RAFAEL
ROCHA DAUD
[São
Paulo, SP, 1979-]
WALK
– DON'T WALK
Cale-se
o monólogo interno! Palavras venham a mim
ajudar-me
contra essa loucura.
Sou
realmente capaz de determinação?
Que
bobagens, esta luta não existe: -
sinto
uma morte tão grande em mim
Ela
não deveria ser vazia e inexorável;
completamente
indulgente?
Mas
ao contrário Esta morte é física
sinto-a
presente, pesada
mas
não consequente
Chego
próximo ao meio-fio, levo
comigo
meu tedioso monólogo
olham-me
em volta com apreensão, como se eu fosse
me
precipitar fora da vida -
pressentem
logo a injustiça e o egoísmo, Na verdade,
me
desprezam
e
abandonam o dever de assistir este suicida
e
enquanto pensam em como estão distantes
da
minha condição
-e
não chegam a perceber meu apego pela vida-
não
podem por certo ver o quanto estou conectado
a
eles
E
como vivo intensamente, Estou bem vivo
(-
Ana !...)
Estou
tão VIVO, e ainda assim
Mas
tenho estado presente, de corpo e espírito
(-
Ana !...)
Tenho
sido tranquilo e pacientemente
E
impetuoso, quando convém
E
sempre atento nem os detalhes me escapam
O
passado vive dentro de mim e não me prende,
nem
o futuro
Ouço
tudo o que dizem e o mundo se transforma
em
sons que escuto
como
as vozes e os choros e os cantos dos corações
de
toda gente de todo lugar
Mais
os sons que nunca dizem nada, que no entanto
dizem
muito quando os escuto
(-
Ana !...)
Quando
caminho o chão não me sente
Porque
sou livre e é como se eu voasse
E
não me sinto inadequado onde eu esteja
[mesmo
que saiba que muitos não se sentem próprios
(-
Ana !...)
quando
vão a certos lugares,
que
vez ou outra sentem-se fora de seu próprio tempo
sentindo
nosso mundo mudar
estamos
ressentidos, por que sabemos que
quanto
mais as coisas mudam, mais elas nos cansam
O
passado é cada vez mais insofactual
Uma
era homogênea, como Eterna
E
não suportamos que o Tempo seja um
Imperador]
(-
Ana !...)
Sinto-me
intensamente vivo
e
mesmo assim é como se eu tivesse abandonado
muita
coisa
Tenho
em mim essa certeza
de
um dia ter pertencido a algum lugar
E
eu nasci, e não é isso abandonar algo,
exatamente
como a morte?
No
íntimo há uma culpa
Sem
ser o Pecado nem o ter nascido
No
mais íntimo e ínfimo e
imbricado,
como se não fôra dentro nem fora mais
si
mesmo
Essa
culpa está ali alojada
Como
uma bala férrica na minha espinha dorsal
E
eu não posso tirá-la pois mataria no mesmo instante
Bala
coração! Bala pulmão!
não
me adianta acusá-la de nada
acusar
essa culpa em mim culpada de tudo e sua
própria
causa
Eu
não queria sentir vergonha por ela: se eu apenas
pudesse
ser tolo
(-
Ana !...)
Quem
é Ana? Ah, estão lhe chamando,
é
a mais bela menina no outro lado da rua
Ela
estivera me olhando por instantes
mas
não cheguei a sorrir-lhe
(embora
eu bem o quisesse) Isto bem parece uma confissão,
como
se eu entregasse o sorriso
que
antes neguei Mas não existia essa pretensão
Alguma
coisa
é
que me escondeu esse riso, até magoar
meus
olhos
Bela
e inalcançável, quem és tu, Ana?
Mas
não saberei, nem também o que terias sido
se
eu tivesse me pronunciado
se
vivêssemos num mundo regido pelo querer onde
uma
vontade poderosa pudesse rodar o globo
ao
contrário, acelerar o tempo é criar aviões do nada
eu
não poderia levantar uma palha sequer
Sou
interpelado por aquele monólogo frio, ele
me
quer impiedoso
Neste
momento sinto uma languidez mórbida
(é
como chamo esse querer estar imóvel e livrar-me
de
meus olhos)
mas
não tão silencioso assim: NÃO POSSO MAIS USAR
ESTES
OLHOS MACULADOS
Sinto
uma inspiração mística sinto um ato litúrgico
surgindo
em mim
Tudo
o que vejo é fake perante essa dor
Por
isto recuso-me a jamais abrir os olhos novamente.
fonte:
CULT 29 / dezembro 1999
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