trecho de Ode Sensacional
ode
hiperbólica na noite de insônia
Insone
após ter lido cada verso de cada poeta simbolista místico
metafísico
fatigado
após compor o centésimo soneto de amor
(dedicados
a mim mesmo após implorar a atenção da Musa)
angustiado
por haver perdido o sono e o trem da História
inconformado
após perceber a insignificância de minhas odes e
a
proeminência de meu ódio
ferido
por todas as ofensas e magoado por todos os abandonos
foragido
na noite com todos os vultos transeuntes com todos
os
perdidos andarilhos
abalado
pela última conjunção dos astros em sinistra efeméride
perseguido
por todas as blasfêmias e restos de pesadelos eróticos
sepultado
sob as imagens natimortas dos desejos da juventude
sem
rumos
cegado
pelo piscar psicodélico de todas as luzes dos anúncios
de
néon
guiado
pelos sorrisos de outdoors na selva de concreto e asfalto
seduzido
por todos os casais e seus beijos apaixonados
envergonhado
ao invejar todos os casais em motéis de subúrbio
cansado
ao percorrer todas as galerias e sobreviver a todos
os
assaltos
transtornado
atordoado golpeado esmagado violentado por todos
os
ruídos e gestos inúteis
(onde
todas as pessoas têm o mesmo olhar – o mesmo olhar de
ovelha)
anestesiado
após ouvir todas as músicas pop de todos os artistas pop
de
todos os hit-parades pop
afligido
por todas as dores morais todos os preconceitos irracionais
todos
os tabus tradicionais
arrastado
pelo frenético movimento de todas as pupilas estressadas
moído
nas mandíbulas das oligarquias monarquias sinarquias
hierarquias
burocracias do mundo e do submundo
vigiado
por todas as máquinas ciborgues andróides big-brothers
câmeras
ocultas cyberpunks
invadido
por todos os sonhos paranóicos por todos os dedos
obscenos
pisado
pela mídia televisiva no horário nobre e pelo filme repetido
na
sessão das dez
obstruído
na entrada de shows de
hard-rock e barrado na portaria dos
templos
do deus-money
desprezado
pelas garotas de coturno e suas poses e maquilagens
exóticas
rotulado
pelos serviços de inteligência e fichado pelas forças de
segurança
abordado
(gentilmente) pelos agentes da lei e assaltado (sutilmente)
pelos
excluídos do sistema
constrangido
pelos programas de debate na TV discutindo o orgasmo
feminino
bombardeado
pelos seriados norte-americanos de médicos neuróticos
ou
sobreviventes em ilha (quase) deserta
nutrido
por suplementos literários e revistas literárias em eventos
literários
arrastado
aos desfiles de moda diante de modelos esguias e secretárias
de
políticos corruptos
subnutrido
por filmes moderninhos com novas versões de heróis
dos
quadrinhos
ameaçado
por animações com galinhas paranóicas e noivas
apodrecidas
abduzido
por filmes de ficção científica com universos paralelos
assustado
por filmes de suspense com ônibus desgovernado e
teorias
da conspiração
estremecido
diante de filmes com clonagem humana ou invasões
alienígenas
deslocado
meio às linguagens internéticas em hermético vocabulário
juvenil
seduzido
pelas curvas femininas na propaganda de televisores de
plasma
apavorado
diante das filhas psicóticas que assassinam os pais
adormecidos
estarrecido
diante das mães que abandonam seus bebês em lixões
amargurado
pelas transações internacionais em bilhões de dólares
onde
nenhum é meu
ferido
pelas estatísticas do desemprego na região metropolitana
segundo
os índices oficiais
registrado
nas festas de gala e reconhecido nos bailes à fantasia
fotografado
em atitude suspeita e entrevistado por profissionais da
imprensa
marrom
engolido
(e abrigado) no ventre da baleia tecnocrata e digital
(perdido
nos labirintos homéricos e kafkanianos do mundo virtual)
insone
por ter lido cada email de cada notívago depressivo sensível
inconsolável.
2010
Leonardo de Magalhaens
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