quarta-feira, 2 de abril de 2014

2 poemas de Paulo Nunes [MG]













PAULO NUNES




CONFISSÃO E PRÓLOGO


       Vós habitais um quarto pobre, misturado à vida.
       Antonin Artaud



Na minha mera e já quase velha opinião
os poetas sábios, demasiadamente sábios,
desaprenderam a inocência e o espanto,
e por isso, de fato, sabem tão pouco:
sequer suspeitam a impronunciável,
contudo plena arte de respirar.
Vêm e nos dão um embrulho
talvez belo, certamente bem feito,
sem a laçada e o papel-estampa
(afinal, é sempre outra a moda);
porém, abrimo-lo e o sabemos vazio:
guardaram-se, avaros, do lado de fora,
polícias disfarçados de poetas
olhando-se com temeroso respeito,
também sem grana para o pão
e comprando na página branca o céu
e que assim passam – muito bem.
Quanto a mim, venho seguindo o fio frágil
tecido de sonho, medo e oxigênio
e sinceramente confesso nunca saber
para onde este fio me conduz e me perde;
não me detive a falar com pedras
no lugar de ouvir estrelas,
mas me pus a indagar o corpo, a vida,
o universo desmedido que em mim coube
ou antes, a vida, o corpo, puseram-se
a andar também no que, incerto, escrevo.
Roubo ao acaso, à zona de sombra,
aos meus próprios e alheios gestos
a mínima letra, pobre iluminura
que não se basta, mas borda o escuro.
E se a obra é, de antemão, inconclusa,
talvez nasça disso o vero voo,
talvez seja necessário – mas isso não
é lei, não há lei – não ser tão sábio
para um dia, quem sabe, compreender
que a poesia, esta sempre outra coisa,
não é nem a mosca nem o zênite,
porém os dois juntos, amantes,
ampulheta em infinita entrega,
plena de risos, lágrimas e... minutos.
Mais valioso que um tesouro
ao cabo de um mapa de palavras
julgo ser qualquer diário achado,
seja em linguagem de adolescente
ou na de um velho cuja caduquice
inclui saber latim e grego
e que, ainda tímido, se abeira do fim
falando a outros, às vezes jovens, mortos.
Assim, aqui estou – nu, inaugural
e, sujando com o pulso o silêncio, aqui está,
brilhando de merda, êxtase e sangue,
bailando entre o espírito e o espirro,
eternamente escrita e improvisada,
a minha, leitor, a tua? a alheia,
a agora liberta e nenhuma

                                            biografia.









DA PONTUAÇÃO


As vírgulas tarde aprendemos:
na fase esquecida por Freud
em que prendemos e soltamos
o ar, independente do tórax.
Que gozo! E além disso são elas
que nos introduzem na arte
de mentir e se arrepender.
Mas muito tempo antes, chorávamos...
Éramos puros, reticentes
depois fomos exclamativos
e enfim começamos a andar
ligando um nome a outro nome,
fazendo as coisas se chocarem.
Desde então abrimos a boca
e as interrogações nos fisgam.
E, bichos do chão, receosos
nada afirmativos seguimos
preenchendo o branco sempre adiante.
Quando, numa curva, a pergunta
(não em vão o mundo é redondo)
desiste – e encontra a resposta.
Ó vida inacabada e pronta!
Nascer é a primeira morte
e sem uma única lição
usamos o ponto final.
Nasce conosco este sinal.






Paulo Nunes nasceu em Patos de Minas (MG), em 1965. Formado em filosofia, é livreiro na Universidade de São Paulo. Poeta e letrista musical, tem textos publicados em diversas revistas e jornais literários. Editou, em 2001, a obra "Meu canto é saudade", que reúne a produção de Juca da Angélica, expoente da poesia oral do interior de Minas Gerais. Lançou este ano, seu primeiro livro de poemas, "O corpo no escuro" (companhia das letras), do qual foram selecionados estes poemas.

http://www.mallarmargens.com/2014/03/15-poemas-de-paulo-nunes.html

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