vias de excesso
muita
ordem e pouco progresso
muita
liberdade tardia
muitas
inaugurações às pressas
muita
história pouco processo
muito
excesso na liturgia
poucos
heróis muita profecia
pouco
latim muita latomia
muitos
eleitores poucos leitores
muitas
letras poucas escriturações
muitas
garagens poucas bibliotecas
muitas
transversias e traições
muitas
estradas e extradições
muitas
estrelas e poucas constelações
muito
boato pouca comunicação
muitos
feitores e poucas benfeitorias
muita
disputa pelo voto
muita
apatia pelo povo
muita
escuta e pouca fala
pouca
empatia com o novo
muita
empáfia quando diz
quando
a plateia pede bis
muitas
frases e sentidos
muita
metáfora vazia
muita
musculatura
pouca
academia
muitas
reviravoltas
poucas
revoluções
Minas
são várias aporias
várias
verdades e veredas
novos
programas e versões
velhas
velhacarias
muito
texto pouca contestação
muitas
teses pouca consideração
muita
festa pouca alegoria
muito
governo pouca administração
muito
circo e pouco pão
pouco
afeto muita afetação
Minas
é isto
sim
e não
muita
inveja pouca invenção
muita
injúria muit mais injunção
Minas
é mais ou menos
conforme
a indecisão
Minas
é mais ou menos
conforme
seja o leilão
Minas
é mais ou menos
conforme
seja a lesão
...
...
Minas
em si mesma é única
sobre
vários prismas e entalhes
Minas
é isto
em
outras entonações
são
muitos pontos de vista
são
muitas interrogações
poucas
glórias
muitas
condecorações
muita
oratória
pouca
confraternização
muitos
oratórios
pouca
devoção
muita
gramática
muita
cautela
muita
análise sintática
muita
seda sintética
muita
retórica
pouca
realização
muita
paisagem degredada
pouca
síntese na janela
...
...
Minas
e seus escravos
Minas
e suas excomunhões
Minas
e seus alinhavos
Minas
e suas aliciações
Minas
e suas alianças
Minas
e suas alienações
Minas
e suas anuências
Minas
e suas aliterações
Minas
e suas bandas
Minas
e suas bandalheiras
Minas
e suas bandeiras
Minas
e seus bandolins
Minas
além das Gerais
Minas
aquém de si mesma
aqui
jaz minas
nos
limites dos quintais
aqui
jaz Minas
e
suas minerações
aqui
jaz Minas
e
suas indagações
...
Minas
e suas escrituras
Minas
e suas escriturações
Minas
e seus escritórios
Minas
e suas reconciliações
Minas
é onde está
estado
de pura decantação
Minas
é onde nunca esteve
nem
aqui nem lá - em desterro
Minas
mesmo é o outro lado
foge
ao alcance das mãos
Minas
mesmo o outro ladra
foge
das mãos do ladrão
a
palavra atrás da porta
a
palmeira a palmatória
a
palavra noite morta
a
nota nada promissória
a
palavra em código morse
vaga
pela praça à fora
...
há
mais do que se lê
bem
mais do que se ouvia
não
há só vilas em Minas
há
víboras à revelia
não
há só vilas em Minas
há
capital e capitanias
se
há vilas há vilas
há
muito mais à vista
se
há vilas há vícios
há
muito mais valia
...
mudar
de Minas o norte
o
rumo mesmo do vento
mudar
de Minas o marketing
o
prumo do monumento
mudar
de Minas o verbo
independente
do tempo
mudar
de Minas o verso
indiferente
ao aviso
mudar
de Minas o acesso
independente
da via
independente
do mote
do
uivo de suas matilhas
independente
das mortes
que
rondam por suas vilas
independente
das vagas
independente
dos links
independente
do porte
da
pose da hierarquia
independente
de mim
independente
de Minas
...
O
QUE É MINAS
A
PAISAGEM
O
QUE MUDOU EM MINAS
A
PARÁBOLA
QUEM
SE MUDOU DE MINAS
A
PALAVRA
POR
QUE MINAS
MUDAS
TRANSVERSIAS
em
TRANSVERSIAS / 2002