Sobre
O Amor no Terceiro Milênio [BH, Anome, 2015]
antologia
organizada por Wilmar Silva de Andrade
que
possa falar de amor
neste
mundo triste desencanto
assolado
por ódio e desamor
há
uma palavra engasgada na garganta
uma
palavra incriada
tolhida
condenada
ao silêncio
(Elizabeth
Rennó, Há um poema engasgado na garganta)
A
poesia contemporânea
Para falar de poesia
precisamos antes nos situar. Onde estamos – topologica e
temporalmente falando? O que podemos considerar poesia? Ou de
poético? O que diferencia um poema de uma máxima ou de um anúncio
publicitário? Um texto em prosa pode ser poético? Uma propaganda de
outdoor pode ser poética? Um ensaio literário pode conter
poesia? Um discurso político pode nos soar poético?
Para responder,
precisamos relembrar as características da poesia moderna. Além de
lirismo e formalismos, os críticos literários, desde Walter
Benjamin e Octavio Paz, passando por Hugo Friedrich, fazem suas
listas de marcas textuais, de tom discursivo, de performance
enunciativa que possam caracterizar o moderno (hoje, a preocupação
é o pós-moderno...) desde os poetas-malditos, os franceses
simbolistas, os essenciais Baudelaire, Mallarmé e Rimbaud. Poetas de
nova voz e novo fôlego, que souberam integrar lirismo e cotidiano,
vida e escrita.
Na poesia de fins de
século 19 até hoje encontramos elementos tais como a ironia, a
dissonância, a polifonia (com várias vozes e antinomias), a
proliferação de metapoemas (onde a poesia fala de … poesia), as
atuações iconoclastas do[a]s poetas. Vida e obra seriam
entrelaçadas, com as presenças extratextuais dos autores, com suas
biografias excêntricas (assim Sade, Byron, Shelley, Poe, Rimbaud,
Dalí, etc), tão interessantes quanto seus textos. As obras seriam
essencialmente anti-canônicas, mesmo que depois integradas em novos
cânones (até os 'malditos' assim 'sacralizados' depois, como é o
caso de Mallarmé...), que as novas gerações sempre elegem, nas
marés das vanguardas.
A ironia, em qualquer
que seja o tema, amor ou morte, sempre ironiza as ideologias, pois as
ideias da geração passada sedimentam-se na tradição, que é
o alvo predileto das vanguardas, isto é, os novos autores que
precisam se firmar, assim a negarem o velho e produzirem o novo.
Mesmo que as vanguardas, sabemos bem, saibam se nutrir das tradições.
Resgate de românticos e simbolistas mostra o quanto o ódio ao
passado é relativo. É irônico ver modernistas se voltarem para
barrocos e místicos pré-românticos, quando não a buscarem raízes
na lírica provençal.
A metalinguagem, claro,
a lembrar sempre que se trata de literatura, um esforço da condição
autoral, a voltar-se para o leitor. Se a questão é entregue ao
leitor, se o texto é 'completado' pelo[a] leitor[a], então se
constata a 'morte do autor'? Teríamos apenas um julgamento
crítico-afetivo? É bom o que o leitor decide ser bom. Nem
esteticismo, nem historicismo nem moralismo, nem ceticismo, mas
apenas o leitor co-autor. É a apoteose da 'estética da recepção'?
Mas que leitor é este?
Qual 'leitor ideal', aliás. É o leitor atento, imaginativo,
crítico? Ou aquele que quer fantasiar livremente, fugir do drama (ou
tédio) cotidiano? Quem é o leitor que nos interessa? Aquele que lê
as obras de Dostoiévski ou aquele que lê a série do Harry Potter?
Qual definirá a obra canônica? (o leitor é capaz de 'canonizar'
uma obra? Assim, a série da J. K. Rowling está no cânone
pós-moderno...)
O
que é antologia?
Por que fazer
antologias? Com quais critérios? Um recorte de época, de geração?
Amostra de estilos? Ou eixos temáticos? Ou de gênero? Ou de
espectro político? É válida uma antologia da mulher negra
socialista? Ou dos homossexuais brancos da década de 1990? Faz
sentido? O que fazer para definir os limites da antologia?
Pois, aqui, temos dois
recortes: o temático e o temporal. Trata-se da temática do amor,
seja eros ou ágape,
as mil formas do amor/amar, se é possível falar sobre amor, etc, e
do 'terceiro milênio', ou seja, de nossa contemporaneidade, das
obras das últimas duas décadas. Assim, o antólogo delimitou seu
campo de leitura e ação, em seguida se disponibiliza para a
colheita de poemas e quase-poemas, prosas e discursos. Ele pretende
um recorte, uma amostragem, em suma, um panorama. Mas há
equívocos aqui.
Autores que não estão
bem representados. Temos apenas um poema de Márcio Almeida, de
Wilmar Silva, de Luiz Edmundo Alves, de Rodrigo Starling, de Olga
Valeska, de Tânia Diniz, de João Diniz, de Marcos Fabrício, etc,
poemas que não são amostras do estilo ou da estética do[a]s
poetas, que estão (qualitativamente!) acima de muitos aqui exibidos
em 3, 5, até 10 poemas! Aliás, por que alguns [algumas] poetas têm
direito a uma página e outros, 10? Não parece democrático. E não
é por qualidade (quando nos importa a aristocracia...), pois muitos
poemas são esteticamente frágeis, mesmo que dentro da temática.
Quando o antólogo
Wilmar Silva editou, em 2009, a contra-antologia PORTUGUESIA,
não houve preocupação com os autores, os nomes sequer apareciam
junto aos poemas, cujas autorias somente estavam disponíveis nas
páginas finais. Aqui os autores voltam ao topo da página, nas
sequências dos poemas (ordenados por autoria, não por cronologia),
como uma moldura para o texto (e o extratextual fica por conta
das minibiografias, com carreiras, currículos, obras e desfiles de
títulos & medalhas). Alguns autores respondem por vários
poemas, outros por apenas um.
O critério será o de
idade? Ou de status social? Ou de quantidade de títulos
honoríficos? (Aqui ganham as autoridades, os acadêmicos, os membros
correspondentes, os curadores, os premiados, os vencedores de
concursos, menções honrosas, honoris causa, honra ao
mérito, medalha da Inconfidência, etc) São critérios
extratextuais, nada dizem da estética ou do estilo. Ser acadêmico,
colecionar títulos, tal não qualifica o/a poeta – antes, pode
desqualificar.
Não que o poeta precise
ser um marginal, ou marginalizado. Pode muito bem ser um funcionário
público ou professor universitário ou profissional liberal ou
empresário de sucesso ou político profissional ou diplomata de
carreira. Não importa. Aqui vamos tratar de uma leitura estética,
sem ideologias. Nossa preocupação é mais com logopeia, fanopeia e
melopeia do que engajamento, é mais sobre elaboração do que
expressão, é mais sobre linguagem do que confessionalismos.
Logo é preciso que o
crítico, o leitor atento, tenha um critério, visto a multiplicidade
de vozes aqui. É uma selva de variedade de estilos e estéticas que
é de assombrar. Alguns com explícita qualidade, outros que apenas
reptem fórmulas textuais, como manda o bom cânone. Outros,
iconoclastas, querem destroçar o cânone.
Variedade
de estilos
Temos poetas de estilo
classicista, ou neobarrocos, os cultivadores de sonetos, os
modernistas, os concretistas, os pós-concretistas, os da
poesia-processo, aqueles dados às paródias, pastiches, colagens
(cut-ups), os poetas da Escrita, de âmbito psicanalista,
os/as autore[a]s de poemas em prosa (não confundamos com prosa
poética...), poetas que militam pela presença feminina, pela
participação das ditas minorias, que clama contra os cânones. É
uma polifonia de vozes autorais, além das polifonias internas de
cada poema / texto. Multiplicidade de leituras também possíveis –
não há dogmatismos aqui.
Ao lado de poetas que
cultivam poemas formalistas, cuidadosos sonetos, comportadas
metáforas, previsíveis imagens líricas ou oníricas, temos poetas
que desafiam até o bom senso, que não se prendem a nada, muito
menos métrica e rima. Há os modernistas da geração de 45, ou
aqueles que leem Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, assim
como os modernistas / pós-modernistas (os limites não são
claros...) que mesclam tradição e vanguarda, um conteúdo lírico
numa estrutura pós-concretista. Ao lado de poetas que nutrem uma
erudição classicista a la Alexei Bueno ou Marco Lucchesi,
tais como Antonio Miranda, Márcio Almeida e Salomão Sousa, temos
poetas que preferem o antiacademicismo, o ludismo e antilirismo da
geração mimeógrafo ou marginal, marcada pelos iconoclastas Cacaso,
Chacal e Waly Salomão, assim Alécio Cunha, João Diniz, Marcos
Fabrício, Beatriz Myrrha, Washington Assis.
Várias colagens
(cut-ups) ao estilo dadaístas, surrealistas, renovado pelos
Beats, e pelos publicitários dos anos 80... Assim o destaque
da obra de Ronaldo Werneck, poeta, tradutor, agitador cultural, de
Cataguases / MG, terra dos modernistas Ascânio Lopes e Humberto
Mauro e do surrealista Rosário Fusco, além do neo-realista Luiz
Ruffato. De fato, Werneck, desde seu clássico Selva Selvaggia,
de 1970?, apresenta seus versos dispersos pela página, a la
lance de dados de Mallarmé, com uma disposição gráfica de
colagens, referências e imagens, sempre a jogar com o leitor, que
deve reconstruir, no ato de leitura, a rede de significações.
Mais além do
poema-processo, Werneck atualiza-se, tal qual um Affonso Ávila,
modernista além dos modernistas, construindo uma poética enquanto
desconstrói um cânone. Vejamos Aço e Estilhaço, na p. 221,
entre o lírico e o áspero,
são
ásperas as veredas
do
amor pouco a pouco
despedaçado
[…]
são
ásperas
as
veredas de aço
motor
em pane
tumor
tocando
o
corpo / estilhaço
são
ásperas
e
o amor
pouco
a pouco
despedaçado
são
ásperas
e
o amor
essa
flor esquerda
subitamente
despetalada
Temos a questão da
Escrita, tópico do/as poetas-psicanalistas a se apoiarem
teoricamente em Freud, Lacan, Barthes, Blanchot, para se entregarem
às leituras de Clarice Lispector, Marguerite Duras, Nelida Piñon,
Maria Gabriela Llansol... Assim o texto da poeta e psicanalista
Renata Araujo Donato, que destaca a condição do autor enquanto
leitor de si mesmo,
A
escrita me chama. Cabe a ela dizer o que escrevo. Suas palavras
chegam a
pedir
que minhas mãos falem. Sou apenas passagem. Um corpo de passagem
numa
tentativa de representar. Sou apenas aquela que toca o papel com a
pena
e a tinta. Não sou eu, aí nem existo. Há uma solidão, um
abandono. Em
mim
somente uma barra, uma barra que me divide e possibilita a escrita.
Cabe
a mim depois de um tempo, poder ler o legado, pois não sou mais
autor
e sim leitor das letras deixadas. (Corpo de Passagem, p. 204)
Exemplo de poema em
prosa. Os 'poemas em prosa' não são confundidos com a 'prosa
poética', pois nesta temos uma prosa, um tom narrativo, mas densa
com elementos poéticos, enquanto naquela há um poema, de tom
lírico, apenas não disposto em versos. O poema em prosa
estruturou-se e ficou célebre entre os simbolistas, com Baudelaire,
Rimbaud, Mallarmé, Lautréamont, sendo, entre nós, cultivado por
Ana Cristina César, Hilda Hilst, Afonso Henriques Neto, Marco
Lucchesi, Floriano Martins, além de Noé Zayas [República
Dominicana], aqui em BH temos a Adriana Versiani, autora de Livro
de Papel [2009].
Outro exemplo de belo
poema em prosa é o texto A Tenista, de Lúcia Serra, poeta e
pesquisadora, na p. 142, onde algo é narrado, mas o que chama a
atenção é o como é narrado, a própria linguagem se deixa
em evidência, mais do que alguma mensagem,
Meus
olhos vagueiam por onde teu corpo labora. És pássaro forjando
o
arremesso.
Danças e desenhas no saibro a sanha do passo. Imagino-te peixe e
cristal
na gênese do mergulho. A curva dos seios e a linha das coxas compõem
geometria
de encanto e músculos: cantata de movimentos. Antecipo, sob o
algodão,
o sol bordando sal em tua pele desnuda. Experiencias agruras e
desfrutas
no singular do tempo um átimo sob a ótica da bola. Seu felpo e
penugem,
insígnia de gema e costuras. Não fora a raquete também feminina
e
dócil a desfechar, de tuas mãos e braços, tenaz o golpe, talvez, o
gozo se
furtasse
ao gesto. O balé pressupõe ritmo e compasso e teu peito arfa.
Inspiras
e
expiras. Depois, o ar afoito se afrouxa e teu coração acomoda-se
lasso.
Consciência
e lucidez te remetem à alegria do toque e a bola, ela própria,
faz-se
prisioneira de teu intuito. Não és tu que a prendes. É teu olhar
que se
revela
por ela apossado. A bola risca no ar o seu trajeto. Pontua, perfeita,
seu
destino
e, na paralela, fere fatal a seda vermelha da quadra. Acompanho a
manhã
de teu ofício e bebo a serenidade semeada em teus lábios.
Há vozes de gênero?
Para falar de amor (seja eros ou ágape)? Há voz
masculina ? Há voz feminina? Primeiramente, pensemos o que seria o
'masculino' aqui. Uma certa estrutura sucinta, objetiva, lacônica,
racional, irônica, até áspera? E o que seria o feminino? Mais
afetivo, subjetivo, lírico, digressivo, até passional? Assim, sem
dúvida, Hemingway, Graciliano Ramos, Henry Miller, Bukowski seriam
masculinos, enquanto Virginia Woolf, Gabriela Mistral, Clarice
Lispector, Marguerite Duras, Ana Cristina César, Maria Gabriela
Llansol seriam femininas.
As mulheres teriam mais
voz feminina e os homens, mais masculina? Muito óbvio, não? Mas o
que dizer de autores de 'voz feminina', tais como Henry James, James
Joyce, Fernando Pessoa, Marcel Proust, J. G. Noll, Herberto Helder,
Luís Miguel Nava, etc ou de autoras de 'voz masculina', tais como
Simone de Beauvoir, Gertrude Stein, Hilda Hilst, Ana Miranda, dentre
outras? A questão da voz está além do gênero, que seria
limitador. Bons autores sabem falar tanto 'masculinos' como
'femininos', assim Proust, Joyce, Thomas Mann, Guimarães Rosa,
Ginsberg, Hilst, para citar alguns/ algumas.
Algumas poetas militam
pela voz feminina, que dizem abafada no mundo masculino, até
machista. Combatem a misoginia nas artes, exaltam certos símbolos do
feminino, certas marcas do ser mulher. Assim, infelizmente, acabam
limitadas. O gênero não pode limitar o/a poeta, uma vez que a
poesia não tem sexo. A poesia tem sinceridade ou fingimento,
confissão ou elaboração, mas sexualidade não. A sexualidade está
no/a autor/a e no/a leitor/a, não no texto. Assexuado, este é uma
voz que terá receptores distintos, que vão ler a partir de seus
horizontes de expectativas.
Assim, é claro, que as
poéticas de Whitman, Lorca, Pasolini, Piva não são recomendadas
apenas para homossexuais, assim como Sylvia Plath e Ana Cristina
César não escreveram apenas para mulheres. Além de sexualidade, a
poesia tem todos os sexos, onde tudo é sexo, num reinado do
pansexualismo, quando a poesia encosta seu corpo textual a todas as
coisas. Quando lemos um poema não nos interessa se foi homem ou
mulher, hetero ou homossexual, liberal ou marxista, estas condições
extratextuais (geram o texto, mas não o explicam nem o esgotam...)
que não definem o 'como ler' a escrita. No máximo não dão um
contexto (onde? quando? quem?) que apenas emolduram o texto.
Assim são verdadeiras
gratificações quando encontramos poetas que falam além da
sexualidade, que falam para todos os sexos, que na sua fala não faz
classificações ou discriminações. Ler um poema de Whitman é
acessar uma voz atemporal, afetivamente próxima, toda sexual (sem
distinguir sexo X ou sexo Y). é um exemplo, há outros. Aqui, na
antologia, temos ótimos autores, da confissão e da elaboração,
que nos deixam belos poemas, como se escritos para nossa recepção.
Leida Reis, com Beijo
o Prisioneiro [p. 130], ou Augusto Guimaraens Cavalcanti, com
Remédio Veneno [p. 47], ou Caio Junqueira Maciel, com Poema
de Santiago [p. 58], ou Cely Vilhena, com A Esfinge [p.
73], ou Regine Limaverde, com Minas [p. 200], ou Elizabeth
Rennó, com Paradoxo [p. 113], ou Maria Lúcia Simões, com O
Início [p. 164], todos autores de belos poemas que fazem valer a
publicação desta antologia, que tanto nos deixa insatisfeitos com a
ausência de poemas de poetas significativos (que existem sim! A
poesia está mais viva do que nunca! Basta uma olhada em redes
sociais, revistas literárias, eventos culturais!), tais como Adilson
Alchuiy, Lecy Sousa, Leonardo Morais, Adriana Versiani, Rodrigo
Leste, Floriano Martins, Vinicius Magalhães, Ikaro Max, Neuza
Ladeira, Diovani Mendonça, Nelson Alexandre, Flávio Castro, dentre
tantos.
Remédio
Veneno (a melancolia do azul)
Todo
amor é bélico, requer
navalhas
e pequenos barcos selvagens
de
papel, requer que se improvise
escultura
de sua poeria, que se faça diamante
de
sua ruína
Todo
amor é bélico, manancial do Presente,
semente
de uma tatuagem mental, o amor faz
sangrar
os pássaros.
Todo
amor coleciona abismos
como
quem recolhe precipícios, como quem
acolhe
a aridez de sua chuva;
sem
os dentes não há amor possível;
suas
estruturas descem para a vida
Todo
amor é bélico, asa que paira no azar,
seu
corcel é aflito, wild horses,
de
sua cloaca humana jorra ouro, de seus
objetos
nascem pequenos deuses efêmeros.
O
amor não deixa sobreviventes.
A
Esfinge
No
mapa do meu corpo
um
olho
imerso
em círculos e pálpebras.
Meio
a secantes, tangentes
meridianos
e paralelos
rutila
justo, perfeito, sereno.
Uno,
completo, reluzente.
Atento
a limites
discorre
livre
no
seu distanciamento e forma.
Atento
a obstáculos
desliza
rotas planas e abertas
projeta-se
no infinito.
Atrai-me.
Fustiga-me.
-
O que sou
a
que vim?
-
Por que me olhas fixo
num
mapa semovente
represo
o corpo liberta a alma?
Uno,
integrado, presente
sem
arestas e sem ângulos
instiga-me.
-
Decifra-me ou devoro-te.
-
Devora-me !
Paradoxo
Como
a dos lagos
é
curta a existência
e
com eles
termina
sufocada
pelos sedimentos da vida
que
a torturam
profundos
por verticais movimentos
Ei-la
doce como um Baikal
ou
salgada como o Mar Morto oriental
Se
dores se escoam
e
preenchem aquíferos de ombro amigo
emerge
em nascentes
aflora
ao ar livre
A
superfície tranquila
em
calma vivência
possui
forças escondidas
símiles
de um rio modelador
que
escava seu canal
formando
vales e profundezas
Escoa
sobre rochas
corta
colos de meandros
gera
lagos solitários
Por
moderador secular
das
marés surge
o
agridoce de um mar dantesco.
O poema de Maria Lúcia
Simões, que descobrimos ter formação em psicanálise, além de
promotora de eventos culturais, é belo e conciso em sua forma
poética-narrativa como uma fábula, ou lenda, uma parábola, uma
página de realismo-mágico, como uma crônica de Macondo, o universo
das obras de Gabriel García Márquez, como um poema do mundo-primevo
de Manoel de Barros, onde as vidas se entrelaçam com a paisagem, o
referencial e o surreal, o prosaico e o lírico, quando o literário
re-cria o histórico,
No
princípio, as carroças vinham desgarradas, poucos cavaleiros,
com
seus cabelos vermelhos de terra.
Em
volta da grande árvore se aqueciam em fogo brando.
No
crepitar da galharia, os homens acendiam os pitos de palha,
toscos
cigarros feitos a canivete.
E
o nome foi-se enraizando: pau-de-binga.
Nas
noites escuras, as mulheres, com frio e medo,
se
encostavam em seus homens, e o povoado foi nascendo.
Os
negros chegavam trazidos pelos donos e juravam que,
durante
a chuva e a trovoada, o saci acendia no lume o seu cachimbo.
Assim
contavam os antigos.
Como o nosso objetivo
aqui é falar dos bons poemas da antologia O Amor no Terceiro
Milênio, nosso artigo é deveras breve, trata-se mais um
apanhado de nossas reflexões sobre o que é escrever poesia hoje em
dia. Pena que a antologia desperdice valiosas páginas com discursos,
textos sem eira nem beira, vazios (sim, páginas em branco!),
anúncios de consultoria ou clínica, elogios à confrades,
pseudo-artigos, pseudo-resenhas. (Às vezes, o antólogo parece
testar nossa paciência...) E tanta boa poesia deixada de lado! É de
dar insônia! Mas o que nos salva é que temos sempre gente da nossa
turma (como bem sabe o poeta-arquiteto João Diniz, em Turma,
na p. 128).
soldados
da humanidade, aposentados criativos,
empolgados
idosos economistas da distribuição,
urbanistas
da natureza, maduros adolescentes
feiticeiros
de férias e sacerdotes do convívio …
provisórios
melancólicos, anjos na multidão, fadas com caridade
musas
de analfabetos, ricos em amizades, carentes esperançosos
cônjuges
em liberdade e pacientes conquistadores …
inspirados
ociosos, ébrios de consciência, galantes não ansiosos
abastados
desprendidos, modistas sem estação, líderes generosos
fatigados
com disposição e sábios aprendizes...
… tem
de tudo na minha turma.
Leonardo
de Magalhaens
[Leonardo
Magalhães Silva / Fale -UFMG]
links
para sites de divulgação de poesia :
Germina
Literatura
Tanto
Literatura
Cronópios
Releituras
Jornal
de Poesia
Memória
Viva
Antonio
Miranda [com vários poetas]
Antonio
Cicero – Acontecimentos
Mallarmargens
As
Tormentas
A
Magia da Poesia
Poesia
Ilimitada
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