segunda-feira, 21 de outubro de 2013

poema de Denise Emmer





DENISE EMMER

Rio de Janeiro, 1958-



O INVENTOR DE ENIGMAS

Para Moacyr Félix



Os poetas carregam seus sacos de poeira
e sobem e descem inúteis ladeiras...
levam os poetas como se levassem filhos
nas suas costas os mundos pesados de Carlos.

São tão poucos para tantos mundos que existem
dentro de tantos sacos imensos e cinzas
são tão raros os sábios que sonham como pássaros
que restarão países sobre países empilhados

Os poetas escutam o ranger dos séculos
que se abrem que se fecham como portas trágicas
a poesia veste blusas claras em meninas mortas
ou absolutamente não surpreenderá as guerras.

Se um dia ela mudar os deuses de seus picos
a ponto de evitar que um câncer se espalhe

no organismo dos mares ou dos intestinos podres

ou se um dia ela acender um corpo baleado
antecipando a luz materna das estrelas
uma cidade será uma cidade bela
a Terra minha única memória.

Acho que ela passa voando sobre os cisnes
e cheira a carne em brasa dos campos de extermínio
ela pode cruzar as mãos de um velho
ou disparar uma fábrica de enigmas.

Os poetas são seres inegavelmente invisíveis
mas a poesia é tão clara como um piano no espaço
eles se infiltram incógnitos nas multidões raivosas
ela descreve um arco no céu e reinventa a noite
eles atravessam portas fechadas de cofres vazios

ela projeta o sonho do Homem no espectro da luz


(do livro O inventor de Enigma)


in: 41 Poetas do Rio. Funarte, 1998.





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