quinta-feira, 10 de outubro de 2013

2 poemas de Carlos Lima








CARLOS LIMA


RJ , 1945


ALMAS MOFADAS

A André Breton


A vida apenas esta
no picadeiro dos nossos corações destroçados
sob a cal e os esqueletos dos sonhos impossíveis

A vida apenas esta
na usura dessa saudade lusa que me rói
como as garras de um violino fantasma numa casa deserta

A vida apenas esta
no exílio selvagem dos meus olhos perdidos dos teus
na vertigem do abismo desse céu onde se escreve a palavra nunca

A vida apenas esta
enquanto o carnívoro liebestod do destino
afia as suas facas na garganta azul do tédio

A vida apenas esta
onde o espantalho fluvial da dor
acende o teu nome nas pálpebras da noite vasta

A vida apenas esta
eu aqui bebendo genebra só pensando nela
eu aqui tomando um porre de gim sem pensar em mim

A vida apenas esta
nesta melancolia de minotauro encarcerado
no labirinto desse amar cegamente o amargo amor

A vida apenas esta
ainda que nossas almas mofadas nas cicatrizes de sonâmbulos
silogismos
continuem apenas tateando nesse ossuário dos desejos a terrestre
aventura lucilante


(1.9.1996)





CANÇÃO DESESPERADA


Dentro de mí mismo me he perdido,
Chego de llorar una ilusión...
E. S. DISCÉPOLO


Como um cão louco como uma canção desesperada
só no meio do mundo só no meio da madrugada
sob o beijo frio da lua somos despejados da ilusão
(toda saudade é galega e nem toda cerveja é gelada)
tocamos a fímbria da noite desiludidos e sem perdão

Minha poesia, diz a ela, que noite e dia
de amor padeço, sofro, anoiteço
a esperança não é mais irmã da fantasia
Chego cedo do dia já vencido
para dizer esses versos aos teus ouvidos
mas sei que os dentes do tédio ultimam os seus desígnios

Ah, a tirania da tua ausência
deixará as noites obscenamente incompletas
a poesia será mendiga sem a pureza dos teus mistérios
já não haverá mais calma no mundo
a paixão desertará da vida e tudo que amarmos nos fará sofrer

Mas esta é apenas uma noite vulgar uma simples canção
no peito de um homem comum num subúrbio qualquer da cidade
e não é bom nos determos nas tentações desta paisagem
fiquemos silentes com o cristal da presença só da presença
neste dédalo o sonho o sonhador a sonhada não se separam
nunca mais


(25.8.1996)



in: 41 Poetas do Rio. Moacyr Félix (org.) RJ, Funarte, 1998.



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