terça-feira, 12 de agosto de 2025

O Aposentado -- conto by LdeM

 


                                            imagem: fonte : Internet


Conto


      O Aposentado 



      I


    Antes e depois de aposentado, sim, é assim que  se divide a vida do professor Júlio Sezar, ex-funcionário público e agora empreendedor. Não de sucesso, mas empreendedor. 


    Vida sossegada de funcionário público, professor de escola pública, burocrata em repartição da Prefeitura, cumpridor de deveres e filantropo em ações de caridade, Júlio Sezar imaginava uma vida ainda mais sossegada nas suas quase 7 décadas depois de deixar a rotina dos horários de expediente.


    Casado com a também professora Dolores, servidora também aposentada, o tranquilo Júlio Sezar não esperava mais do que uma vida nova, de novos hábitos e horários, com sossego e bem-estar familiar. 


    Nos primeiros meses até que a nova vida foi tranquila: acordar mais tarde e mais tempo sob as cobertas. Era umas férias estendida. Mas horários de almoço e banho e janta eram os mesmos. Não sentia falta do transporte público, mas lamentava a ausência dos colegas e das colegas entre causos e crônicas.  


    Tempo passou entre jornais e novelas, programas de auditório, vez ou outra nas missas de domingo, ou visitas aos filhos, um advogado e o outro empresário.  Este, o mais novo, que deu a ideia ao pai: abrir uma empresa. Cuidar de textos, revisão, trabalhos acadêmicos, tradução de obras técnicas ou literárias. O filho mais velho poderia indicar alguns clientes.  Que tal?


    Foi assim que Júlio Sezar começou seu negócio.  Uma sala num prédio de escritórios, na avenida central, poucos quarteirões da faculdade de Economia, uma impressora e dois computadores, máquina de xerox e scanner, pacotes de folhas e formulários... e dois ventiladores. 


    Tudo começa bem e até a esposa ajuda com algumas horas de digitação, mas logo precisam de alguém para se dedicar em horário integral, revisando e digitando, operando xerox e scanner, de modo que recolheram currículos e indicações até chegarem numa das filhas de um cliente do advogado da família. 


    Otimista como sempre foi, o aposentado, agora empresário, Júlio Sezar não hesitou em conseguir empréstimos para maiores investimentos e melhorias no escritório. O primeiro ano passou rápido entre estudantes e trabalhos para editoras independentes. 


    -- A vida começa aos sessenta...



    II



    No segundo ano, segue a crônica, veio a inauguração da copiadora num shopping  de rua, com mais um funcionário.  Cópias, encadernações, apostilas para cursinhos, tradução para literatos da cena local, novos clientes e uma nova rotina. 


    Rotina logo vira parte da vida do mesmo jeito que  foi a vida toda. Quem sempre tem rotina, sem rotina não vive. E na nova rotina o aposentado ficava pouco tempo em casa, justamente o contrário do que imaginava. E do queria a também aposentada esposa que passou a vida toda sem ver o marido. Só um alô ou uma breve discussão na hora de dormir. 


    No terceiro ano, ampliação da copiadora com duas funcionárias, uma delas só para cuidar do caixa. E novos planos para novos clientes e novos funcionários.  Ano que vem outra copiadora.  Por que não?


    Lucro chegava mais, mas sempre menos que os juros de empréstimos. E sempre pouco tempo e rotina mais rotina e repetindo rotina.  Sossego e bem-estar não aparecia. 


    E a mesma tecnologia que era funcional e amiga passava a ser cúmplice da concorrência.  Livros inteiros copiados e disponíveis em arquivos digitais em qualquer celular.  Os estudantes só copiavam em papel o essencial para as provas. E novos clientes preferiam tradutores de inteligência artificial. 




     III



    Planilhas após planilha, Júlio Sezar descuidava da também aposentada esposa e pouco visitava os filhos, que começavam a sentir a falta do pai, o funcionário público sossegado. 


    -- E eu que achava que agora a gente ia viver a  nossa vida...


    Cópia após cópia, rotina e agonia, antes da festa de 70 anos veio o primeiro infarto. O que evitou a primeira briga feia do casal. Uma semana sob observação     e atenção.  Filhos e netas foram abraçar o aposentado num raro momento de sossego. 


    Em longo período de descanso, o filho mais novo passava na copiadora para ver o movimento, sendo os olhos e a voz do pai. Os lucros caindo e os problemas subindo. Só sossego que não aparecia. 


    Não piorava aos poucos.  Era perder mais clientes e assim algum funcionário precisava passar no RH. Revisão e tradução era pouca, só xerox para estudantes e transeuntes, professores e pais de alunos.


    Quando voltou para a copiadora, Júlio Sezar não imaginava o tamanho do rombo. Contratou um contador, dispensou a funcionária do caixa e outra digitadora. Manteve as máquinas de cópias e scanner. Desistiu de ampliações.  Dívidas e juros se empilhavam. Os filhos negociavam com bancos e agiotas.


    Então decidiu acabar com o negócio antes de falir de vez.  Desmontar tudo ou passar o escritório? Novamente o filho mais novo ajudou o pai aposentado.  Conseguiram um empresário interessado.  Nada de edição e tradução.  Seria só copiadora e com alguns artigos de papelaria e uns bibelôs.  A transição foi feita. O segundo infarto foi evitado. 


    Semana passada a família foi reencontrada na missa de domingo e Júlio Sezar apresentou filhos e netas antes de seguirem para um almoço no Mangabeiras.  Estava feliz por encontrar o sossego de aposentado. Não esquecia sua meteórica carreira de empreendedor.  Até se orgulhava. Mas lamentava a rotina que vem após a rotina. 


    -- Hoje voltei para uma carreira que negligenciei a vida inteira: ser um pai atento... e agora um bom avô.  O senhor saiba: não há maior empresa do que a família. 



Agosto 25



LdeM 

Escritor, crítico literário 

Bacharel em Letras FALE / UFMG 


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terça-feira, 5 de agosto de 2025

Sonetos Cristãos by LdeM

 



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Soneto da Graça Eterna 


Soprou em nós o fôlego de Vida 

A Divindade dos Céus e da Terra 

Ao corpo e alma dentro regenera:

Graça da Vida Eterna prometida.


Mãe piedosa geradora da Vida,

Pai justo estende a todos Salvação:

Pois não tem prazer na condenação,

Logo aceitem a Graça oferecida.


Por Amor Deus Excelso se revela 

Em sintonia o Conhecimento:

Ministra Justiça a cada momento!


Plena Misericórdia desvela:

Não vem Dele o mito cruel do inferno!

É Vida: Um Só é o Deus Eterno.



Ago 24 



LdeM 




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Soneto da Paixão 


Salmos 22 (21) e 38 (37)



Senhor, tenha piedade de mim!

Se eu clamar, em dor, quem me ouvirá?

Quem, além do Senhor, vem me salvar?

Não tenho forças, não, em dor sem fim!


Meu gemido não se oculta de Ti!

Desejos são vãos! Vãos! Pesam em mim, 

Tantos que sufocam, rosnam sem fim, 

Acusam dia e noite, assim, sobrevivi.


Senhor, somente em Ti, tenho esperança, 

Meu íntimo se derrete de ardor, 

Humilhado, prostrado, em temor!


Não tarda a chegada da bonança, 

Eis o advento pleno do Teu favor, 

Salvo na Graça digna de louvor!



Abr 25 


LdeM 



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                                 local: Mariana / MG   fonte: internet 




Soneto de Corpus Christi 



Nas ruas as mil cores celebram, 

Imagens sacras, a última Ceia, 

Em serragens, café, cascas, areia, 

Cenas bíblicas, todas relembram.


Pombas em plumas, mais cores vibram, 

Ofertam aos olhares as belezas 

Dos santos Mistérios a riqueza 

Que aos fiéis nas ruas deslumbram. 


Nas praças ondulam as procissões, 

De vozes, rezas, votos, devoções

Prolongam nas ruas as liturgias.


Mil flores... Palmas... Em santa alegria, 

Louvores... Mais salmos... Novas canções 

Celebram a Fé na Eucaristia!



19/20 jun 25 



LdeM 







Soneto aos Evangelhos 



Mateus fala de Jesus aos judeus,

O filho de Davi, O Messias,

Filho de Abraão, O Filho de Deus,

Que no monte proclama as Boas Novas.


Em Marcos o chamado aos Apóstolos,

Os pecadores e os  pescadores;

Junto ao povo, ensinos e perdão;

Do Templo, expulsou os vendedores. 


Lucas os tantos milagres e curas 

Descreve com devoção e louvor, 

Desde a Anunciação à Ascensão. 


João, arauto do Verbo Divino, 

Revela o Criador e Salvador:

O Amor declarado na Redenção. 



Jul 25



LdeM 














A Bíblia contém a Palavra Divina 


Prosa e Poesia, Obra inspirada 

Do Alto aos homens de boa Vontade,

Escrita de Fé e Verdade:

É a Revelação guardada. 


Provérbios, as Profecias,

Os Salmos, os quatro Evangelhos,

Em Testamentos: Novo e Velho,

Divididos pelo Messias. 


A Bíblia contém a Palavra 

Divina, plena, radical,

Soprada direta de Deus:


Testemunho, Credo e Palavra 

Iluminam o essencial:

Cristo é a Palavra de Deus. 



Ago 25



LdeM 





Leonardo de Magalhaens

poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG




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sexta-feira, 4 de julho de 2025

Praga de Brasiliense [2024] novo livro do poeta Marcos Fabrício Lopes da Silva

 




Praga de Brasiliense 


Conto-poemas de 

Marcos Fabrício Lopes da Silva 

Brasília DF 

2024


    Finalmente em mãos a nova obra do poeta e professor Marcos Fabrício, posso então declarar que é sensacional, um verdadeiro fenômeno a demolir limites entre poesia e prosa, numa carga pesada contra os cidadãos de bens e os parasitas da pátria.  


    Desde o conto de abertura, e ao longo dos poemas narrativos, as personagens se alternam entre burocratas, desonestos, corruptos, cidadãos feitos de otários, fanfarra dos gananciosos, trupes de funcionários, entre cínicos e deslumbrados, com mil referências às artes brasileiras, de letra e de samba. 


    Nos textos estão tramas de tessituras vastas, vozes e ecos de Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Jorge Luís Borges, mitologia grega, dentre outros, com uma ironia cortante  a denunciar o plano piloto de Oscar Niemeyer e cia. que se tornou hoje um bunker para as elites encasteladas. 


    Num cinismo digno de um Brás Cubas, o burocrata sem escrúpulos de Niemeyerlândia expõe visceralmente as impressões e preconceitos das elites dos poderes políticos, a serviço dos plutocratas e ruralistas e neopentecostais das igrejas shopping center:


Sou especialista em dar tombo nos outros. 


Baseado na minha carreira, garanto: minha vida é um porre nada homérico.  


Como bom camaleônico, prefira Sukita. Cicuta é para os socráticos.  Molhe a palavra com o uísque presenteado pelo chefe. 


Futuro burocrata. Um dia, você terá um caixão cinco estrelas igual ao meu. 



    É assim que as classes que nos governam se revelam e se desnudam diante dos nossos olhares de cidadãos e cidadãs que não sabemos votar e damos as chaves da República para os demagogos e canalhas de plantão.  






    Rindo meio às tragédias talvez a gente consiga aprender alguma coisa, neste plano piloto que errou o plano de voo e caiu no mundo zumbi do funcionalismo kafkiano, que ignora o preço do arroz e do feijão.  


O preço do arroz 

não tem amor por ninguém 

Salgado não chega à mesa 

doce para o senhor vintém 

a cesta básica de vento

 nos alimenta de luz 

(Caro branco)



    Não se admira então os exaltados contra os três Poderes que, manipulados via zapzap pelas forças reacionárias, não hesitam em depredação e vandalismo contra os bens arquitetônicos de Niemeyer. 


    Não seja um comédia:

    Toque o terror.



Jul 25



LdeM 


Leonardo de Magalhaens

Escritor, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG





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sexta-feira, 27 de junho de 2025

Trovadorescas. poema by LdeM.

 




          Trovadorescas 



                      I


Em distantes terras e dramas, 

Com novos versos e rimas cria 

Os nobres, cavaleiros, monges, 

O Poeta com sagaz maestria.


Damas, senhores, dinastias, 

Em versos e rimas todo um mundo 

Com paisagens, reinos, intrigas, 

Tramas de um enredo profundo.


Donzelas, dragões, guerras santas, 

Nas cruzadas, nobre perde o feudo,

E conquista honras d'além-mar, 

Com vitórias domina o medo. 


Batalhas, combates, duelos, 

Cada lira aumentava um ponto, 

De verso a verso, rima a rima, 

Tecendo as figuras de um conto.


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                      II


Peregrinos cumprem seus votos 

Em penitências e dores 

Sofreram a áspera trilha 

Entre fome, pestes e horrores.


Louvor, salmos, cânticos, hinos 

A cada devoto o seu canto, 

Os corais nas catedrais 

Entoavam um santo espanto.


Os bardos, arautos, poetas, 

Trovadores, homens de versos, 

Cantores, atores, artistas, 

Em cantigas de seu universo.


Vozes fabricam peça a peça, 

No severo rigor do esquema 

Tecendo uma farsa, um conto:

O corpo canoro d'um poema.



Jun 25 


LdeM 



Leonardo de Magalhaens

Escritor, poeta, contista,

crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG

BH MG







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segunda-feira, 26 de maio de 2025

EU! Existe algum assunto mais interessante do que eu? by LdeM

 



                                                       [imagem: by Magritte. fonte: internet]



Eu!

Existe algum assunto 

mais interessante do que eu?

[Versão 2025]


Eu que não conheço Machu Picchu Eu que prefiro música 

clássica Eu que tenho horror a filme de terror Eu que prefiro

pizza sem catchup Eu que gosto de sabonete de limão Eu 

que coleciono poemas não publicados Eu que guardo 

agendas antigas Eu que gosto de tropeirão Eu que não 

conheço o mar Eu que nunca pulei de paraquedas Eu sou 

contra a pena de morte Eu que não servi ao exército Eu 

que li a Bíblia três vezes (já faz décadas!) Eu que tenho 

horror à música brega Eu que leio existencialistas franceses 

Eu que prefiro estudo de religiões Eu que tenho horror de 

televisão aberta Eu que espero o Juízo Final Eu que 

achei um Alcorão de edição alfarrábica (não deu pra 

comprar...) Eu que desisti de conhecer a Europa oriental 

Eu que descobri que nada sei de física quântica Eu 

descobri que o universo está em expansão Eu que 

prefiro filmes sci fi Eu que descobri a literatura turca 

Eu que tenho coleção de fotos da Segunda Guerra 

Eu que não patrocino nenhum canal de YouTube Eu 

que tenho três grupos no Facebook Eu que fui 

seduzido pelo Instagram Eu que guardo livros 

didáticos antigos Eu que coleciono discos do Pink Floyd 

Eu que lia Nietzsche Eu que já fui anarquista! Eu que 

ouvi a Voz Divina Eu que não fiz peregrinação à 

Meca Eu que não sei ler em hebraico (muito menos 

grego e latim...) Eu que gosto de ficção mais do que 

da realidade Eu que às vezes vou ao teatro (a 

esperar Godot...) Eu que acho surrealismo superatual 

Eu que prefiro mais Kafka do que realismo soviético 

Eu que achei que entendia budismo (zen é coisa e

 tibetano é outra) Eu que ouço uns mantras e entro 

em sintonia Eu que descobri que eu não existe 



Jan 25 


LdeM 


poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG

BH MG





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