quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

2 poemas de Paulo Henriques Britto



 
Ontologia sumaríssima


Umas quatro ou cinco coisas,
no máximo, são reais.
A primeira é só um gás
que provoca a sensação
de que existe no mundo
uma profusão de coisas.


A segunda é comprida,
aguda, dura e sem cor.
Sua única serventia
é instaurar a dor.


A terceira é redondinha,
macia, lisa, translúcida,
e mais frágil do que espuma.
Não serve para coisa alguma.


A quarta é escura e viscosa,
como uma tinta. Ela ocupa
todo e qualquer espaço
onde não se encontre a quinta
(se é que existe mesmo a quinta),
a qual é uma vaga suspeita
de que as quatro acima arroladas
sejam tudo o que resta
de alguma coisa malfeita
torta e mal-ajambrada
que há muito já apodreceu.


Fora essas quatro ou cinco
não há nada,
nem tu, leitor,
nem eu.



Paulo Henriques Britto







Ecce Homo


Não ser quem não se é é coisa trabalhosa.
Exige a disciplina austera e rigorosa

de quem, achando pouco simplesmente ser,
requer o luxo adicional de parecer.

As essências enganam, e o eu é tão escasso
que há que ocupar com alguma coisa tanto espaço,

e nada como a negação da negação
pra efetuar tão delicada operação.

E pronto: está completo. O homem mais o andróide,
imune a suave mari magno e Schadenfreude,

ser e não ser na mais perfeita sintonia.
Use e abuse. A coisa vem com garantia.



Paulo Henriques Britto






página do autor




Nenhum comentário:

Postar um comentário