terça-feira, 20 de agosto de 2013

2 poemas de Piva em PARANOIA



Roberto Piva

Paranoia [1963]


Poema Submerso


Eu era um pouco da tua voz violenta, Maldoror,
          quando os cílios do anjo verde enrugavam as
          chaminés da rua onde eu caminhava
E via tuas meninas destruídas como rãs por
          uma centena de pássaros fortemente de passagem
Ninguém chorava no teu reino, Maldoror, onde o
          infinito pousava na palma da minha mão vazia
E meninos prodígios eram seviciados pela Alma
          ausente do Criador
 
Havia um revólver imparcialíssimo vigiado pelas
          Amebas no telhado roído pela urina de tuas borboletas
Um jardim azul sempre grande deitava nódoas nos
          meus olhos injetados
Eu caminhava pelas aleias olhando com alucinada ternura
          as meninas na grande farra dos canteiros de
          insetos baratinados
Teu canto insatisfeito semeava o antigo clamor dos
          piratas trucidados
Enquanto o mundo de formas enigmáticas se desnudava
          para mim, em leves mazurcas



...


 

Visão de São Paulo à noite
Poema Antropófago sob Narcótico


Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
 
Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada
 
sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cú nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos
 
beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola
 
eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta
 
chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
e o Estrondo



Roberto Piva

[1937-2010] 


Paranoia em






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