quinta-feira, 19 de setembro de 2013

2 poemas de Edimilson de Almeida Pereira










EDIMILSON DE ALMEIDA PEREIRA

Juiz de Fora/ MG



SIGNOS


Endereço nos cabelos leva a mais do que leio

onde estão dançando em ritmos vermelhos.

Dançam tatuagens alheias a seu desenho.

As siglas dos mistérios fecham sem correntes

um corpo que intenso se move na inércia.

E sobre outro corpo – maestro por urgência -

dança como se antes vencesse o desespero.

Dentro da música o pente a silhueta a hora

em que a última fera sabe o sigilo dos velhos.

Os ritmos que entendo pelo ruído dos dentes

são outros são estes atentos como espelhos.

Aquela que me dança na mais perfeita esfera

luta com seus nervos e as cartas que escreve.

O blues me atravessa uma rajada de espíritos

as ilusões viram seta navegando pelos discos.

O céu se dobra em ruas as flores nos oceanos.

A dança que se espera dura se não dançamos.







ZEOSÓRIO


Para bateria e colher de pedreiro o mesmo

braço, ritmos diferentes. Nas duas o empenho

para se esquecer os andaimes: casa e melodia

são mais ou menos um giro pelos dentes.

Não há que mordê-las nem tirar suas luvas.

Quando muito, se puder estendê-las na tarde.

Assento um piso como um músico tocando

improviso: sei as curvas que evito e aquelas

a que me abandono. Uma prima pede o favor,

evêm as chuvas – que lhe conserte o telhado.

A cunhada, que levante um muro na horta.

A outro parente, por saúde, não cobro nada.

Mas aos de fora, dado que fazem meu salário,

arrecado na medida de um espetáculo.

Afino martelos para não estragar os pregos:

metais são a cozinha da banda, se a sua chama

falha, que fiasco. No mês vencido, sem

dinheiro, acertei de consertar serviço alheio.

É a urla mudar o ritmo de quem esperou moradia

e viu o tempo perdido. Se alguém errou a vez

da batida, nem prumo nem balanço: só avaria.

Mais fácil dançar na lama de sapato branco.

Com bateria e colher de pedreiro um homem

faz seus meios e a si mesmo como puder.





Fonte: Antologia Comentada da poesia brasileira do século 21.
Manuel da Costa Pinto (org) São Paulo: Publifolha, 2006





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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

2 poemas de ROMÉRIO RÔMULO









ROMÉRIO RÔMULO


os calos detrimentam meu estrato.
a pele, osso e pedra, é solta em rebordosas amplas.
viveres e pontes cabem meu caminho
como as amplitudes recaem sobre  nós.
olhando o espasmo, meu relincho dorme.
os homens neutros, os rios neutros,
se despedaçaram.

sobrou de tudo a última trompa.

se muros fervilharam, outros muros cabem
como estampas nos rins e coração.
a construção do novo, breve aura
no olho vê-se, brusca.

quando etapas rangerem, vou rever meus antros.








quantos antros e destinos me ataram
pelo avesso da ilha.
mágicas só revertem a metade das noites
que as outras são concretos.

quantos avos e destinos me atormentaram
o rosto e o osso;
curvei-me a todos para estar perfeito.

a todos busquei ver como água e pedra:
com o olho, retalhei-lhes as faces
e o contíguo dos lábios.

pólvoras deixaram meu corpo em frangalhos.
mas atei-lhe os nós e os pedaços
como quem range à utopia.
fiz ver que vales e montanhas são nacos da vida.
no fôlego quente da espécie.

quando surgi de mim, fiquei varrido
e meu estado de coisa correu solto.



in Matéria Bruta / 2006




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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Canto do Homem Cotidiano - Ildásio Tavares









ILDÁSIO TAVARES

[1940-2010]

Canto do Homem Cotidiano


Eu canto o homem vulgar, desconhecido
Da imprensa, do sucesso, da evidência
O herói da rotina,
O rei do pijama,
O magnata
Do décimo terceiro mês,
O playboy das mariposas
O imperador da contabilidade.


Esse que passa por mim
Que nunca vi outro assim.


Esse que toma cerveja
E cheira mal quando beija.


Esse que nunca é elegante
E fede a desodorante.


Esse que compra fiado
E paga sempre atrasado.


Esse que joga no bicho
E atira a pule no lixo.


Esse que sai no jornal
Por atropelo fatal.


Esse que vai ao cinema
Para esquecer seu problema.


Esse que tem aventuras
Dentro do beco às escuras.


Esse que ensina na escola
E sempre sofre da bola.


Esse que joga pelada
E é craque da canelada.


Esse que luta e se humilha
Pra casar bem sua filha.


Esse que aguenta o rojão
Pro filho ter instrução.


Esse que só se aposenta
Quando tem mais de setenta.


Esse que vejo na rua
Falando da ida a lua.


Eu canto esse mesmo, exatamente
Esse que sonhou em, mas nunca vai
Ser:
Acrobata,
Magnata,
Psiquiatra,
Diplomata,
Astronauta,
Aristocrata.
(É simplesmente democrata)
Almirante,
Traficante,
Viajante,
Caçador de
Elefante
(Vive só como aspirante)
Pintor, compositor
Senador, sabotador
Escritor ou Diretor

(É apenas sonhador)
Pistoleiro,
Costureiro,
Terrorista,
Vigarista
Delegado,
Deputado,
Galã na tela
Ou mesmo em telenovela,
Marechal,
Industrial,
Presidente,
Onipotente,
(Ele é simplesmente gente)
E, inconsciente marcha pela vida
buscando no seu bairro
Na cidade lá do interior,
No escritório, consultório
No ginásio,
Na repartição,
Na rua, no mercado, em toda a parte
Somente uma razão
Para poder dormir com a esperança
E de manhã, na hora do encontro
Com o espelho, ao fazer a barba,
Ver o reflexo do campeão,
Mas que, na frustração cotidiana,
Vai encontrando aos poucos sua glória
Por isso eu canto a luta sem memória
Desse homem que perde, e não se ufana
De no rosário de derrotas várias
E de omissões, e condições precárias
Poder contar com uma só vitória
Que não se exprime nas mentiras tantas
Espirradas sem medo das gargantas
Mas sim no que ele vence sem saber
E não se orgulha, campeão na história
Da eterna luta de sobreviver.


In: O Canto do Homem Cotidiano / 1977



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