Na própria Pele
III
Diante
dele, o Cabo Bucher alisava o Canhão do Panzer, o “cuspe-fogo” de 88 mm
de seu Armamento. Era a sua única Crença. Aquela Belezura não poderia falhar.
Afinal, uma Avalanche de T34 se precipitava do Leste!
-Ei,
Handke, tem alguma Ideia do Alcance dos Canhões deles?
E
o Geógrafo se voltou com o Brilho de seus Óculos, sem Resposta. O Engenheiro é
quem ousou. -Pois devem estar atirando desde o Oder! Mas as Bombas que atingem
a Capital estão voando desde o Tronco ferroviário.
-Pensa
que eles estão aproveitando a nossa Artilharia, abandonada lá?
Ao
ouvirem a sua Voz de Sargento, todos se voltam. Era uma Ideia que todos temiam.
Não houvera Tempo de destruir os Despojos. O Engenheiro ousou novamente.
-Certamente usam os Trilhos que restam.
-Precisamos
explodir a Ponte. - soou a Voz de Handke. - Depois apontamos os Canhões e...
Fogo!
Dez
Minutos até a Ponte sobre o Rio Spree, a atravessar o Distrito de Köpenick. No
Percurso, mais Faces em Pavor. Precisavam isolar a Área. Dinamitar a Ponte. E o
Sargento Hans Kreis sabia dinamitar Pontes. Assim fizera nas Ardenas, depois em
Sedan, e quase fora designado para fazer o mesmo em Cassino e Monte Castelo.
Mas as Linhas se romperam rapidamente. Os Americanos não aliviam !
O
Cortejo rasgava a Tarde de domingo – de Silêncio atroz, só quebrado pelo
Estrondo esperado. Os Civis se mantinham entocados. O “Tiger” de 55 Ton
à frente, com o Sargento e seus Imediatos, Kempf, Handke e Bucher, depois o “Panther”
de 46 Ton com Weber, Hoffman e Berger, e em seguida, o Jipe, com o Canhão,
conduzido por Friedler. Oito Homens de sua unidade, o que sobrara de seu
Pelotão, de 40 Soldados, comandado pelo Tenente Brombert, enviado três Semanas
antes para a Defesa do Rio Oder – todos massacrados!
-Vamos
explodir a Ponte. Acene aí para o Friedler.
Logo,
a Ponte ruiu com um Estrondo. Voltaram e apontaram os Canhões e Metralhadoras.
“Russo que chegar leva Fogo!”, sorria o Engenheiro, enquanto acompanhava os
Cálculos do inabordável Handke, o mais letrado da Tropa. Não que fosse orgulhoso,
mas vivia mais consigo mesmo. Deixara Família em Potsdam. Sua Bertha e uma
Filha, cujo nome soletrava. Sempre detalhista, o Handke. Movia-se à
Preocupação. Quanto ao Kempf não sabia porque sorria. Perdera um Filho de Vinte
e três Anos no Norte da Itália.
O
Panzer de Weber parou à esquerda e girou o Canhão. A Noite ainda
demoraria. Todos às espera de Erich, com reforços. Ou pelo menos, a Munição e a
Comida. “Saudades de um bom Jantar e Vinho tinto”, sussurrara Berger ao seu
lado. Captara Ordens confusas, e mais Promessas de Tropas de Apoio. Apenas
Promessas.
-Os
“Camisas-negras” já deram o fora. Defesa? Que Defesa? Jamais vai entrar em
Ação!
-A
única Ação dos “Caveiras” é vestir logo um Pijama civil !
E
que o Berger não levasse esses Gracejos à sério! Nem que imaginasse o Sorriso
do seu Sargento quando ouvira a Fala do glorioso Ministro, “Nosso Objetivo é a
Libertação de nosso Reich e um Império de Justiça Social em um vindouro,
afortunado Futuro”, em Promessas para alimentar a Esperança do “Povo”, o que
sobrou do “Povo”. De que Futuro ousavam falar?! Aqueles Assassinos!
-Vamos
esquecer os Camundongos. Nossa Preocupação agora nem é mais os 'Lobos', mas os
'Ursos'. Antes que atravessem o Rio e o Canal.
-Quantos
Canhões, o Sargento acha que eles têm? - voltava-se o calmo Heinz Berger,
atento aos chiados do Comunicador.
-Boa
Informação a ser pesquisada, Berger. Não faço ideia. Mais de dez mil. Pela
Chuva de Chumbo.
Ao
Anoitecer, Luzes flutuavam à leste. Certamente os Bombardeiros russos, com suas
Toneladas de Dinamite. E onde os nossos Caças? Nem chegam a decolar! Estratégia
que antes nós usávamos. Atacar antes deles. Agora estamos de Asas
cortadas. Coisa que o nosso Capitão Günther já temia, o que foi fuzilado, não
importando sua Cruz de Ferro e sua Medalha de Mérito de Guerra. E o nosso
Günther que nada tinha de 'Vermelho', de 'Comuna', mas Nacionalista como devia,
sem os Misticismos e Racismos dos “Camisas-negras”, dos “Caveiras”, dos “Sieg
Heil!”. Por que os Judeus não poderiam cavar Trincheiras? Por que essa
Preocupação em eliminar os Judeus? O Capitão fizera a Requisição de Comboio
para as Tropas rumo ao Oder, mas recebera uma Notificação de Adiamento. Depois
se descobrira o motivo: Transporte de Judeus para os KZ, os Campos de
Concentração, de onde se elevava aquela Fumaça espessa, Fuligem gordurosa de
Restos humanos! Por que o Regime chegara a semelhante Quadro doentio?
-Sargento,
são Bombardeiros russos!
A
Voz do Engenheiro Kempf cortou os Pensamentos do Sargento Hans Kreis, que ergueu
os Olhos ao Crepúsculo. Corvos negros a descerem sobre uma Plantação. O
Engenheiro estendeu o Binóculo e o Sargento pode acompanhar a Queda das Bombas
e os Clarões. Ataque à nordeste. Bairros da Burguesia, das Classes médias,
Áreas verdes, a Saída da Rodovia, o Cruzamento das Ferrovias, mas qual era o
Alvo?
Segundo
o 'Homem da Comunicação' Heinz Berger, a Tropa da Unter den Linden estava em
Movimento para o Reichstag, assim tal Ataque visava as Tropas do Norte,
ao longo do Tronco ferroviário. Tropas que fugiam rumo à Pankow, Área ainda não
destruída. Mas, certamente se deixariam render nos Limites do 'Mitte'. A
Capital agonizava. E onde os Comissários, os 'Caçadores-de-Inimigos do Estado',
os 'Homens-da-Caveira'? Todos Civis agora, no meio das Multidões apavoradas que
fugiam do leste, expulsos pelos Russos e Polacos, Gente camponesa da Pomerânia,
da Silésia, do Corredor de Dantzig, sem nada além do Corpo coberto de Trapos!
-Vamos
dormir. Friedler assume o primeiro Turno, e depois, o Weber. E Alerta: Erich
pode voltar ainda à noite. Não atirem no Rapaz! Cuidado!
-Atirar
no Erich? Mas se o Moço está trazendo a nossa Janta!
E
todos riram do Espanto de Weber. Os Atiradores se posicionaram junto a Carapaça
dos Panzer. E o Sargento Hans
Kreis reclinou-se, logo a permitir-se sonhar com o seu Passeio na Île de La
Cité, no meio do Sena, fascinado pelos Vitrais da Notre Dame.
Sonhava, enquanto as Bombas caíam.
IV
Esperaram
dois Dias. Na madrugada de quarta-feira, veio o Barulho. 'Tropas vermelhas' à leste.
Faltavam ainda umas quatro horas para a Aurora, segundo o Relógio do pensativo
Alois Handke. Mas as Bombas iluminavam as Margens do Rio. E onde a Defesa
organizada pelo Tenente-General das SS? E o Exército que rastejava do Sul? Mas
os Aliados se aproximam do Elba, os Oficiais SS desaparecem meio aos
Civis, as Ordens não surgem Efeito, as Provisões que Erich conseguira só duram
mais Vinte e quatro Horas, estou cansado. Assim, o Sargento Hans Kreis se
levantou para comandar a Tropa, como fazia desde a Derrocada no Rio Oder. Com
seus Trinta Anos, o Sargento já era um Veterano. Parecia um Quarentão, com sua
Voz gasta e Gestos pensados. Suspirava pela Família, abrigada junto aos Bosques
de Grünewald. Temia pela Segurança de Selma, tão nervosa, ainda mais depois do
Golpe, vivendo ao lado de sua Cunhada, a Irmã dele, a resignada Louisie. Mas
nunca demonstrava. Quanto a Heinz Berger, ao seu lado, era a Melancolia em
Pessoa.
-Estabelecida
a Posição. Ordens para o Canhão. Ouviu, Friedler? Visibilidade e Avanço. Mira
posicionada. Atacar antes de ser atacado.
Ele
ajustou o Binóculo. Os Russos bombardeiam e avançam. Fizeram assim em Varsóvia,
em janeiro; assim em Budapest, em Fevereiro; assim conquistaram Dresden, as
Ruínas da Chuva de Bombas!, enquanto dormimos. Bombas! e deixam a Fumaça
abaixar. Tática que nós usamos! No 'Passeio' na França. Pegou os Franceses de
Calças na Mão! Depois cercamos os
Ingleses na Praia. Ah, chamam de “o Milagre de Dunkerque” ! Sorte a deles o Führer
ordenar a Pausa no Avanço. Que os Ingleses mereciam os 'Presentes' da Aviação.
Paramos para assistir: Espetáculo que durou nove Dias! Apenas deixamos os
Ingleses fugirem, para depois invadirem a Normandia! Mas, na Época, ele, Cabo
sob as ordens do Capitão Günther Spitzer, até de acordo, para que destruir os
Ingleses? Precisamos da Aliança deles, ou então da Neutralidade – que cuidem de
seu Império Britânico. Agora (isso ele dissera em 40) é o momento da Ascensão
do império Germânico!
O
“Império Germânico de Mil Anos” que desabara em uma Década! Eis ali os
Escombros e a Fumaça densa sobre a Capital. Somos os Sobreviventes! E o Führer,
onde está? Em seu Bunker nas Montanhas alpinas? Nas Ruínas da
Chancelaria? Lutamos para salvar nossa Pele, não o “Império de Mil Anos”!
-Contato
visual, Sargento. Visibilidade média. Grupo de Tanques à sudeste. Número
estimado: Vinte e cinco. Ao longo da Ferrovia. Calculo duas Horas até o que
sobrou da Ponte. - informava o Engenheiro.
-Então
temos Tempo. Erich, pode servir as Provisões.
Enquanto
isso, Hoffman e Handke vigiavam as Posições da Tropa russa. Era preciso manter
a Disciplina. Tudo o que sobrou. A Munição não duraria uma Semana, e ao
Anoitecer Weber e Erich receberiam Ordens de Requisição de Víveres – onde
houvesse 'Víveres'! O que mais preocupava era a Divisão das Tropas de Defesa, o
que restava das Tropas de Defesa. O que poderiam fazer nove Homens, com Dois
Tanques, e um Canhão, contra um Pelotão de Tanques soviéticos? Eles copiaram nossas
melhores Táticas! E até a nossa Crueldade! Com esses Canhões de 122 mm causam
Estragos, os Ivans! Mas Alguém se aproxima. Sem Farda, mas armado.
-Precisam
de Ajuda? - um Homem grisalho, Voz forte, com Fuzil e Botas militares. -Não fui
convocado. Mas estou pronto. Aceitam um Voluntário?
Aceitaram.
E outros dois se apresentam. Mais Jovens, entretanto. Não mais que quinze Anos.
Mas envelhecidos. Parentes do primeiro Voluntário, ex-Ferroviário, ferido na Grande
Guerra de 14, no Marne, o velho Patriota, mas não Racista, nem Fanático,
uma Companhia perfeita para um Entardecer de Lembranças. Os Jovens, Fritz e
Otto, Enteados dele, ajudavam a cozinhar o Jantar. Mais enlatados, claro. Carne
fresca era Raridade. Mas havia Doce de Leite, que diluíam em Água. Poderiam
beber. Direito à Sobremesa, não mereciam os Heróis?
-Vai
chover Chumbo, Sargento. Aguarde. Os Meninos aqui vão tremer um Bocado!
Dizia
eufórico, o ex-Ferroviário. Suas Mãos só sabiam desalinhar seus Cabelos. E onde
sua Mulher? Morrera num Desabamento. A Bomba arrasara Metade do Quarteirão. O
Sargento achou melhor que usassem os Capacetes que sobram, já que faltam os
Combatentes. E que dispensassem as
Continências. A Tropa ali necessitava de Munições e Comida. Ainda que a Batalha
não durasse mais de dez Dias. Derrotados, afinal ! Por que a Insanidade daquele
“Sieg Heil!”, dos “Camisas-negras”, Jovens fanáticos, logo todos seriam
enforcados, se já não estão se enforcando!
-É,
Sargento, Fumaça das grossas! Vamos tomar Banho de Dinamite!
E
falava de Olhos apertados, com Imagens trágicas, sabendo das Violências contra
as Mulheres, da Fome das Crianças, das Populações expulsas de suas Terras, o
Fim de um Sonho de Império, de Expansão para o Leste, de um “Espaço Vital para
o Povo germânico”, o outrora mais populoso da Europa, uma Limpeza que a própria
Guerra proporcionou, pois nunca antes um Governo matou mais Alemães, um Governo
a dizer-se “Protetor dos Povos germânicos”, um Führer fanático pela
Pureza racial, mas que não hesitou em mandar os mais belos e os mais jovens
para o Horror das Frentes de Batalha!
E
ali o ex-Ferroviário trazia um Entusiasmo pesaroso à Tropa. Em todo Lugar,
gritando com os Enteados, os Jovens Fritz e
Otto, ou querendo ajudar o Erich na Cozinha, ou o Friedler na Artilharia, e
até ousando incomodar o Handke na Balística. Contudo um Companheiro de
Presença, este Rainer Herzog! E se entendiam, ele e o Sargento, já contagiado
pela Melancolia de um Berger.
-Que
pisassem a França, aceitamos, mas Encrenca com os Anglos? Cutucar o Vespão dos
Ivans? Coisa de Louco!
E
sem hesitar, o assustado e eufórico Rainer Herzog, sem se preocupar com o
sombrio Heinz Berger, sozinho, a culpar todos os 'Traidores' pelo Fracasso do
Reich, a lamentar em sua Mudez, não só a Derrocada da Capital, mas o Desabar de
todo o esperado “Império de Mil Anos'.
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Leonardo de Magalhaens
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