segunda-feira, 11 de maio de 2015

NA PRÓPRIA PELE (III e IV) - conto





          Na própria Pele


             III

            Diante dele, o Cabo Bucher alisava o Canhão do Panzer, o “cuspe-fogo” de 88 mm de seu Armamento. Era a sua única Crença. Aquela Belezura não poderia falhar. Afinal, uma Avalanche de T34 se precipitava do Leste!

            -Ei, Handke, tem alguma Ideia do Alcance dos Canhões deles?

            E o Geógrafo se voltou com o Brilho de seus Óculos, sem Resposta. O Engenheiro é quem ousou. -Pois devem estar atirando desde o Oder! Mas as Bombas que atingem a Capital estão voando desde o Tronco ferroviário.

            -Pensa que eles estão aproveitando a nossa Artilharia, abandonada lá?

            Ao ouvirem a sua Voz de Sargento, todos se voltam. Era uma Ideia que todos temiam. Não houvera Tempo de destruir os Despojos. O Engenheiro ousou novamente. -Certamente usam os Trilhos que restam.

            -Precisamos explodir a Ponte. - soou a Voz de Handke. - Depois apontamos os Canhões e... Fogo!

            Dez Minutos até a Ponte sobre o Rio Spree, a atravessar o Distrito de Köpenick. No Percurso, mais Faces em Pavor. Precisavam isolar a Área. Dinamitar a Ponte. E o Sargento Hans Kreis sabia dinamitar Pontes. Assim fizera nas Ardenas, depois em Sedan, e quase fora designado para fazer o mesmo em Cassino e Monte Castelo. Mas as Linhas se romperam rapidamente. Os Americanos não aliviam !

            O Cortejo rasgava a Tarde de domingo – de Silêncio atroz, só quebrado pelo Estrondo esperado. Os Civis se mantinham entocados. O “Tiger” de 55 Ton à frente, com o Sargento e seus Imediatos, Kempf, Handke e Bucher, depois o “Panther” de 46 Ton com Weber, Hoffman e Berger, e em seguida, o Jipe, com o Canhão, conduzido por Friedler. Oito Homens de sua unidade, o que sobrara de seu Pelotão, de 40 Soldados, comandado pelo Tenente Brombert, enviado três Semanas antes para a Defesa do Rio Oder – todos massacrados!

            -Vamos explodir a Ponte. Acene aí para o Friedler.

            Logo, a Ponte ruiu com um Estrondo. Voltaram e apontaram os Canhões e Metralhadoras. “Russo que chegar leva Fogo!”, sorria o Engenheiro, enquanto acompanhava os Cálculos do inabordável Handke, o mais letrado da Tropa. Não que fosse orgulhoso, mas vivia mais consigo mesmo. Deixara Família em Potsdam. Sua Bertha e uma Filha, cujo nome soletrava. Sempre detalhista, o Handke. Movia-se à Preocupação. Quanto ao Kempf não sabia porque sorria. Perdera um Filho de Vinte e três Anos no Norte da Itália.

            O Panzer de Weber parou à esquerda e girou o Canhão. A Noite ainda demoraria. Todos às espera de Erich, com reforços. Ou pelo menos, a Munição e a Comida. “Saudades de um bom Jantar e Vinho tinto”, sussurrara Berger ao seu lado. Captara Ordens confusas, e mais Promessas de Tropas de Apoio. Apenas Promessas.

            -Os “Camisas-negras” já deram o fora. Defesa? Que Defesa? Jamais vai entrar em Ação!

            -A única Ação dos “Caveiras” é vestir logo um Pijama civil !

            E que o Berger não levasse esses Gracejos à sério! Nem que imaginasse o Sorriso do seu Sargento quando ouvira a Fala do glorioso Ministro, “Nosso Objetivo é a Libertação de nosso Reich e um Império de Justiça Social em um vindouro, afortunado Futuro”, em Promessas para alimentar a Esperança do “Povo”, o que sobrou do “Povo”. De que Futuro ousavam falar?! Aqueles Assassinos!

            -Vamos esquecer os Camundongos. Nossa Preocupação agora nem é mais os 'Lobos', mas os 'Ursos'. Antes que atravessem o Rio e o Canal.

            -Quantos Canhões, o Sargento acha que eles têm? - voltava-se o calmo Heinz Berger, atento aos chiados do Comunicador.

            -Boa Informação a ser pesquisada, Berger. Não faço ideia. Mais de dez mil. Pela Chuva de Chumbo.

            Ao Anoitecer, Luzes flutuavam à leste. Certamente os Bombardeiros russos, com suas Toneladas de Dinamite. E onde os nossos Caças? Nem chegam a decolar! Estratégia que antes nós usávamos. Atacar antes deles. Agora estamos de Asas cortadas. Coisa que o nosso Capitão Günther já temia, o que foi fuzilado, não importando sua Cruz de Ferro e sua Medalha de Mérito de Guerra. E o nosso Günther que nada tinha de 'Vermelho', de 'Comuna', mas Nacionalista como devia, sem os Misticismos e Racismos dos “Camisas-negras”, dos “Caveiras”, dos “Sieg Heil!”. Por que os Judeus não poderiam cavar Trincheiras? Por que essa Preocupação em eliminar os Judeus? O Capitão fizera a Requisição de Comboio para as Tropas rumo ao Oder, mas recebera uma Notificação de Adiamento. Depois se descobrira o motivo: Transporte de Judeus para os KZ, os Campos de Concentração, de onde se elevava aquela Fumaça espessa, Fuligem gordurosa de Restos humanos! Por que o Regime chegara a semelhante Quadro doentio?

            -Sargento, são Bombardeiros russos!

            A Voz do Engenheiro Kempf cortou os Pensamentos do Sargento Hans Kreis, que ergueu os Olhos ao Crepúsculo. Corvos negros a descerem sobre uma Plantação. O Engenheiro estendeu o Binóculo e o Sargento pode acompanhar a Queda das Bombas e os Clarões. Ataque à nordeste. Bairros da Burguesia, das Classes médias, Áreas verdes, a Saída da Rodovia, o Cruzamento das Ferrovias, mas qual era o Alvo?

            Segundo o 'Homem da Comunicação' Heinz Berger, a Tropa da Unter den Linden estava em Movimento para o Reichstag, assim tal Ataque visava as Tropas do Norte, ao longo do Tronco ferroviário. Tropas que fugiam rumo à Pankow, Área ainda não destruída. Mas, certamente se deixariam render nos Limites do 'Mitte'. A Capital agonizava. E onde os Comissários, os 'Caçadores-de-Inimigos do Estado', os 'Homens-da-Caveira'? Todos Civis agora, no meio das Multidões apavoradas que fugiam do leste, expulsos pelos Russos e Polacos, Gente camponesa da Pomerânia, da Silésia, do Corredor de Dantzig, sem nada além do Corpo coberto de Trapos!

            -Vamos dormir. Friedler assume o primeiro Turno, e depois, o Weber. E Alerta: Erich pode voltar ainda à noite. Não atirem no Rapaz! Cuidado!

            -Atirar no Erich? Mas se o Moço está trazendo a nossa Janta!

            E todos riram do Espanto de Weber. Os Atiradores se posicionaram junto a Carapaça dos Panzer.  E o Sargento Hans Kreis reclinou-se, logo a permitir-se sonhar com o seu Passeio na Île de La Cité, no meio do Sena, fascinado pelos Vitrais da Notre Dame. Sonhava, enquanto as Bombas caíam.



                IV


            Esperaram dois Dias. Na madrugada de quarta-feira, veio o Barulho. 'Tropas vermelhas' à leste. Faltavam ainda umas quatro horas para a Aurora, segundo o Relógio do pensativo Alois Handke. Mas as Bombas iluminavam as Margens do Rio. E onde a Defesa organizada pelo Tenente-General das SS? E o Exército que rastejava do Sul? Mas os Aliados se aproximam do Elba, os Oficiais SS desaparecem meio aos Civis, as Ordens não surgem Efeito, as Provisões que Erich conseguira só duram mais Vinte e quatro Horas, estou cansado. Assim, o Sargento Hans Kreis se levantou para comandar a Tropa, como fazia desde a Derrocada no Rio Oder. Com seus Trinta Anos, o Sargento já era um Veterano. Parecia um Quarentão, com sua Voz gasta e Gestos pensados. Suspirava pela Família, abrigada junto aos Bosques de Grünewald. Temia pela Segurança de Selma, tão nervosa, ainda mais depois do Golpe, vivendo ao lado de sua Cunhada, a Irmã dele, a resignada Louisie. Mas nunca demonstrava. Quanto a Heinz Berger, ao seu lado, era a Melancolia em Pessoa.

            -Estabelecida a Posição. Ordens para o Canhão. Ouviu, Friedler? Visibilidade e Avanço. Mira posicionada. Atacar antes de ser atacado.

            Ele ajustou o Binóculo. Os Russos bombardeiam e avançam. Fizeram assim em Varsóvia, em janeiro; assim em Budapest, em Fevereiro; assim conquistaram Dresden, as Ruínas da Chuva de Bombas!, enquanto dormimos. Bombas! e deixam a Fumaça abaixar. Tática que nós usamos! No 'Passeio' na França. Pegou os Franceses de Calças na Mão!  Depois cercamos os Ingleses na Praia. Ah, chamam de “o Milagre de Dunkerque” ! Sorte a deles o Führer ordenar a Pausa no Avanço. Que os Ingleses mereciam os 'Presentes' da Aviação. Paramos para assistir: Espetáculo que durou nove Dias! Apenas deixamos os Ingleses fugirem, para depois invadirem a Normandia! Mas, na Época, ele, Cabo sob as ordens do Capitão Günther Spitzer, até de acordo, para que destruir os Ingleses? Precisamos da Aliança deles, ou então da Neutralidade – que cuidem de seu Império Britânico. Agora (isso ele dissera em 40) é o momento da Ascensão do império Germânico!

            O “Império Germânico de Mil Anos” que desabara em uma Década! Eis ali os Escombros e a Fumaça densa sobre a Capital. Somos os Sobreviventes! E o Führer, onde está? Em seu Bunker nas Montanhas alpinas? Nas Ruínas da Chancelaria? Lutamos para salvar nossa Pele, não o “Império de Mil Anos”!

            -Contato visual, Sargento. Visibilidade média. Grupo de Tanques à sudeste. Número estimado: Vinte e cinco. Ao longo da Ferrovia. Calculo duas Horas até o que sobrou da Ponte. - informava o Engenheiro.

            -Então temos Tempo. Erich, pode servir as Provisões.

            Enquanto isso, Hoffman e Handke vigiavam as Posições da Tropa russa. Era preciso manter a Disciplina. Tudo o que sobrou. A Munição não duraria uma Semana, e ao Anoitecer Weber e Erich receberiam Ordens de Requisição de Víveres – onde houvesse 'Víveres'! O que mais preocupava era a Divisão das Tropas de Defesa, o que restava das Tropas de Defesa. O que poderiam fazer nove Homens, com Dois Tanques, e um Canhão, contra um Pelotão de Tanques soviéticos? Eles copiaram nossas melhores Táticas! E até a nossa Crueldade! Com esses Canhões de 122 mm causam Estragos, os Ivans! Mas Alguém se aproxima. Sem Farda, mas armado.

            -Precisam de Ajuda? - um Homem grisalho, Voz forte, com Fuzil e Botas militares. -Não fui convocado. Mas estou pronto. Aceitam um Voluntário?

            Aceitaram. E outros dois se apresentam. Mais Jovens, entretanto. Não mais que quinze Anos. Mas envelhecidos. Parentes do primeiro Voluntário, ex-Ferroviário, ferido na Grande Guerra de 14, no Marne, o velho Patriota, mas não Racista, nem Fanático, uma Companhia perfeita para um Entardecer de Lembranças. Os Jovens, Fritz e Otto, Enteados dele, ajudavam a cozinhar o Jantar. Mais enlatados, claro. Carne fresca era Raridade. Mas havia Doce de Leite, que diluíam em Água. Poderiam beber. Direito à Sobremesa, não mereciam os Heróis?

            -Vai chover Chumbo, Sargento. Aguarde. Os Meninos aqui vão tremer um Bocado!

            Dizia eufórico, o ex-Ferroviário. Suas Mãos só sabiam desalinhar seus Cabelos. E onde sua Mulher? Morrera num Desabamento. A Bomba arrasara Metade do Quarteirão. O Sargento achou melhor que usassem os Capacetes que sobram, já que faltam os Combatentes.  E que dispensassem as Continências. A Tropa ali necessitava de Munições e Comida. Ainda que a Batalha não durasse mais de dez Dias. Derrotados, afinal ! Por que a Insanidade daquele “Sieg Heil!”, dos “Camisas-negras”, Jovens fanáticos, logo todos seriam enforcados, se já não estão se enforcando!

            -É, Sargento, Fumaça das grossas! Vamos tomar Banho de Dinamite!

            E falava de Olhos apertados, com Imagens trágicas, sabendo das Violências contra as Mulheres, da Fome das Crianças, das Populações expulsas de suas Terras, o Fim de um Sonho de Império, de Expansão para o Leste, de um “Espaço Vital para o Povo germânico”, o outrora mais populoso da Europa, uma Limpeza que a própria Guerra proporcionou, pois nunca antes um Governo matou mais Alemães, um Governo a dizer-se “Protetor dos Povos germânicos”, um Führer fanático pela Pureza racial, mas que não hesitou em mandar os mais belos e os mais jovens para o Horror das Frentes de Batalha!

            E ali o ex-Ferroviário trazia um Entusiasmo pesaroso à Tropa. Em todo Lugar, gritando com os Enteados, os Jovens Fritz e Otto, ou querendo ajudar o Erich na Cozinha, ou o Friedler na Artilharia, e até ousando incomodar o Handke na Balística. Contudo um Companheiro de Presença, este Rainer Herzog! E se entendiam, ele e o Sargento, já contagiado pela Melancolia de um Berger.

            -Que pisassem a França, aceitamos, mas Encrenca com os Anglos? Cutucar o Vespão dos Ivans? Coisa de Louco!

            E sem hesitar, o assustado e eufórico Rainer Herzog, sem se preocupar com o sombrio Heinz Berger, sozinho, a culpar todos os 'Traidores' pelo Fracasso do Reich, a lamentar em sua Mudez, não só a Derrocada da Capital, mas o Desabar de todo o esperado “Império de Mil Anos'.



abr07//mai15


Leonardo de Magalhaens


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