segunda-feira, 24 de março de 2014

5 poemas de NICOLAS BEHR





NICOLAS BEHR




POEMA PRA QUEM GOSTA DE POESIA


a emoção é a matéria-prima da poesia
assim como o calcário é a matéria-prima
do cal e do cimento

pra chegar à poesia,a emoção
passa por um processo de pré-trituração
anaeróbica, é centrifugada à vácuo
nos pulmões do cérebro e depois lavada
nos altos-fornos da laringe

na segunda fase, a emoção, se resistir
a essa trituração mecânica, é selecionada
manualmente pelo poeta, toda picadinha

é por isso que a emoção chega a você
assim em forma de letras
que juntas formam palavras
que juntas formam versos
que juntos formam emoção
de que tanto precisamos,
matéria-prima da vida










plantei um pé-de-tempo
no canteiro das horas
e fiquei esperando os
brócolis da eternidade

nasceram relógios de alface
ponteiros de couve
segundos de tomate
tic-tac de pontuais cupins
formigas cortam folhas-de-minutos
onde o futuro inseto é pupa,
horário de borboleta

junto ao pé-de-tempo brotaram
calendários de flores
e relógios de sol
para despertar onze horas,
sem a pressa dos adubos químicos

agendas para passarinhos
compromisso de poesia








DAS VANTAGENS DE SER CONFUSO


olhar e ver tudo torto, errado
das vantagens de ser incoerente
demente, temente, tenente, patente
das vantagens de ser repetititititititvo
das vantagens de ser livre, foda-se!
das vantagens de se fingir de morto
qual peixe na feira, olho aberto, parado
das vantagens de ser totalmente louco,
pirado, sem nenhum compromisso com nada,
escravo da mente, sem consciência
celular, sem celular, sem a porra da
agenda, sem rima, sem nada,
só a loucura insana a te emoldurar a alma
loucura – esta bela armadura
esta couraça intransponível
este colete a prova de tudo
este poema, impiedoso,
a te perfurar o coração





POEMA ANTI-AJUDA


felizes os fracos de espírito
pois estes têm gurus
felizes os que ainda botam fé
no ser humano
felizes os que sabem ler
e têm algo para comer todos os dias
felizes os que criam o inferno
para depois prometer o paraíso
felizes os indiferentes, que não se comovem
com nada e sofrem menos
felizes os que mentem para si mesmos e
acreditam piamente nisso
felizes os infelizes, pois estes são
os verdadeiros iluminados
felizes os que nunca choram e, portanto, não
passam vergonha
felizes os que tem autoconfiança, autoestima,
automóvel

felizes os amigos dos poderosos,
que tudo querem, que tudo podem
felizes os que acreditam
no amor de cristo pois estes
não tem mais salvação
felizes os andarilhos, os indecisos,
os confusos, os sem-rumo-na-vida
felizes os que choram com facilidade pois estes
estão sempre reciclando
a água parada dos seus olhos,
fazendo chover em seus corações
felizes os piegas, os românticos
ultrapassados, os bregas, os que falam de amor
sem medo do ridículo, nem que seja
naquela música que vive tocando no rádio
e o povão adora


felizes os que escrevem livros de auto-ajuda e
ganham muito, muito dinheiro,
que é o que realmente importa,
que é o que realmente interessa









A BALADA DO FALSO POETA


minha miséria é meu tesouro

nasci para ser sombra
não tenho face

minha espada acovardou-se
fraca é a minha vontade

a voz do meu algoz é doce
suave é o seu abraço

nas certezas, combustível
nas incertezas, chama

tudo que condeno me atrai
tudo que desprezo desejo
tudo que amo destruo
tudo que admiro não quero
tudo que elogio é falso
tudo que assisto é por interesse
tudo que enterro nada cresce
tudo que sei guardo pra mim
tudo que beijo morre
tudo que é oficial subverto
tudo que toco não ressuscita
tudo que gero vira nada
tudo que vi cegou-me
tudo que aplaudo desaprovo
tudo que é poesia já escrevi melhor
tudo que não é martírio sofri
tudo que me lembro muito bem
tudo que não prometo cumpro
tudo que é burocrático me ojeriza
tudo que leio se desintegra
tudo que me dá medo recuo

tudo que escrevo nego




in: O BAGAÇO DA LARANJA / 2009




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