quarta-feira, 26 de outubro de 2022

2 poemas de João Diniz in O Livro das Linhas / BH, 2020

 







João Diniz


in O Livro das Linhas / BH / 2020



linha do horizonte

janela



gemidos da natureza frágil

volúpias de acrobatas tontos

fumaças do produzir aflito

abismos do desejar volátil


perigos do afirmar silente

procuras do duvidar constante

misérias do dominar humano

carências do possuir mandante


                       passam por esta janela


cenários do encontrar distante

destinos de separar amantes

desejos de atravessar limites

saudades de aproximar estranhos


                        passam por esta janela


vestígios do existir passado

promessas que hão de vir mudadas

enganos a dirigir pessoas

avanços a calcular o passo


mentiras a entreter otários

problemas a resolver no tempo

distâncias do entender vencidas

bloqueios do caminhar ousado


                         passam por esta janela







linha melódica

música



na caverna pré-histórica

                 entre fogueira e caçadas

no silêncio do mosteiro

                circulando na fé do pátio

no mercado medieval

                 no odor e temor da inquisição


                    … ali havia música


na gótica catedral

                  entre velas preces e penumbra

no palácio imperial

                   em ricos bailes comissionados

sob as pontes noturnas

                       junto com frio fábulas e fome


                         … ali havia música


no campo de batalha

                  embalando ódios e saudades

entre a garra da revolução

                   conspirando o futuro ideal

na mundana festa ébria

                    junto ao gozo dos desejos breves


                     … ali havia música


nas bodas apaixonadas

                  em ricas ou pobres danças

no sonho das juventudes

                   em seus quartos ou passeatas

nas idosas memórias

                   onde o passado é maior que tudo


                           … ali havia música


no silêncio da floresta

                    numa imaginada sinfonia natural

na nervosa metrópole densa

                    nos vendidos motores publicitários

na última horizontal vivida

                 com possíveis choros sinos e anjos


                 … ali havia música


na lembrada infância boa

                 nos folguedos e cantigas travessas

no espaço ocupado

                  marcando o ritmo orgânico do tempo

na mente silente

                  entre ideias saudades e memórias


                 … ali havia música


música que toca canta embala e cala …






in O Livro das Linhas / Caravana, BH / 2020 

 








João Diniz (BH) é arquiteto e professor, poeta e performancer.

Autor de Ábaco [2011] e Aforismos experimentais [2014].






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