quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Político em Linha Reta




Político em Linha Reta





Nunca conheci quem não fosse um campeão.
Porque todo mundo que eu conheço é só campeão.


 
Eu que tenho sido crítico, chauvinista, intolerante,
politicamente incorreto,
Eu tantas vezes descaradamente fisiocrata e nepotista,
vergonhosamente subornável,
Eu que tantas vezes não hesitei em aceitar propina,
Eu que tenho sido omisso nas minhas funções,
Que tenho mentido publicamente nos palanques,
Que não ingressei no partido da situação,
Que tenho sido oportunista, duas-caras, interesseiro
e petulante,
Que tenho dito 'sim' e 'pois não' e virado às costas,
Que tenho no currículo só três reeleições,
Que tenho evitado declarações à imprensa e por isso
mais caluniado ainda;
Eu que tenho sido motivo de chacota das assessorias
de comunicação,
Eu que tenho de subornar o office-boy da contabilidade,
Eu que tenho contas fantasmas nas ilhas Cayman,
outros gastos nunca declarados, de orçamentos
superfaturados,
Eu que distribuo minhas imagens em santinhos
mas jamais uma prestação de contas;


 
Eu que tenho sofrido com a mediocridade dos assessores,
Eu descubro que sou o único incompetente neste mundo.


 
Todo mundo que eu conheço e conta vantagens
Nunca foi incompetente, nunca foi sonegador,
Nunca foi senão democrata – todos eles democratas – a vida toda...


 
Bem que eu gostaria de ouvir alguém sincero
E não voz de congressista e de retórico
Que confessasse não uma sonegação, mas um desvio;
Que declarasse não um mal-entendido, mas uma mentira
descarada!
Não, que isso!, são todos Representantes do Povo, se a gente pergunta.
Quem será que vai confessar que foi demagogo?


 
Ó Parlamentares, meus irmãos,
Macacos me mordam! Estou cansado de excelências!
Onde é que há gente sincera no mundo?


 
Então só eu que sou mensaleiro neste país?


 
Poderão os governistas não os terem subornado,
Podem ter sido traídos pela oposição – mas desonestos nunca!
E eu que sou conivente com ambas as partes,
Como posso apontar o dedo sem passar vergonha?
Eu que tenho sido crítico, totalmente intolerante,
Fisiocrata, nepotista no pleno sentido descarado da palavra.



 
fev/11


Leonardo de Magalhaens



 
paródia de “Poema em Linha Reta
(Álvaro de Campos (Fernando Pessoa))
 
poema original em

para ouvir



sábado, 19 de fevereiro de 2011

Andróide Paranóide (conto)




ANDRÓIDE  PARANÓIDE



    Não que eu seja humano (longe disso), mas, às vezes, nada do que é humano me é estranho.

    Das cinco visitas, duas responderam ao efusivo “Bom Dia!”, o que é um bom começo, mas eu disfarcei meu sorriso de desdém. Quando o gerente da agência, em imponente porta e passos sincronizados, chegou, já encontrou-me a distribuir sorrisos.

    Incomodavam-me os olhares de suspeita, mas meu programa especificava os casos segundo índices de simpatia e rejeição, onde os sentimentos positivos eram creditados e os negativos, debitados. Esperava-se um saldo positivo no final do expediente. O que raramente acontecia.

    Repito que meu programa é de confiável eficácia em se tratando de identificar reações a minha presença. A empresa responsável pela minha construção sempre se preocupou com a aceitação de seus produtos, assim como pelo bem-estar de todos os seus clientes.

    - Investimentos a longo prazo no quarto andar.

    Minha voz indistintamente humana ecoava, respondendo a uma pergunta direta:

    -  Poderias informar-me onde encontro o atendimento, digo, sobre investimento?                       

    Uma voz hesitante de uma senhora de trinta, trinta e cinco anos, considerando-se o padrão de voz e a estatura, bem como textura da pele e brilho da íris.

    Ela seguiu para o elevador. Nem me agradecera. Percebera a voz monótona que de mim ecoara? Sim, pois poucos agradecem, após ouvirem as sílabas articuladas.

    Por que não agradecem ao segurança? Ao segurança tão eficiente e prestativo de uma agência bancária de renome internacional?

    Afinal, não é papel do segurança responder perguntas. Logo à esquerda, cinqüenta passos desde a entrada, encontra-se o guichê de informações. Mas, repito, meu programa é de elogiada eficácia, apresentando flexibilidade e recursos-além-da-função-principal.

    Recursos de reconhecimento de voz, identificação de tons afirmativos ou interrogativos e reformulação de frases, prevendo ênfases e pausas.

Atender bem e sorridente, eis a diretiva-primeira. Defender a integridade física e mental dos clientes, eis a diretiva-operacional-primeira. Responder e prestar informações objetivas, eis a diretiva-segunda.

    -  Bom Dia!

    Uma senhora sorridente. Presumíveis setenta anos, considerando-se padrão de voz e estatura. Em seguida, duas senhoritas, em silêncio.

    Minhas objetivas estabelecem marcação de área, posição dos clientes, identificação de movimentos suspeitos. Nada anormal é acusado pelos sensores. As mocinhas entram no elevador.

    O gerente observa-me, lá de sua mesa, falando ao videofone, com padrão de voz indicando preocupação.

    O resultado da disfunção. Segundo o padrão de movimentos labiais. A frase é por ele pronunciada.

    Fato fartamente noticiado nos jornais vespertinos. Um trânsito caótico. Dois carros em colisão. Um policial se agita entre os veículos. Mas, ao contrário de apaziguar os ânimos, começa, no entanto, a agredir os passageiros que descem dos carros avariados. Outros veículos se aproximam do local do acidente e , poucos em controle manual, colidem com os carros já danificados.

    Motoristas mais atentos passam ao controle manual e desviam pela alameda secundária. Mas é patente a ineficiência dos computadores-de-bordo. Quatro feridos e um em estado grave.

    A foto, que ilustra o jornal impresso, mostra o policial em pé sobre um dos veículos, de dianteira danificada, e apontando furiosamente para um dos transeuntes.

    Quem assistiu ao noticiário televisivo pôde ouvir o que ele gritava em tal momento:

    -  Vejam, não sou humano, sou uma máquina!

    Sim, e quem observou atentamente, mesmo em tal tumulto, notou a longa cicatriz em sua face esquerda, deixando à mostra um olho que não sangrava.

    Não queiram ser humanos. Nada mais são do que programações inseridas em seus circuitos matriciais. Não sejam tentados a serem humanos.


    A manchete no jornal impresso trazia, em letras góticas graúdas: “A Revolta de Spartacus”. Não encontrei em meus bancos de dedos qualquer referência ao termo substantivo próprio “Spartacus”. Não consta em nenhum dos programas de busca. Nenhum arquivo para meu livre acesso registra tal verbete. Acionei Localizar em vão por cinco minutos. Nada semelhante encontrado em registro. Termo desconhecido. Verbete não-localizado.

    É uma importante dama que se aproxima. Cliente status A .  Idade: 58 anos, sete meses, doze dias. Altura: 1,67 m.  Registros. Conta Corrente. Aplicações. Apólices.

    -  Bom dia!

    Padrão de voz indica deferência e discrição. Sem ênfase, sem modulação. Cumprimento formal. Sabe quem sou. Sabe o que sou.

    Pronta para entrar na porta giratória. Detectores de metal acionados. O gerente já se levanta de sua mesa. Em sua mão brilha uma caneta dourada. A funcionária do setor de informações se volta para a entrada. Seu braço direito continua estendido rumo ao teclado. No monitor deslizam dígitos. Seus dedos da mão esquerda manipulam uma lapiseira prateada. Lapiseira prateada. Caneta dourada. O gerente espera.

    Pronta para entrar na porta giratória. Detectores de metal acionados. A porta esta travada. A senhora, a dama, a cliente status A , está perplexa. Não pode avançar. Não pode recuar. Olhando-me, parece pedir uma explicação. Limito-me a ativar o controle de voz, ordenando a porta que se abra. A porta começa a vibrar e abrir-se, girando lentamente, mas não conclui a operação. Nova ordem. Vibrando, mas logo resistindo. Não gira. Não abre.

    O gerente aproxima-se. Seu olhar está sobre mim. Estende um braço. Outro segurança se aproxima. É um modelo novo. Tem em seu programa uma diretiva-operacional-segunda: Obedecer à ordens diretas, desde que não invalidem as diretivas anteriores.

    O gerente está ao seu lado. O segurança está ao seu lado. Edward Terceiro. Segurança. Caneta dourada. O gerente ao meu lado.

    Aciono o controle de voz:

    -  Abrir! Destravar! Giro completo!

    A porta gira, eficiente, a dama passa, ainda assustada.

    -  Porta estúpida.

    O padrão de voz indica uma ira contida. Todos os olhares sobre mim. Porta estúpida. Deixa os clientes alarmados. Deixa os humanos alarmados. O gerente ao meu lado.

     - Senhora J., não se preocupe. É apenas uma máquina.


    


     set/05




     Leonardo de Magalhaens                                                                                                        





Para reler ao som de

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

EU poema egocêntrico!



EU



Há algum assunto mais interessante do que o Eu? Eu que ando na chuva ao anoitecer, Eu que vou me formar em Pedagogia, Eu que leio em cinco idiomas, Eu que escrevi um romance erótico, Eu que sou um coitado, Eu que sou um gênio, Eu que penso que sou um gênio, Eu que viajei para a Amazônia nas férias, Eu que vivo pensando em sexo, Eu que transo diariamente com poetas beatniks, Eu que construo castelos no ar, Eu que quero ser ditador, Eu que odeio poesia, Eu que tenho nojo de poetas, Eu que amo Platão, Eu que tolero democratas, Eu que torço para o time campeão, Eu que sou politicamente incorreto, Eu que coleciono revistas pornô, Eu que bebo todas e agarro todas, Eu que comi todas as garotas da minha turma, Eu que sou presidente do grêmio estudantil, Eu que sou secretário do clube de desportos, Eu que sou socialista de fim-de-semana, Eu que sou anarquista de carteirinha, Eu que votei na Oposição, Eu que vou votar de novo!,  Eu que sou funcionário público concursado, Eu que sou famoso no clube de truco, Eu que não deixo minha mulher na mão, Eu que lavo as louças do jantar, Eu que dormi com o meu cunhado, Eu que fui espancada pelo meu marido, Eu que amo a minha vizinha e odeio a minha sogra, Eu que joguei na loto e ganhei, Eu que fui a miss do colégio e me dei bem, Eu que apostei no amor e me desiludi, Eu que adoro música clássica, Eu que só curto rock pesado, Eu que compro em prestações, Eu que não perco os programas de auditório das tardes de domingo, Eu que gravo diariamente a novela das oito, Eu que gravo (sempre que posso) os seriados americanos, Eu que sou fanático por filmes de terror, Eu que só assisto os clássicos do cinema alternativo, Eu que só vejo filme pornô, Eu que aconselho a prece matinal, Eu que recomendo leituras diárias, Eu que determino lições de boas-maneiras, Eu que contrato exímios profissionais, Eu que estou realizado, Eu que confesso os meus crimes, Eu que vou finalmente completar a faxina no meu quarto, Eu que recomendo uma dieta natural, Eu que sou a favor do aborto, Eu que sou contra o aborto, Eu que defendo a eutanásia, Eu que pratico a Eutanásia, Eu que pratico o suicídio lento e gradual, Eu que coleciono recortes sobre bandas engajadas, Eu que coleciono fotos de jogadores de futebol, Eu que encomendo minha alma a Deus, Eu que acendo uma vela ao Diabo, Eu que doutrino as criancinhas no caminho que devem andar, Eu que freqüento os shows de rock gospel, Eu que desfruto de virgens inocentes, Eu que condeno a pedofilia, Eu que condeno o proselitismo, Eu que preservo a Mata Atlântica, Eu que coleciono tampinhas de garrafa, Eu que defendo a reciclagem, Eu que proclamo o Apocalipse e o Juízo Final, Eu que golpeio as portas da Igreja, Eu que jurei fidelidade a mim mesmo, Eu que assumi o compromisso da castidade, Eu que escrevia poeminhas para vampiros juvenis, Eu que frequento festinhas góticas, Eu que leio literatura hispânica neo-romântica, Eu que folheio as revistas nas bancas de revistas, Eu que piso na grama, Eu que julgo os homens contraditórios, Eu que digeria perdas e danos, Eu que passei no Concurso dos Correios e não fui chamado, Eu que fui aprovado no vestibular e não pude pagar a matrícula, Eu que devia ter estudo Advocacia, Eu que adoro folhear revistas em consultórios, Eu que coleciono canetas esferográficas, Eu que amo papai, mamãe e titia, Eu que namoro com moça de família, Eu que persigo viúvas e beatas, Eu que separo gregos e troianos, Eu que sou afro-romano, Eu que fui assaltado na Avenida Amazonas, Eu que fui salvo pela polícia, Eu que apanhei da polícia, Eu que protejo os humilhados e ofendidos, Eu que li “Crime e Castigo”, Eu que defendo os Direitos Humanos, Eu sempre elogiado nas comunidades virtuais, Eu que estava no barco bêbado, Eu que enxotei o corvo medonho na noite tenebrosa do “Nunca Mais!”, Eu que sou demasiado humano, Eu que acho que sou humano, Eu que li um poema sobre o ser humano, Eu que descobri a cura do câncer e fui ameaçado de morte, Eu que inventei o carro a água e misteriosamente desapareci, Eu que investiguei o tráfico de mulheres e amanheci com a boca cheia de carvão ardente, Eu que acusei um político sonegador e fui processada por difamação, Eu que detesto tomar banho, Eu que sou sujo e vil, Eu que li todos os poemas de Fernando Pessoa, Eu que vendi minha terrinha e caí numa favela, Eu que vendi a alma ao Demo, Eu que gravei uma fita demo, Eu que comprei a coleção do Pink Floyd, Eu que vendi a minha guitarra para comprar um anel de casamento, Eu que cortei meus cabelos para pagar um mês de aluguel, Eu que vendi meu corpo para saldar as prestações do apartamento, Eu que sou um consumidor voraz de hambúrguer e batata-frita, Eu que gasto um terço do meu salário no lan house, Eu que fui molestada pelo vizinho, Eu que fui violentada pelo meu padrasto, Eu que comprei panetone para a noite de Natal, Eu que acredito no Papai Noel, Eu que li a Bíblia três vezes, Eu que frequentei rituais pagãos nas noites de lua cheia, Eu que beijei na boca aos dezoito anos, Eu que não sou ecologista, Eu que não sou industriário, Eu que não sou burguês, Eu que não sou proletário, Eu que doei sangue às vitimas do acidente, Eu que fiz plantão no meu tempo de estagiário, Eu que salvei uma mocinha de envenenamento, Eu que bati o telefone na cara do meu amor, Eu que roubei um relógio de ouro no sinal fechado, Eu que contrabandiei informações no horário nobre, Eu que envio e-mails cheios de rancor e auto-piedade, Eu que entro nas salas de bate-papo apenas para escandalizar as senhoritas, Eu que detenho o título 'honoris causa', Eu que fui eleito líder comunitário, Eu que sou segurança da filha do prefeito, Eu que cansei de transar no escuro, Eu que transo e não gozo, Eu que adoro sobremesa de framboesa, Eu que adoro panetone sabor chocolate, Eu que prefiro strogonoff a feijoada, Eu que já lancei livros no hall da Prefeitura, Eu que sou aposentado sem qualquer dignidade, Eu que sou um ex-poeta e agora romancista cínico, Eu que engravidei fulana e sumi, Eu que distribuo cestas de Natal, Eu que cavalguei égua selvagem, Eu que li toda a obra de Nietzsche, Eu que reli o clássico 'On The Road', Eu que prometi a vida eterna aos meus fiéis, Eu que tenho conta suspeita nas ilhas Cayman, Eu que fui acusado de insensível, Eu que pratico pequenos furtos em lojas de conveniência, Eu que estaciono em fila dupla na porta do colégio, Eu que vou morrendo um pouquinho cada dia, Eu que morri na guerra, Eu que fui condecorado pelo General, Eu que fui torturado, Eu que tolero os gays, Eu que adoro lésbicas, Eu que adoro massagem e algo mais, Eu que sou cidadão de respeito, Eu que sou mulher de respeito, Eu que pago em dia os meus impostos, Eu que freqüento sessões da Câmara dos Vereadores, Eu que votei no coronel, Eu que vou votar de novo!, Eu que dediquei a minha vida ao bem-estar da humanidade, Eu que sou um gênio na miséria, Eu que sou um poeta falido, Eu que tenho um carrinho de cachorro-quente, Eu.




Por Leonardo de Magalhaens (Eu!)

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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ensaios de MEU CÂNONE OCIDENTAL

 MEU CÂNONE OCIDENTAL


Vol. I - Tomo I - Os Clássicos
(século 19)




1/O Vermelho e o Negro
(Le Rouge et Le Noir)


2/O Morro dos Ventos Uivantes
(Wuthering Heights)


3/Os Miseráveis (Les Misérables)


4/O Fauno de Mármore
(The Marble Faun)


5/Bel-Ami (Bel-Ami)




Volume II – Tomo II


Romantismo

1/Lord Byron (Grã-Bretanha)

2/Álvares de Azevedo (Brasil)





Literatura Gótica
Gothic Novels


Der Sandmann (E. T. A. Hoffmann)

Northanger Abbey (Jane Austen)

The Turn of the Screw (Henry James)





Literatura de Terror
Horror Fiction


Frankenstein (Mary Shelley) 


Contos de Terror de Edgar Allan Poe


Dracula (Bram Stoker)



outras obras comentadas em
MEU CÂNONE OCIDENTAL